Se você acessa o YouTube, o Instagram ou o Facebook deve ter se deparado com anúncios pedindo doações para abrigos de animais. A dinâmica é sempre a mesma: uma mulher mostra cachorros abandonados dizendo que faz parte de uma ONG que está passando por dificuldades. Ela pede ajuda específica: um pix.
Em alguns anúncios, o vídeo redireciona para um site falso da Vakinha, uma plataforma usada para financiamento coletivo. Mas a única parte clicável é a chave pix para a doação.
Em boa parte dos casos, o abrigo se apresenta como Patinhas do Bem. Mas também há relatos de nomes como Patas do Bem, Patas da Esperança e Quatro Patas. No Facebook, são diversas páginas com o nome – a maioria criada no último mês e com poucos ou nenhum seguidor.
Em algumas delas constam algumas informações que não correspondem a uma ONG real, como endereços que não existem – especialmente na cidade de São Paulo – ou CNPJs que nunca foram criados ou que estão associados a outras empresas, telefones e e-mails que não respondem.
Como as páginas funcionam?
As páginas e os vídeos dos anúncios usam imagens de organizações reais ou criadas por inteligência artificial. A maioria se apresenta como “organização não governamental, sem fins lucrativos, dedicada à proteção e ao bem-estar animal”.
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“Nossa missão é resgatar animais em situação de abandono, maus-tratos ou vulnerabilidade, oferecendo cuidado, tratamento veterinário e, principalmente, muito amor. Acreditamos que cada vida importa e trabalhamos para proporcionar uma segunda chance aos nossos amigos de quatro patas. Além do resgate, realizamos campanhas de adoção responsável, castração e conscientização, buscando criar uma sociedade mais justa e empática com os animais”, se apresenta um perfil.
“Cada dia é uma nova oportunidade para salvar vidas, mas isso só é possível com a sua ajuda. Cada animal resgatado recebe cuidados veterinários, carinho e a chance de recomeçar. Sua doação é a chave para manter esse trabalho. Não deixe que a dor de tantos animais continue. Apoie agora e faça parte dessa missão de amor e transformação”, pede outro.
Uma dessas páginas no Facebook apresenta um número de telefone associado. No entanto, quando a reportagem entrou em contato, a pessoa que atendeu se identificou como Mr. Robot e disse que se tratava de um engano, já que não tinha relação alguma com uma ONG de cuidados animais.
Em um dos sites de vaquinha falsos, uma mulher diz que cuida de mais de 100 cães. “Estamos há 18 dias SEM ENERGIA. O aluguel já tem DOIS MESES atrasado, as dívidas no veterinário só crescem e a ração acabou... Eu tento improvisar comida, mas muitos estão tão fraquinhos que mal conseguem levantar! Eu estou lutando, mas não consigo mais sozinha. Preciso levantar R$12 mil para pagar luz, aluguel, dívidas e comprar pelo menos 20 kg de ração para os mais necessitados”, pede.
Em seguida, aparecem comentários que simulam pessoas que se comoveram com a página. Também há falsas notificações de doações, para parecer que muitas pessoas estão apoiando a causa.
Relatos de quem já caiu
O canal do YouTube intitulado Investidor ao Contrário | Rodrigo Castro publicou um vídeo em que denuncia o golpe. Nos comentários, vários relatos de quem acabou sendo enganado pelos anúncios.
“Eu doei 20 reais pra eles (tudo o que eu podia ter doado na época), dei like em cada vídeo, anúncio, orei e fiz tudo o que eu podia, saber que isso é um golpe corta meu coração, pois sei que tem gente que precisa de verdade, mas fico de consciência limpa que eu pelo menos não tinha muito dinheiro pra doar muito”, confessou um perfil.
“Nossa! Ontem mesmo fiz doação de 20 reais pro Patinhas do Bem! Tinha um CNPJ, pensei que era algo sério! Que realmente estavam ajudando os bichinhos!”, dizia outro comentário.
“Quando vi, copiei a chave pix ... era um cnpj de empresa... fui pesquisar a empresa, também falsa! Só restou denunciar!”, relatou um terceiro.
“Eu desconfiei quando apareceu mais de uma vez. Comercial é MUITO caro. Se eles têm dinheiro para ter tantos comerciais, com certeza tem para comprar comida”, apontou outro.
Anúncios falsos prejudicam organizações reais
O nome Patinhas do Bem envolve várias páginas de voluntários reais que cuidam de animais em situação precária, que acabam sendo prejudicadas pelos anúncios falsos. Isso porque, além de não receberem as doações, têm a reputação danificada e até fotos e vídeos roubados.
A organização Patinhas do Bem de Pinhalzinho (SC) fez uma publicação esclarecendo que não tem relações com os golpes. “Estão aparecendo alguns comentários com uma chave Pix, como da imagem! NÃO É A NOSSA, estão aplicando GOLPE! Nossa chave Pix é 45.196.957/0001-93 CNPJ da ORGANIZAÇÃO COMUNITÁRIA EM PROL DOS ANIMAIS REJEITADOS E ABANDONADOS - PATINHAS DO BEM. Fiquem atentos a qualquer doação que não esteja em nome da ONG. Em caso de dúvidas, nos chame imediatamente!”, publicou nas redes.
