Zema se volta ao plano nacional com sucessos e rusgas no campo doméstico
Levantamento do EM faz balanço da relação do governador com a Assembleia às vésperas de seu lançamento como pré-candidato à Presidência da República
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Siga noEm São Paulo, no dia 16 de agosto, o Partido Novo comemorará uma década de existência em uma cerimônia que marcará o lançamento da pré-campanha de Romeu Zema à Presidência da República. O evento dá caráter simbólico à mudança de chave de governador de Minas Gerais para político com aspirações nacionais. Por isso, o EM fez um levantamento para mostrar como se comportou, até aqui, o chefe do Executivo estadual junto à Assembleia Legislativa (ALMG). O saldo final mostra que o governo teve sucesso em três quartos das propostas apresentadas aos deputados, mas com a característica de não desistir das iniciativas negadas pelos parlamentares, mesmo que isso signifique judicializar os temas ou levá-los adiante via decreto.
A reportagem analisou 173 propostas enviadas pelo Executivo à Assembleia. O número é a soma dos projetos de lei (PLs), projetos de lei complementar (PLCs) e propostas de emendas à Constituição (PECs) de autoria do governador Romeu Zema desde 2019, seu primeiro ano à frente do estado. No cômputo geral, 74,6% dos textos foram aprovados pelos deputados; 14,5% foram arquivados; 8,6% ainda estão em tramitação na Casa; e 2,3% foram retirados de pauta.
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Levando em conta apenas os projetos aprovados, Romeu Zema levou, em média, 171 dias entre o início da tramitação na Assembleia e a sanção do Executivo, quase seis meses por proposta. Projetos como a PEC 71, que retirou o Detran da competência da Polícia Civil, levaram quase dois anos de discussão na Casa, com o texto apresentado em julho de 2021 e sancionado em abril de 2023, já no segundo mandato do governador.
O longo tempo médio de tramitação dos projetos enviados por Zema é analisado por deputados, especialmente os da oposição, como indicativo de que os textos recebem muitas emendas na Casa e raramente são aprovados nos mesmos moldes apresentados pelo governador. A adequação dos projetos é uma bandeira defendida pela presidência da Assembleia tanto sob a gestão de Agostinho Patrus quanto a de Tadeu Martins Leite (MDB), responsáveis por comandar o Legislativo durante o primeiro e o segundo mandato do governador, respectivamente.
A mudança no comando da Assembleia é, inclusive, um ponto central no relacionamento entre os poderes. Durante o primeiro mandato, Patrus foi considerado pelos governistas um presidente mais intransigente e fez jogo duro, principalmente com a principal iniciativa do Executivo: a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal.
A situação mudou a partir do segundo mandato e com a chegada de Tadeuzinho ao comando do Legislativo. O novo presidente assumiu um papel de mediação entre a base governista e uma oposição que se mostrou capaz de obstruir diversas votações, mesmo que em menor número.
Uma comparação entre os projetos apresentados no primeiro e no segundo mandato quantifica a diferença de relacionamento entre Executivo e Legislativo. No recorte de propostas enviadas aos deputados entre 2019 e 2022, o percentual de aprovações cai para 70,4%, cerca de cinco pontos percentuais a menos na comparação com a soma dos dois mandatos; enquanto o de textos arquivados sobe 10 pontos percentuais, atingindo 24,5%.
Já neste segundo mandato, o número de projetos aprovados sobe para 80% e apenas 1,3% dos textos foram arquivados. Além disso, como a Legislatura ainda está em vigor, é natural que o percentual de projetos em tramitação seja mais alto: 18,7% de todos os textos enviados entre janeiro de 2023 e julho deste ano.
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AVANÇOS ‘NA MARRA’
O alto índice de projetos aprovados não indica águas tranquilas para a nau de Zema na Assembleia. Os sete anos de gestão até aqui foram marcados por uma relação conflituosa com os parlamentares, mesmo entre sua base. Muitas vezes, a urgência em aprovar projetos enviados à Casa causou desgaste entre os deputados governistas. Em outras ocasiões, diante do fracasso na tentativa convencional de aprovar pautas via Legislativo, o Governo de Minas judicializou decisões ou as implementou por meio de decretos.
O exemplo mais importante de medida alcançada por Zema à revelia da Assembleia foi o Regime de Recuperação Fiscal (RRF). A adesão ao modelo de austeridade foi apontada pelo governador como a única medida para solucionar a situação da bilionária dívida com a União, mas nunca teve a anuência dos deputados — nem mesmo os da situação.
A adesão ao RRF previa uma série de medidas impopulares para os nove anos de sua vigência, como o congelamento dos salários dos servidores e um teto rígido aos investimentos do estado. Além disso, de acordo com o próprio governo estadual, não resolveria o problema da dívida, que aumentaria dos R$ 170 bilhões atuais para R$ 210 bilhões ao fim do regime.
Como resultado do cabo de guerra, o PL 1.202/2019, que autoriza a adesão ao RRF, ficou parado na Assembleia. No segundo mandato de Zema, os deputados chegaram a aprovar o texto em primeiro turno, mas ele nunca alcançou a votação definitiva em plenário, mesmo após mais de 1.700 dias na Casa.
Zema então foi à Justiça, acionou o Supremo Tribunal Federal (STF) e conseguiu, no fim de 2024, aderir ao regime mesmo sem a autorização da Assembleia. Na esteira da decisão judicial, além do projeto específico para o RRF, outros textos rejeitados pela Assembleia acabaram sendo colocados em prática sem a anuência dos deputados. É o caso do PLC 48/2020, que definia regras complementares para o funcionalismo público. O texto está arquivado na Casa, mas, com o ingresso na Recuperação Fiscal via Justiça, vários de seus efeitos foram tornados válidos.
