Ana Regina do Espírito Santo

Ana Regina tinha 29 anos quando precisou retirar o �tero

Arquivo pessoal

Quando a enfermeira Ana Regina do Esp�rito Santo tinha 29 anos, sentiu sintomas estranhos na barriga. "Parecia que tinha algo pulando dentro de mim, dentro do meu �tero, mas eu n�o estava gr�vida", relembra ela, hoje aposentada, � BBC News Brasil.

Ao consultar m�dicos, recebeu o diagn�stico de miomas no �tero. Outras mulheres de sua fam�lia, incluindo tias e a m�e, j� tinham sofrido com miomas, c�ncer e precisaram fazer cirurgia para retirada do �rg�o. Dessa forma, evitaram o surgimento de outras doen�as ou agravamento do quadro de sa�de.

"Tenho hist�rico familiar. Minhas tias j� tiveram miomas e minha av� teve c�ncer no �tero. Ent�o, pensei na minha sa�de em primeiro lugar", diz.

Depois de alguns exames, a m�dica confirmou que seria necess�rio fazer um procedimento cir�rgico, que tamb�m � conhecido como histerectomia — remo��o total ou parcial do �tero, normalmente associada � retirada das trompas.

�tero pesava um quilo

Ana acabou realizando a cirurgia, mas o problema no �rg�o estava mais avan�ado do que os m�dicos imaginavam.

Enfermeira de forma��o, ela conta que, na �poca, s� pediu para que a cirurgi� fizesse um corte perto da p�lvis para que pudesse usar biqu�ni.

"Morava em Santos (litoral de S�o Paulo) e a minha �nica preocupa��o era essa", diz.

Segundo Ana, durante a cirurgia, o �tero "arrebentou" e n�o havia como preservar o �rg�o. Os m�dicos disseram que ele j� estava pesando um quilo.

"No meu caso, n�o tinha como manter o �tero. O mioma teve um crescimento muito r�pido e era como se eu estivesse em uma gesta��o de seis meses. Dava essa impress�o de tanto que estava pesado."

Al�m do �tero, os m�dicos tiveram que retirar o ov�rio e as trompas. "Quando os m�dicos viram os outros �rg�os, eles estavam em p�ssimas condi��es", relembra.

Embora fosse uma cirurgia delicada, Ana afirma que teve uma recupera��o tranquila, embora tenha percebido uma perda de peso excessiva depois do procedimento cir�rgico.

"Perdi muito peso e fiquei com 45 kg. As roupas dan�avam no meu corpo. Fiquei dois meses de licen�a. Fiz a cirurgia em janeiro, voltei a trabalhar em mar�o e tive outro problema de sa�de."

Autoestima abalada e discrimina��o


Ana Regina

Ao consultar m�dicos, Ana recebeu diagn�stico de miomas no �tero

Arquivo pessoal

Na �poca do p�s-operat�rio, ela conta que uma vizinha sugeriu que Ana e sua m�e visitassem sua casa, pois um curandeiro estaria l� e podia fazer uma ora��o por ela.

Ao fim do encontro, tiveram uma surpresa desagrad�vel. Sabendo o que ela havia passado, o homem disse: "Mulher assim n�o presta mais".

"Ningu�m tinha pedido a opini�o dele. A gente n�o esperava que ele fizesse aquilo e minha m�e ficou muito brava. Uma frase infeliz dessa reverberou por muito tempo na minha vida. Ele foi muito infeliz nisso e aquilo ficava na minha mente, subconsciente e come�ava a me achar um lixo", conta, indignada.

Ana considera que a sociedade na �poca era muito mais machista do que agora.

"� como se n�s s� prest�ssemos para ter filho", diz.

O preconceito tamb�m perdurou na vida dela, principalmente em relacionamentos. Sempre que sa�a com um homem e contava que n�o podia ser m�e, eles sumiam, diz Ana.

"N�o sei o que � namorar, n�o tinha rela��es e ningu�m queria nada comigo. Os homens, independentemente da etnia, davam desculpa e sa�am de fininho. Eu tamb�m comecei a pesquisar e ver a solid�o da mulher negra. Na d�cada de 90, era outra coisa", afirma.

Maternidade e sa�de mental


Ana

%u2018Hoje n�s temos condi��o de escolha%u2019, diz Ana, sobre decis�o de n�o ser m�e

Arquivo pessoal

Sem poder engravidar, Ana conta que pensou em adotar uma crian�a. O plano era apoiado pela m�e na �poca, mas foi sendo deixado de lado aos poucos.

“J� estava me consolidando na carreira, adquirindo independ�ncia financeira e foi algo que n�o foi para frente. Ent�o foi passando, passando e passou. Se eu quisesse, realmente teria adotado, mas foi uma escolha e hoje n�s temos condi��o de escolha”, conta.

Ela tamb�m encara como um avan�o poder ter autonomia sobre suas decis�es e o entendimento de que nem toda mulher precisa ser m�e. Ana ressalta que sempre recebeu muito apoio familiar e de amigas pr�ximas.

"Teve uma empatia muito grande. Tinha amigas que falavam que n�o tinham filhos e eram felizes. Outras diziam que, se pudessem, n�o teriam tido filhos."

