Desejo de ser m�e: nos �ltimos anos, o transplante de �tero se tornou uma alternativa poss�vel, embora ainda pouco frequente
S�O PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Aos 14 anos, a designer de interiores Thaysa Godoy, 44, de Belo Horizonte, soube que n�o tinha �tero quando a m�e a levou ao m�dico para investigar a aus�ncia da menstrua��o: "Foi um baque, chorei muito, mas o m�dico foi muito s�bio ao me dizer: 'N�o estou falando que voc� n�o ser� m�e, apenas que voc� n�o vai poder gerar. Voc� ovula, quem sabe a sua m�e n�o gera para voc�?"
M�rcia j� tinha feito um primeiro ultrassom aos 15 anos, devido � falta de menstrua��o, mas, � �poca, o m�dico apenas comentou que ela tinha um �tero infantil e receitou horm�nios por dois anos como tratamento, o que a levou a acreditar que havia solu��o para o problema.
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Assim como ocorreu com Thaysa e M�rcia, o diagn�stico da s�ndrome de Rokitansky, caracterizada pela aus�ncia de �tero e/ou do canal vaginal afeta 1 em cada 5.000 mulheres e ainda causa muito sofrimento, d�vidas e desinforma��o.
M�es por ado��o ou barriga solid�ria
Mas muitas delas se tornam m�es por meio de ado��o ou de barrigas solid�rias, permitidas no Brasil quando n�o envolve negocia��o financeira. Nos �ltimos anos, o transplante de �tero tamb�m se tornou uma alternativa poss�vel, embora ainda pouco frequente.
No Brasil, h� apenas um relato sobre esse tipo de transplante que tenha resultado em gravidez. Ocorreu em 2016, no Hospital das Cl�nicas de S�o Paulo. Uma mulher com a s�ndrome de Rokitansky recebeu o �tero de uma doadora com morte cerebral, engravidou logo depois e teve o beb� em dezembro de 2017. Nos Estados Unidos, ao menos 33 mulheres receberam transplante de �tero entre 2016 e 2021.
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Thaysa fez fertiliza��o in vitro (FIV) aos 30 anos e contou com a barriga da m�e, Dayse, para gerar a filha Isadora, hoje com 12 anos. Na �poca, ela estava casada havia quatro anos com Luiz Frederico.
Na FIV, m�e e filha fizeram tratamento hormonal. Thaysa, para produzir mais �vulos que depois foram fertilizados com os espermatozoides do marido; a m�e, para preparar o �tero para a gesta��o. A gravidez foi confirmada na terceira tentativa. Dayse tinha 55 anos e j� estava na menopausa.
"Quando eu peguei o Beta [HCG] positivo, foi muita emo��o. Minha m�e teve que me acudir. Meu marido brincava dizendo que tinha engravidado a sogra."
Cinco anos ap�s o nascimento de Isadora, o casal decidiu ter um segundo filho, usando embri�es que haviam ficado congelados. Mas dessa vez foi a cunhada de Thaysa, Ana Carolina, que emprestou a barriga para a gesta��o. Foram tr�s tentativas frustradas.
Um novo tratamento foi feito, e a confirma��o da gravidez veio na segunda tentativa. "Dessa vez foi totalmente diferente porque minha cunhada mora no interior de Minas. Ela s� me mandava fotos dos ultrassons. Tive que desapegar muito do processo."
Quarenta dias antes do parto, Thaysa come�ou a estimula��o para produzir leite. Na primeira gravidez, ela n�o havia conseguido amamentar a filha. "Quando Ana Vict�ria nasceu, agarrei nela feito uma leoa. Amamentei por seis meses e meio. Foi maravilhoso. Eu precisava viver isso."
M�rcia conta que quando teve o diagn�stico da aus�ncia de �tero estava namorando o atual marido, o instrutor de tr�nsito Weber Gomes da Gosta, havia um m�s. "Minha autoestima ficou muito abalada. Passei dias me escondendo dele para n�o contar, s� chorava."
