A Justiça do Rio de Janeiro condenou, nessa segunda-feira (18/8), as tiktokers Nancy Gonçalves Cunha Ferreira e Kerollen Vitória Cunha Ferreira a 12 anos de prisão em regime fechado por injúria racial. Mãe e filha, que chegaram a reunir mais de 12 milhões de seguidores nas redes sociais, foram responsabilizadas por gravar e divulgar vídeos em que ofereciam uma banana e um macaco de pelúcia a duas crianças negras.

Além da pena de prisão, as duas terão de pagar R$ 20 mil de indenização a cada uma das vítimas, valor que será corrigido monetariamente. Apesar da condenação, Nancy e Kerollen poderão recorrer em liberdade, mas seguem proibidas de publicar conteúdos semelhantes nas redes sociais e de manter contato com as famílias atingidas.

Durante o processo, as influenciadoras afirmaram não terem tido intenção de ofender e disseram que estavam apenas participando de uma trend do TikTok. Nancy declarou que não sabia o que era racismo e que queria apenas “alegrar as crianças”. Kerollen disse ter percebido a gravidade da ação somente após a repercussão negativa.

Os advogados das famílias das vítimas celebraram a decisão judicial. Em nota, afirmaram que a sentença “afirma que a infância negra não pode ser objeto de humilhação recreativa e que o racismo estrutural deve encontrar resistência efetiva no Judiciário”.

Já a defesa das influenciadoras, representada pelo advogado Mário Jorge dos Santos Tavares, disse respeitar a decisão, mas não concordar com ela. O advogado anunciou que irá recorrer ao Tribunal de Justiça do Rio, defendendo a inocência das acusadas.

Relembre o caso

O episódio ocorreu em São Gonçalo (RJ), em 2023. Durante uma gravação, as influenciadoras abordaram um menino de 10 anos e uma menina de 9, entregando a eles os “presentes”. Os objetos escolhidos carregam estereótipos racistas históricos, que associam pessoas negras a animais.