Outro exemplo é o Projeto Mãos Dadas, iniciativa do governo Zema para transferir a gestão de escolas estaduais para os municípios. A ideia original do programa estava descrita no PL 2.657/2021. O texto tramitou na Assembleia por mais de 650 dias até ser arquivado em um contexto de muitas críticas de parlamentares ligados à educação pública.
O Executivo então editou as resoluções 4.584, de 2021, e 5.148, de 2025, e implementou o Mãos Dadas mesmo sem o aval dos parlamentares. O programa foi interrompido em julho deste ano por uma decisão do Tribunal de Contas do Estado (TCE-MG), que atendeu a um pedido da deputada Beatriz Cerqueira (PT). Na interpretação do órgão, a transferência das matrículas às prefeituras ocorria sem a comprovação da capacidade técnica dos municípios para gerir a nova quantidade de alunos, incluindo casos de estudantes com deficiência ou necessidades educacionais específicas.
BALANÇO DA SITUAÇÃO
Em nota enviada à reportagem, o líder de governo de Zema, João Magalhães (MDB), associou a alta taxa de aprovação dos projetos enviados pelo Executivo à qualidade técnica dos textos produzidos na Cidade Administrativa.
“A base de governo tem atuado com responsabilidade e compromisso junto ao Executivo, respeitando os ritos legislativos e o papel dos parlamentares como representantes do povo mineiro. Os projetos do Governo do Estado têm chegado à Assembleia com qualidade técnica e foco nas necessidades estruturais de Minas, o que se reflete em uma expressiva taxa de aprovação por parte dos deputados”, afirma o líder da situação.
Magalhães tornou-se líder de governo no segundo mandato de Zema, justamente no período de melhor trânsito do Executivo entre os deputados da Assembleia e na consolidação de uma maioria de quase 50 dos 77 parlamentares da Casa. Mesmo assim, o governo encontra dificuldades para vencer a obstrução da oposição em votações importantes, como as dos projetos relativos ao Programa de Pleno Pagamento de Dívidas das Empresas (Propag).
O líder de governo complementa a nota dizendo que a base governista atua para viabilizar o diálogo dentro da Casa e em consonância com as prioridades individuais de cada parlamentar. “A Assembleia é, por essência, um espaço legítimo de análise, fiscalização e aperfeiçoamento das proposições — e a base segue atuando com diálogo e abertura para ajustes que tornem cada projeto ainda mais conectado às realidades do estado e às bandeiras de cada mandato.”
Além do bloco de situação entre os deputados, a reportagem procurou o Governo de Minas Gerais e solicitou um posicionamento sobre os projetos do Executivo na Assembleia. Até a última atualização desta matéria, não houve resposta.
O QUE DIZ A OPOSIÇÃO
Para o deputado Professor Cleiton (PV), um dos nomes mais ativos da oposição a Zema na Assembleia, ainda que o governo tenha obtido avanços no diálogo com os parlamentares em seu segundo mandato, a relação entre os poderes ainda não é saudável. Ele cita a judicialização de pautas não aprovadas pelos parlamentares e recorda que o teto de gastos determinado pela gestão do governador foi feito via decreto e não passou pelo Legislativo.
“Por mais que Zema tenha se aproximado, sobretudo de gestores municipais e de alguns deputados, até mesmo entre a base dele se percebe que não existe uma relação com a classe política que seja das melhores. Ele continua negando a política e, por ter essa característica, algo que foi muito comum nesse período, é que todas as derrotas significativas que o Zema sofreu na Assembleia, ele buscou a judicialização das pautas. Ele recorreu ao STF para aderir ao RRF e, no teto de gastos, que era uma condicionante de adesão ao regime, Minas foi o único estado onde o legislativo não pôde participar da decisão”, afirmou.
Sobre o alto índice de projetos do Executivo aprovados na Casa, o parlamentar da oposição contemporizou ao analisar que, embora aprovados, foram textos que demoraram em sua tramitação, encontraram resistência e receberam várias emendas para alterar as propostas iniciais.
“Grande parte dos projetos aprovados sofreram interferências muito significativas dentro do parlamento. O próprio Propag é um exemplo claro e nítido disso. Foram enviados textos com várias brechas na linguagem jurídica que poderiam render problemas até mesmo na adesão ao programa de refinanciamento da dívida. O projeto da Codemig é um exemplo de texto muito alterado na Assembleia, o que garantiu que a empresa não fosse privatizada”, afirmou Professor Cleiton.
Em uma análise final sobre a relação entre a oposição e o governo estadual, o parlamentar do PV se disse descrente do sucesso de uma candidatura do governador mineiro ao Palácio do Planalto. Segundo o deputado, o perfil de Zema não seria compatível com a responsabilidade de lidar com um Congresso muito mais numeroso do que o Legislativo de Minas Gerais.
“Ele não entendeu que precisa de ter uma relação harmônica com com os demais poderes e fica o tempo todo tensionando, não só atacando o judiciário, mas atacando o próprio parlamento. Então acho que isso foi um grande dificultador. Como deputado da oposição, não consigo conceber a ideia de Zema nem como candidato a presidente da República. Como alguém que não consegue se relacionar com uma assembleia de 77 deputados vai se relacionar com o Congresso Nacional com 513 deputados e quase 90 senadores com características tão díspares e de tantas regiões. Isso me remete a uma frase histórica: ‘quando se corta a cabeça de Girondinos e Jacobinos, o que sobra é uma opção bonapartista’. Zema tem uma característica muito bonapartista”, conclui.