Trump, tarifas e contradições
O tarifaço de Trump institui autêntica sanção internacional contra o Brasil, inaceitável porque imposta a um país democrático
compartilhe
Siga no*Carlos Augusto Daniel Neto e Igor Mauler Santiago, advogados e doutores em direito tributário
Benjamin Franklin, um dos pais fundadores dos Estados Unidos, dizia que nada neste mundo é certo, exceto a morte e os impostos. Outro deles, Alexander Hamilton, defendeu, nos Artigos Federalistas, as tarifas comerciais como fontes de receita e instrumentos de competição entre as nações pelo “privilégio do mercado americano”. Isso apesar de a independência daquele país decorrer da revolta contra as vantagens fiscais inglesas frente à colônia, que levaram à célebre Tea Party de Boston. Coerência nunca foi o forte nessa matéria…
Nesses 250 anos, a morte continuou a não discriminar ninguém, mas a discriminação tarifária internacional tem se tornado odiosa, num longo percurso que passa pela introdução da “regra da nação mais favorecida”, pedra angular do General Agreement on Tariffs and Trade (GATT) ou, em português, “Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio”, da OMC. Por esse princípio, cada país-membro deve estender a todos os demais o melhor tratamento fiscal que conceda a qualquer deles, salvo exceções pontuais – que não incluem déficits comerciais e muito menos razões políticas.
Ao invocar essas duas justificativas, o tarifaço de Trump ultrapassa as autorizações do GATT e institui autêntica sanção internacional contra o Brasil, inaceitável porque imposta a um país democrático, com o intuito de minar a sua democracia e suas instituições (o fantasma do embaixador Lincoln Gordon manda lembranças desde 1964), e apoiada por alegações sabidamente falsas. De fato, não há déficit americano face ao Brasil, nem é crível uma defesa das instituições e do livre discurso por quem anistiou os invasores do Capitólio, deteve uma juíza e um senador pelo exercício de suas funções e empareda universidades por divergência ideológica, entre tantos outros malfeitos.
Um ponto precisa ser enfatizado: as tarifas de importação brasileira podem ser elevadas, em certos casos, mas não são arbitrariamente discriminatórias contra nenhum país. Na entrada de produtos e serviços estrangeiros, o Brasil pratica tratamentos excepcionais apenas nas hipóteses previstas no GATT, garantindo neutralidade do país e abertura ao mercado internacional.
Saindo da lógica puramente econômica – mas nem por isso legítima – que tem presidido as ameaças a outros países, a sobretarifa de 50% contra produtos brasileiros, por se basear apenas dissimuladamente em razões comerciais, dificilmente comportará uma solução negociada nesse campo, e é decerto impensável que qualquer dos três Poderes ceda às exigências de Trump quanto ao julgamento de Bolsonaro e à regulação das redes sociais. Até por ser previsível que a chantagem se repetiria em outros temas, convertendo-nos na prática em colônia americana.
Leia Mais
Evidencia essa agenda oculta a investigação aberta pelo USTR com diferentes alvos, que vão desde o fantástico Pix (em favor de meios de pagamentos menos eficientes de Big Techs americanas), passando pelo comércio na famosa 25 de Março, até o questionamento da proteção ambiental no Brasil (revelando Trump como um insuspeito neoambientalista!).
Diante dos diversos fronts de ataque, restam-nos o contencioso na OMC e na Justiça americana e as contramedidas da Lei da Reciprocidade Econômica (Lei 15.122/2025), para fazer valer a soberania nacional.
Essa lei autoriza o Planalto a impor contramedidas como a suspensão de importações e do pagamento por marcas e patentes quando um país tente interferir na soberania nacional pela aplicação de medidas comerciais ou de outra natureza. A possibilidade de retaliação contra as big techs é natural, estando elas no centro da controvérsia e sendo conhecidas pelo pouco apreço que têm pela propriedade intelectual alheia.
Voltando para o cenário doméstico, é irônico haver quem defenda a soberania americana para nos taxar em 50%, a um custo de US$ 5 bilhões só em 2025, e negue a prerrogativa da Presidência da República para elevar o IOF a um máximo de 5% – e, no mais das vezes, em alguns algarismos bem depois da vírgula – gerando uma arrecadação (para o Brasil, não para os EUA) menor que esses mesmos US$ 5 bilhões. Coerência continua não sendo o forte nessa matéria.