Mas quando soube, o namorado a apoiou de imediato. "Ele disse: 'Se voc� precisasse de um pulm�o, de um cora��o, seria mais complicado. Mas tem muitas crian�as precisando de um pai e de uma m�e, vamos casar e adotar.'"
Com tr�s anos de casados, o casal entrou na fila de ado��o, e Vin�cius chegou dois anos depois. Tinha cinco meses de idade. "Ele trouxe toda a realiza��o que eu esperava como m�e, preencheu meu cora��o e � uma alegria muito grande nas nossas vidas."
Com o filho, que hoje tem 21 anos, j� crescido, M�rcia decidiu voltar a estudar e, aos 40 anos, formou-se em servi�o social. Tornou-se tamb�m uma das pioneiras do ativismo sobre a s�ndrome de Rokitansky no Brasil. Mant�m uma p�gina no Instagram para a troca de experi�ncias e de conhecimentos com outras mulheres.
Sem �tero
A dermatologista Claudia Melotti, 52, soube que n�o tinha �tero aos 14 anos, mas s� teve o diagn�stico da s�ndrome aos 20. "A sorte foi ter uma m�e maravilhosa que l� na d�cada de 1980 me disse: 'Cl�udia, voc� vai ser m�e se quiser, quando voc� decidir, da forma que escolher.'"
Ela conta que a d�vida se seria ou n�o m�e persistiu at� os 47 anos, quando decidiu que n�o teria filhos. "Exer�o a maternagem como m�dica, como tia, como filha, como amiga, em todas as minhas rela��es. Sei da janela de oportunidades que uma mulher tem de ser m�e, mas eu tamb�m sei da beleza que � n�o ter filhos."
H� tr�s anos, ela e outras duas mulheres, a administradora Luciana Leite e a filha Isabella Leite Barros, uma jovem que tamb�m nasceu sem �tero, decidiram criar o Instituto Roki para reunir informa��es adequadas sobre a s�ndrome de Rokitansky, as formas de tratamento e de acesso a ele.
"Temos relatos terr�veis de m�dicos desrespeitosos com as meninas ou que at� as orientaram inadequadamente. � uma minoria, claro, mas temos at� o caso de um m�dico que orientou a menina a fazer a dilata��o [do canal vaginal] com uma caneta Bic", conta Cl�udia.
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Sem informa��o adequada, ela diz que uma garota dilatou, por engano, o canal da uretra (de onde sai a urina), localizado um pouco acima da abertura do canal vaginal. "Ela perdeu o esf�ncter urin�rio e hoje usa fraldas. Muitas mulheres n�o t�m a cultura do conhecimento do nosso corpo."
Entre as frentes do Instituto Roki est� a constru��o de uma rede de profissionais de sa�de conhecedores da s�ndrome. "Por ser uma doen�a rara, muitas vezes fica ali numa aula isolada e, se o aluno [de medicina ou de outra �rea da sa�de] n�o prestou aten��o, nem sabe o que significa."
Ela explica que al�m da aus�ncia do �tero e do canal vaginal, at� 1 em cada 15 mil mulheres t�m um outro tipo dessa s�ndrome, que pode causar tamb�m comprometimentos �sseo, card�aco e renal. O instituto tamb�m oferece terapia e grupos de apoio em todo o pa�s.
Segundo Cl�udia, muitas meninas se preocupam mais com a impossibilidade de gesta��o do que com os problemas causados pelo encurtamento do canal vaginal, como dor e sangramento nas rela��es sexuais. O problema pode ser resolvido com dilata��o ou mesmo cirurgias de reconstru��o do canal vaginal.
"No nosso grupo, ouvimos relatos de meninas que estavam deprimidas, e que agora, com mais informa��es, se sentem melhor, est�o conseguindo olhar para a maternidade e optar pela ado��o, barriga solid�ria ou at� se sentirem calmas e seguras para n�o ter filhos."
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