Mesmo tendo superado a retirada do �tero, a frase preconceituosa ouvida muitos anos atr�s ainda ecoava em sua cabe�a. "Aquilo ficou guardadinho e algum dia despertou em mim, tanto que fiquei doente."

Os traumas apareciam no trabalho e impactavam a autoestima de Ana, que chegou a ter 's�ndrome de burnout' e conta que n�o percebia que estava com o problema. "Isso foi um gatilho, estava adormecido e apareceu dessa forma."

Ela afirma que demorou anos para cuidar da sa�de mental, e foi somente em 2013 que resolveu falar disso abertamente em sess�es de terapia. Em conjunto, fez um acompanhamento psiqui�trico e tomou medica��o por um ano.

Depois disso, diz ela, come�ou a lidar melhor com tudo que aconteceu no passado.

Hoje, Ana conta que evoluiu muito e enxerga que n�o precisa estar num relacionamento para sentir-se validada.

"Voc� come�a a ver que n�o precisa ter um relacionamento para ser feliz. Apesar de tudo, estou bem. Fa�o aula de ingl�s, tenho meu apartamento, moro na praia e tenho aula de dan�a aos s�bados. Hoje estou com a vida que sempre quis e estou bem", conclui.


Foto de mulher com as mãos ao redor da barriga

"Parecia que tinha algo pulando dentro de mim, algo pulando dentro do meu �tero, mas eu n�o estava gr�vida", diz Ana quando descobriu miomas

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O que � histerectomia?

A cirurgia consiste na remo��o do �tero e pode ser realizada por via vaginal ou abdominal.

Pode ser uma histerectomia parcial, quando se faz a remo��o do corpo uterino e se preserva o colo. Os ov�rios e tubas podem ou n�o ser removidos, dependendo de cada caso.

Outra op��o � a histerectomia total, sendo caracterizada pela remo��o de todo �tero, incluindo o colo, podendo haver remo��o das tubas e dos ov�rios.

Por �ltimo, existe ainda a histerectomia radical, procedimento que leva a remo��o de todo �tero, incluindo colo uterino, al�m do tecido de ambos os lados do colo do �rg�o reprodutor.

O tempo de interna��o e recupera��o varia, dependendo do tipo de histerectomia realizada e das condi��es de sa�de da paciente.

Em uma histerectomia minimamente invasiva, geralmente, a paciente fica menos de 24 horas internada, segundo especialistas.

Existem diversas indica��es para realizar a cirurgia e, assim como ocorreu com Ana, miomas s�o os principais causadores do problema.

"Miomas s�o tumores benignos que crescem nos tecidos uterinos. Podem ocasionar grandes perdas sangu�neas, com quadros de anemia", explica Luana Ariadne Ferreira, ginecologista do hospital Edmundo Vasconcelos, em S�o Paulo.

Segundo Fernanda Schier de Fraga, ginecologista, obstetra e professora do curso de Medicina da Pontif�cia Universidade Cat�lica do Paran� (PUC-PR), � importante observar sintomas como fluxo intenso, menstrua��o por muitos dias seguidos e fortes c�licas.

O procedimento cir�rgico pode ser feito como preven��o para o surgimento de outras doen�as, segundo especialistas. Al�m disso, o hist�rico familiar tamb�m pode ser indicativo para a histerectomia.

"O hist�rico familiar de doen�as no �tero — como miomas, c�nceres, endometriose — pode aumentar o risco do desenvolvimento dessas patologias na mulher. Portanto, � importante que mulheres com hist�rico familiar de doen�as uterinas informem seus m�dicos e fa�am exames de rotina com maior frequ�ncia para detectar precocemente qualquer problema", alerta Giovana Brandalize, ginecologista oncol�gica do Hospital S�o Marcelino Champagnat, em Curitiba (PR).

A especialista alerta que a predisposi��o gen�tica � um dos fatores de desenvolvimento das doen�as, mas � importante lembrar que outros, como idade e estilo de vida, tamb�m podem influenciar no desenvolvimento dessas enfermidades.

A especialista da PUC-PR destaca, ainda, que "se a gente est� falando de uma mulher cis, o ideal � mostrar que a vida sexual vai continuar. O acompanhamento psicol�gico � para isso".

E, mesmo tendo o �tero parcialmente ou totalmente retirado, as especialistas ressaltam que as mulheres que desejarem ainda podem buscar a maternidade. E dizem que � imprescind�vel uma rede de apoio e ajuda com profissionais especializados durante o processo.

Atualmente, se a mulher n�o puder engravidar, existem alternativas como ado��o, congelamento de �vulos e j� se estuda o transplante de �tero.

"Nas pacientes que t�m desejo de gestar e apresentam alguma doen�a no �tero, sempre � considerada uma cirurgia conservadora, retirada somente dos miomas. Mesmo em casos iniciais de c�ncer no �tero e no colo do �tero, � poss�vel preservar o �tero e manter a fertilidade. Se n�o for poss�vel preservar o �tero, indica-se o congelamento de �vulos, para posteriormente avaliar uma gesta��o por barriga solid�ria", explica Brandalize.