Nas últimas semanas, um vídeo do youtuber Felca provocou comoção nas redes sociais ao denunciar a adultização e a exploração sexual de crianças e adolescentes na internet. A denúncia direta ao influenciador paraibano Hytalo Santos por exploração infantil mobilizou o Ministério Público, resultou na retirada de perfis das redes e desencadeou discussões que chegaram até a Câmara dos Deputados. O episódio escancarou um problema crescente e, até então, invisível: a violência sexual digital contra crianças e adolescentes no Brasil.

Embora o assunto tenha ganhado ampla visibilidade agora, ele já vinha sendo mapeado de forma sistemática por organizações da sociedade civil. O ChildFund Brasil, com quase seis décadas de atuação no país em defesa dos direitos de crianças e adolescentes, lançou recentemente a campanha internacional “Os Monstros na Internet São Reais”, com o objetivo de informar e mobilizar a sociedade diante do cenário alarmante.

A campanha, que acontece simultaneamente em seis países da América Latina, reúne vídeos impactantes, cartilhas educativas, cursos gratuitos e materiais de apoio para pais, educadores e jovens. O material está disponível no site www.monstrosnainternetsaoreais.com.

Números que chocam: 54% dos adolescentes já foram vítimas

A ação foi impulsionada por uma pesquisa inédita conduzida pelo ChildFund em 2025, que ouviu mais de 9 mil adolescentes em todos os estados brasileiros. Os dados revelam uma realidade chocante:

  • 54% dos adolescentes brasileiros já sofreram algum tipo de violência sexual online - o que representa cerca de 9,2 milhões de jovens;
  • 94% não sabem o que fazer se forem vítimas de abuso digital;
  • Apenas 35% recebem algum tipo de supervisão parental;
  • O risco de violência cresce com a idade e o tempo de uso: jovens de 17 e 18 anos têm 1,3 vez mais chances de sofrer abuso do que os de 15 anos;
  • Casos de exposição ou distribuição de imagens íntimas ocorrem 10 vezes por segundo no mundo.

"Estamos deixando nossos filhos atravessar avenidas digitais sozinhos"

Em entrevista, o presidente executivo do ChildFund Brasil, Mauricio Cunha, foi direto ao classificar o cenário como "estarrecedor": "Temos uma geração completamente exposta, à mercê de predadores digitais. Só 35% recebem supervisão online. E 94% não sabem o que fazer se forem vítimas. É como deixá-los atravessar uma avenida movimentada sozinhos", afirma Cunha.

Segundo ele, a ausência de políticas públicas de educação digital é um agravante: "Não temos uma política nacional de letramento digital com foco na proteção da infância. Muitos pais não sabem sequer usar ferramentas de controle parental. Enquanto isso, os predadores dominam o ambiente digital".

Predadores e armadilhas em tempo real

A internet, explica Cunha, tornou-se um território fértil para criminosos: "Um predador pode iniciar contato com uma criança a cada 19 segundos em jogos online. Em menos de uma hora, ele conquista a confiança dela. Isso não é teoria, é realidade".

A campanha "Os Monstros na Internet São Reais" utiliza essa metáfora para mostrar como os perigos podem estar disfarçados de amizades, jogos e interações aparentemente inocentes. Esses "monstros" podem ser tanto pessoas quanto conteúdos nocivos, e o impacto na vida das vítimas pode ser devastador.

"A violência digital pode ser até mais danosa que a física. Uma imagem íntima pode circular eternamente e virar moeda de chantagem. Muitos adolescentes desenvolvem traumas, depressão, e em alguns casos, tentam o suicídio", alerta o presidente.

Curso gratuito e materiais educativos: proteção começa com informação

Como resposta concreta, o ChildFund desenvolveu o curso online "Safe Child", voltado para crianças, famílias e escolas. O conteúdo foi construído com o apoio de especialistas em desenvolvimento infantil e está disponível gratuitamente no site childfundbrasil.org.br/cursos.

"É um curso lúdico, adaptado à idade da criança, que ensina de forma prática como reconhecer situações de risco e se proteger. Mas é preciso apoio dos gestores públicos para que ele entre nos currículos escolares e tenha escala".

Além disso, a organização lançou cartilhas, vídeos e guias voltados a cuidadores, educadores e adolescentes, buscando criar uma cultura de prevenção.

A responsabilidade é de todos?

Para Cunha, a proteção online de crianças e adolescentes não pode recair apenas sobre as famílias:
"É tarefa compartilhada entre Estado, empresas de tecnologia, escolas e sociedade civil. Os pais têm papel fundamental, sim, mas precisam de suporte. Sozinhos, não conseguem combater um problema de tamanha escala".

O ChildFund defende a implementação de políticas públicas locais e nacionais que incluam educação para o uso seguro da internet e capacitação de pais e professores.

A pesquisa do também aponta para o uso excessivo da internet: 30% dos adolescentes passam mais de 6 horas por dia online, além do tempo escolar. Apenas 21% relatam ter hobbies fora do ambiente digital.

"Estamos criando uma geração que vive em uma realidade bidimensional, sem contato com o mundo real. O excesso de tempo de tela prejudica o desenvolvimento físico, emocional e cognitivo", conclui Cunha.

O caminho, segundo ele, é o diálogo contínuo com os filhos, imposição de limites saudáveis e reconhecimento da vulnerabilidade natural da infância: "Limite não é autoritarismo, é proteção. Crianças não têm maturidade para tomar todas as decisões sozinhas. Precisam ser ouvidas, mas também cuidadas". 

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Um alerta final: não espere ser tarde demais

A mensagem da campanha é clara: os monstros da internet são reais, e eles estão mais próximos do que imaginamos. Combater a violência sexual digital exige urgência, informação e ação conjunta.

O curso "Safe Child", as cartilhas educativas e os vídeos da campanha podem ser acessados gratuitamente em:

https://monstruoseninternetsonreales.com/pt/ 

https://brasil.miescuelapositiva.org/

ChildFund Brasil em números (2024)

  • +83 mil crianças, adolescentes e jovens atendidos diretamente
  • +189 mil pessoas impactadas por programas sociais
  • +1,3 milhão de pessoas alcançadas indiretamente
  • Presente em mais de 70 países através da rede internacional

Estagiária sob supervisão do editor Benny Cohen

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