A Associação Patas do Bem, de Florianópolis (SC), esclareceu ao Estado de Minas que sequer atua como um abrigo de animais. “Não fizemos anúncios em nenhuma rede social. Não somos nós anunciando a Vakinha no YouTube. Não trabalhamos como abrigo de animais. Nosso trabalho é com Serviços Assistidos por Animais”, apontou.
Já a Patinhas do Bem de Itapiranga (SC) deixa claro que não tem um abrigo já na descrição do perfil. Ao Estado de Minas, a ONG relatou que tem recebido várias mensagens de quem viu o golpe. No entanto, esclarece eles realizam um trabalho voluntário de verdade. “Os casos que temos em nosso Instagram, são verídicos e atuantes em nosso município. Infelizmente acabam pegando as fotos e criando histórias em cima delas”, informou.
A organização afirma ter notificado a rede social sobre os golpes. A Meta, dona do Facebook e do Instagram, destacou, via assessoria, que está vigilante em relação ao problema.
"Atividades que tenham como objetivo enganar, fraudar ou explorar terceiros não são permitidas em nossas plataformas e estamos sempre aprimorando a nossa tecnologia para combater atividades suspeitas. Também recomendamos que as pessoas denunciem quaisquer conteúdos que acreditem ir contra os Padrões da Comunidade do Facebook, das Diretrizes da Comunidade do Instagram e os Padrões de Publicidade da Meta através dos próprios aplicativos”, informou a empresa.
Nossa experiência
Os anúncios no YouTube apareceram diversas vezes para nossa reportagem, até que entramos em contato com alguns e-mails e números de telefone associados às falsas ONGs. A partir daí os vídeos não eram mais exibidos e até sumiram do histórico de propagandas exibidas.
Entramos em contato com a assessoria do YouTube, que nos solicitou o envio das imagens dos anúncios e links das propagandas para poder se pronunciar. Como eles desapareceram, não foi possível atender à solicitação e empresa informou não ser possível prosseguir com a nossa demanda.
Na política de anúncios da plataforma, no entanto, aparece que é proibido fazer anúncio de produtos falsificados, produtos ou serviços perigosos, permissão de comportamento desonesto (incentivo à fraude) e conteúdo inadequado (que promovam ódio, intolerância, discriminação ou violência).
Anúncio nas redes sociais pede doação financeira para abrigo de animais que não existe
Também há uma lista de práticas proibidas, como abuso da rede de publicidade. Entre os exemplos do que não fazer o site lista: promoção de conteúdo que contém malware; prática de cloaking ou outras técnicas para ocultar o verdadeiro destino dos usuários; arbitragem ou promoção de destinos com a finalidade exclusiva ou principal de mostrar anúncios; promoção de destinos intermediários ou gateway criados exclusivamente para enviar as pessoas a outros locais; publicidade com a intenção única ou principal de ganhar apoio público do usuário nas redes sociais; manipulação de configurações na tentativa de contornar nossos sistemas de análise de conformidade com a política.
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O YouTube também diz não autorizar a coleta e uso de dados irresponsável, a deturpação de informações nos anúncios, citando como exemplo realizar phishing ou alegar falsamente ser uma empresa respeitável para fazer os usuários darem informações pessoais ou financeiras valiosas.
Como não cair no golpe?
- Pesquise a reputação da ONG ou abrigo - Procure o nome da instituição no Google, redes sociais e sites de reclamação. Veja se há notícias, avaliações ou denúncias.
- Verifique se possui CNPJ ativo - ONGs sérias costumam ter CNPJ. Confirme se está ativo e se corresponde à razão social informada.
- Desconfie de pedidos urgentes ou emocionais demais - Golpistas usam histórias tristes, fotos impactantes e frases como “doe agora ou o animal morrerá” para pressionar.
- Cheque as redes sociais oficiais - Perfis legítimos costumam ter histórico de postagens, interações reais e transparência nas ações. Contas novas ou com poucos seguidores merecem atenção.
- Peça notas fiscais ou comprovantes de compras - Organizações sérias apresentam relatórios ou comprovantes mostrando como os recursos são usados.
- Desconfie de doações apenas via Pix para CPF pessoal - Prefira instituições que usam Pix com CNPJ. Evite enviar dinheiro para contas pessoais, a não ser que você conheça a pessoa diretamente.
- Procure por parcerias e credibilidade - Veja se a ONG tem parcerias com clínicas veterinárias, pet shops ou marcas conhecidas. Isso aumenta a confiabilidade.
- Não clique em links suspeitos enviados por WhatsApp ou redes sociais - Sempre digite o endereço do site manualmente no navegador ou vá pelo perfil oficial.
- Prefira doar diretamente em produtos ou serviços - Ao invés de doar dinheiro, ofereça ração, medicamentos ou pague diretamente em uma clínica parceira.
- Busque transparência no uso das doações - ONGs sérias divulgam relatórios financeiros, fotos, vídeos e resultados concretos das ações.