Sueli Carneiro - Filósofa e professora paulista, nascida em 24/6/1950, criou o Geledés Instituto da Mulher Negra , escreveu livros e artigos sobre direitos humanos e foi uma das responsáveis pela defesa constitucional das cotas raciais nas universidades. Referência atual no movimento negro. Andre Seiti - wikimedia commons
Conceição Evaristo - Escritora mineira, nascida em 29/11/1946, Prêmio Jabuti de Literatura (2015), ligada ao grupo Quilombhoje, que reúne escritores afro-brasileiros para a discussão de temas sociais e produção de conteúdo valorizando a cultura negra. Reprodução do Instagram @conceicaoevaristooficial
Durante o regime militar, passou 13 anos exilado no exterior. Ao voltar, ingressou na vida política. Foi senador pelo PDT e colaborou com o Movimento Negro Unificado (1978). Como deputado, tornou o 20 de novembro dia oficial da Consciência Negra, em São Paulo (2006). Morreu aos 97 anos de insuficiência cardíaca. Reprodução do site al.se.leg.br
Abdias Nascimento (1914-2011) - Ator, escritor e professor paulista. Indicado ao Nobel da Paz em 2010. Fundou, idealizou ou integrou várias instituições de defesa dos direitos humanos. Professor emérito na Universidade do Estado de Nova York, em Buffalo (EUA). Reprodução do site agenciabrasil.ebc.com.br
Nina Simone (1933-2003)- Cantora e pianista americana. Por ser negra, foi impedida de ingressar no Instituto de Música quando jovem. Ganhou espaço em bares, misturando arte e ativismo. Sua canção "Mississippi Goddamn" tornou-se hino negro. Ela cantou no enterro de Martin Luther King. Reprodução do Twitter @mefeater
Elizabeth Eckford - Nascida em 4/10/1941, foi uma das primeiras negras a frequentar escola para brancos. Sua imagem ao chegar ao colégio, perseguida e hostilizada por brancas, principalmente Hazel Bryan (gritando), se cristalizou na simbólica foto de Will Counts, que teve grande repercussão. Reprodução do site jornalggn.com.br
Barack Obama - Político e advogado americano, nascido em 4/8/1961, foi o 44º presidente dos EUA (2009-2017). 1º negro a presidir o país. Nobel da Paz em 2009. Democrata, foi Senador. Sancionou lei também contra o preconceito de gênero. Reprodução do Instagram @barackobama
Angela também ganhou projeção por ser personagem de um dos mais polêmicos julgamentos dos EUA, em que muitos pediam sua absolvição. Ela foi acusada de envolvimento no assassinato de um juiz e, ao fugir, foi alvo de grande caçada. Inocentada mais tarde, foi homenageada por John Lennon com a música "Angela". Patrick Flood - Flickr
Angela Davis - Professora e filósofa americana, 26/1/1944, alcançou notoriedade nos anos 1970 como integrante do Partido Comunista dos Estados Unidos e do grupo Panteras Negras, que monitorava a ação policial na Califórnia e era considerado uma "ameaça à ordem urbana" pelo FBI. Reprodução do site blogdoims.com.br
Koffi Annan (1938-2018) - Diplomata ganês, secretário-geral da ONU (1997-2006). Nobel da Paz em 2001 por criar o Fundo Global de Luta contra Aids, Tuberculose e Malária, para países em desenvolvimento. Ligado a instituições voltadas para o bem coletivo, em âmbito global. Reprodução do Instagram @kofiannan
Alice Walker - Escritora americana, nascida em 9/2/1944, é uma das vozes mais ativas na luta contra a discriminação. Penou para estudar por causa da segregação. Ganhou o Prêmio Pulitzer (1983) pelo livro "A Cor Púrpura", que inspirou o filme homônimo, de Steven Spielberg, estrelado por Whoopi Goldberg. Reprodução do site blog.oup.com
Sua história inspirou o filme "Infiltrado na Klan", de Spike Lee, com John David Washington no papel do agente. filme
Ron Stallworth - Nascido em 18 de junho de 1953. Primeiro policial negro de Colorado Springs, no Colorado. Trabalhou infiltrado na Ku Klux Klan (grupo que matava negros) no fim dos anos 70, fingindo ser branco por telefone. Reprodução do site aventurasnahistoria.uol.com.br - Wikimédia Commons
Eleito presidente da África do Sul em 1994, teve como vice o homem branco que foi seu antecessor: Frederick de Klerk, que já havia revogado leis raciais no país. Ambos receberam juntos o Prêmio Nobel da Paz de 1993. Mandela morreu aos 95 anos, de infecção pulmonar. Reprodução do Site One.org/international/blog
Nelson Mandela (1918-2013) - Advogado sul-africano, é considerado o mais importante líder da África Negra. Passou 27 anos na prisão, em Robben Island (sua cela hoje é ponto turístico) e foi libertado em 1990, após uma campanha internacional. Reprodução do site conhecimentocientifico.com fonte Rafael Zanatta
Owens declarou que sua maior decepção foi a falta de felicitações por parte do então presidente americano Franklin Roosevelt, que não mandou sequer um telegrama. Com as medalhas, ele foi saudado nas ruas, mas, ao se hospedar no hotel, teve que usar o elevador de serviço. Morreu de câncer aos 66 anos. Reprodução do site oexplorador.com.br
Jesse Owens (1913-1980) - Atleta americano, ganhou o Ouro Olímpico em 100m rasos, 200m rasos, 4 x 100m rasos e salto em distância, em 1936, em plena Alemanha Nazista. Sua vitória aconteceu diante do olhar enfurecido de Hitler, que cuspia discursos sobre a suposta supremacia ariana. Domínio Público
Malcolm X (1925-1965) - Revoltado com o assassinato do pai e violências sofridas pela mãe, Malcolm era radical. Defendia o Nacionalismo Negro nos EUA. Fundou a Organização para a Unidade Afro-Americana, de inspiração separatista. Convertido ao Islã, foi morto por muçulmanos extremistas. Reprodução do site hipeness.com.br
O esforço deu resultado. Após 1 ano de boicote, a Suprema Corte dos EUA, finalmente, considerou inconstitucionais as exigências de segregação nos ônibus no Alabama. Rosa foi homenageada em diversas ocasiões, recebeu comenda de Bill Clinton e morreu aos 92 anos, de causas naturais. Reprodução do site belezablackpower.com.br
Rosa Parks (1913-2005) - Símbolo do movimento negro nos EUA, ficou famosa em 1/12/1955 quando se recusou a ceder seu lugar num ônibus para um branco. Seu gesto foi o estopim para o boicote aos ônibus. Os negros deixaram de usar esse meio de transporte, causando prejuízo às empresas. Reprodução do site belezablackpower.com.br
A luta contra o racismo envolve cada vez mais pessoas, conscientes de que não basta não discriminar. É necessário denunciar a intolerância, pois racismo é crime.Veja lideranças que, além de King, também marcaram a história nessa batalha. Freepik
Em 4/4/1968, King estava na varanda do hotel quando foi baleado por James Earl Ray, condenado a 100 anos de prisão pelo crime. Em 1999, autoridades concluíram que o assassinato foi planejado por membros da máfia e do governo americano. Domínio público
King promoveu diversas manifestações. Na mais famosa dela - a Marcha sobre Washington por Trabalho e Liberdade - proferiu a frase "Eu tenho um sonho", que entrou para a história, no antológico discurso aos pés do Memorial de Lincoln, em 1963. Embaixada e Consulado dos EUA no Brasil
Martin Luther King marcou a história mundial como um expoente da luta por igualdade de direitos. Nascido em 15/1/1929 ele se eternizou como ativista e pacifista com passagens e discursos que ficaram na memória coletiva. Reprodução do Site ipiracity.com

A gravação foi divulgada como se fosse um conteúdo humorístico. Para a juíza Simone de Faria Ferraz, da 1ª Vara Criminal de São Gonçalo, isso caracteriza o chamado “racismo recreativo”, previsto na Lei 7.716/1989, agravado pelo fato de ter sido cometido em contexto de diversão e por mais de uma pessoa.

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Na decisão, a magistrada destacou que Nancy e Kerollen “animalizaram” as crianças e ainda “monetizaram a dor” delas ao usar a exposição como conteúdo digital. Como consequência do vídeo, o menino passou a ser chamado de “macaco” na escola e desistiu do sonho de se tornar jogador de futebol. A menina, por sua vez, se isolou dos colegas e precisou de acompanhamento psicológico.

O que é injúria racial?

  • É ofender a honra de alguém usando palavras relacionadas à cor, raça, etnia ou origem.
  • Precisa haver a intenção clara de ofender a vítima.
  • Mesmo quando aparece como “piada” ou “brincadeira”, continua sendo crime (racismo recreativo)
  • O sofrimento da vítima é presumido, não precisa ser comprovado.
  • Também pode valer para ofensas ligadas à identidade de gênero ou orientação sexual.
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