O livro de Silviano Santiago sem "mas", "porém" nem "contudo"
Escritor mineiro não usou preposições ou conjunções adversativas no romance "O falso mentiroso", publicado em 2004 e que acaba de ganhar nova edição
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Siga no“Posso estar mentindo. Posso estar dizendo a verdade”, anuncia o narrador logo na primeira página de “O falso mentiroso”, romance de Silviano Santiago lançado em 2004 e que, vinte anos depois, volta às livrarias.
“Um livro picaresco e divertido que brinca com a própria identidade da obra autobiográfica, ampliando com engenhosidade as controvérsias críticas relativas à divisão entre fato e ficção, e às ideias de subjetividade, autoria e representação”, afirma Karl Posso, professor de estudos latino-americanos da Universidade de Manchester, na “orelha” da reedição da Rocco.
“A história do artista plástico Samuel (tão parecida com a vida de Silviano), tinha mesmo um tom jocoso, meio sacana, que as vezes fazia lembrar o divertido romance de Manuel Antônio de Almeida, ‘Memórias de um sargento de milícias’”, lembra, ao Pensar, o jornalista João Pombo Barile que prepara a biografia de Silviano Santiago, nascido em Formiga em 1936.
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“Mas gostaria de chamar a atenção para um outro aspecto do livro, o da forma, que parece ter passado meio batido até aqui. Uma reflexão sobre a poética da ficção que se escreve sob a forma de romance, ‘O falso mentiroso’ está escrito no formato que o escritor francês George Perec, pertencente à geração OULIPO, chamava de lipograma (texto onde os vocábulos não teriam uma das vogais). E se nos anos 1960, o desafio do grande experimentalista Perec foi escrever o romance ‘La disparition’ (‘O sumiço’) sem usar a vogal “e”, no caso de Silviano o desafio foi outro: escrever uma longa história, com mais de duzentas páginas, sem nunca usar preposição ou conjunção adversativa (mas, porém, todavia, contudo).
A narrativa ficcional é escrita só com frases afirmativas que se contradizem entre elas, sem a intervenção de uma adversativa. O narrador tem necessidade de dizer alguma coisa sem o desejo de exprimir uma única verdade”, detalha Barile.
‘Rosas roubadas’ em Portugal
“Mil rosas roubadas”, romance de Silviano Santiago sobre a sua amizade com o produtor musical Ezequiel Neves, ganha edição em Portugal pela editora Os Livros de Oeiras. “Se ‘Mil rosas roubadas’ é um romance sobre a amizade, o forte do seu tempo narrativo teria de estar obrigatoriamente na adolescência. Ali estabelecida, a amizade pode – e não pode –, deve continuar pela vida afora”, contou Silviano à época do lançamento no Brasil, em 2014. O autor participa do lançamento em mesa no próximo sábado (26/7), na primeira edição da festa do livrode Oeiras, vila na região metropolitana de Lisboa.
O acontecimento de N. Netta em BH
“Acordo cedo, vou abortar.
Pego minha bolsa e saio. A operação foi marcada para as 9h da manhã, recordo com clareza, porque gosto desse horário para iniciar minhas obrigações. O médico só operava até o meio-dia, para que a mulher pudesse se recuperar na clínica mesmo.
O aborto é uma coisa a se fazer entre o Salmo 5, quando se pede proteção e o Angelus das seis da tarde, quando se agradece por ter voltado para casa, a tempo de servir a janta.”
Trecho de “Do tamanho de um grão” (Dulcineia), romance de estreia da jornalista mineira N.Netta. Na apresentação do livro, dedicado à francesa Annie Ernaux, Isadora de Araújo Pontes, tradutora da Prêmio Nobel de Literatura em 2022, destaca: “É a primeira vez em que o aborto figura tão abertamente como um dos temas de uma obra literária: a autora rompe com anos de silêncio e dissimulações.”
Flávia Péret lança livro na Quixote
Autora de “Instruções para montar mapas, cidades e quebra-cabeças”, a ouro-pretana Flávia Péret lança na próxima sexta-feira (25/7), na Quixote, “Coisas presentes demais”, com participação de Danielle Magalhães, Carine Gonçalves, Marina Apolinário e Paloma Vidal. Esta última assina a apresentação da obra, que trata do progressivo esquecimento da avó de Péret. “Entre as conversas e o silêncio, nas visitas periódicas à avó em uma casa de repouso, a busca da autora se realiza por meio de fragmentos tateantes, e também de uma assertividade generosa”, afirma Vidal. “Nessa troca de olhares que a memória proporciona, ‘Coisas presentes demais’ se torna um lugar para amar a avó”, complementa. Lançamento da Relicário Edições, o livro tem 188 páginas e custa R$ 65,90.
Filosofia em MG ganha dossiê da AML
“Filosofia em Minas Gerais” é o dossiê temático do número 85 da Revista da Academia Mineira de Letras (AML). A organização é de Ivan Domingues, professor da UFMG, que destaca o ineditismo da iniciativa. “Nunca se fez nada parecido antes”, ressalta. “O escopo é a história da filosofia em Minas Gerais, tendo como marco temporal os últimos dois séculos, com Dom Viçoso, o Caraça e o Seminário de Mariana no início de tudo. Os nomes estudados recobrem as instituições mais importantes do Estado, tanto as confessionais quanto as laicas ou seculares”, lembra Domingues.
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“Há um capítulo importante, assinado por Lúcio Marques, que focaliza a história institucional da filosofia de Minas Gerais, destacando a centralidade da UFMG -mas não só -e o papel do acadêmico Arthur Versiani Velloso, fundador do curso de Filosofia daquela universidade”, pontua. O dossiê também inclui textos sobre outros 20 filósofos mineiros, escolhidos por critérios como produção intelectual, liderança institucional e impacto da obra, com ênfase especial em gêneros literários da filosofia: tratado, ensaio e artigo. “O que ficou mais que comprovado para mim, depois desse trabalho, é que a filosofia em Minas Gerais desfruta hoje de uma maturidade com padrão internacional, além de uma grande diversidade, que merecem ser celebradas num dossiê como este”, afirma Domingues. O lançamento da revista está marcado para o dia 23 /8, às 10h na sede da AML.