Lançado oficialmente em novembro de 2020, o sistema de transferências instantâneas Pix virou motivo de disputa entre os ex-presidentes Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Em diversas ocasiões, Bolsonaro tentou se colocar como responsável direto pela criação da ferramenta, mesmo com registros do Banco Central indicando que a concepção do Pix começou ainda em 2018, durante o governo de Michel Temer (MDB).

A primeira declaração nesse sentido ocorreu em entrevista ao Jornal Nacional, da TV Globo, em agosto de 2022. “Criamos o Pix, tirando dinheiro dos banqueiros”, disse Bolsonaro. No mesmo período, a equipe de campanha dele incluiu o sistema de pagamentos como uma das realizações do governo em propagandas eleitorais na TV e no rádio.

O Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central (Sinal) reagiu à tentativa de apropriação. Em nota divulgada logo após a entrevista, afirmou que o projeto foi idealizado e desenvolvido por servidores de carreira do BC e que “nenhum presidente da República liderou o processo”.

Em 2025, Bolsonaro voltou a repetir a afirmação. Em entrevista ao canal AuriVerde Brasil, disse que foi a gestão dele que “botou os informais para dentro da economia” ao criar o Pix. A declaração reacendeu o embate político entre bolsonaristas e petistas, especialmente porque o presidente Lula, eleito em 2022, também costuma elogiar o impacto social da ferramenta.

A discussão em torno da autoria do Pix se tornou simbólica para ambos os grupos políticos, especialmente após a vitória de Lula e o início de uma tentativa de reconstrução da imagem institucional do Banco Central, então presidido por Roberto Campos Neto.

Trump também entrou na história

Nesta semana, o Pix voltou ao centro do debate internacional após o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, incluir o sistema na lista de práticas consideradas “desleais” por parte do Brasil. A crítica ocorreu no contexto da imposição de tarifas sobre produtos brasileiros e gerou reação imediata nas redes sociais e entre políticos brasileiros.

Em publicação na rede Truth Social, Trump afirmou que o Pix “quebra as pernas dos bancos tradicionais e distorce a concorrência com o sistema financeiro americano”. A declaração foi rapidamente absorvida pelo bolsonarismo como um elogio indireto ao ex-presidente brasileiro. “Se até o Trump está reclamando, é porque Bolsonaro fez certo”, disseram aliados.

Em redes sociais, a reação veio em tom de ironia: internautas lembraram que Trump critica uma ferramenta que Bolsonaro dizia ter criado, mas que agora é usada contra ele pelo próprio ídolo político. O deputado Rogério Correia (PT-MG) publicou: “Agora o Trump quer acabar com o Pix no Brasil. Diz ele que é uma prática desleal com os EUA. Bom mesmo é votar em papelzinho pelo correio, né, Laranjão?”.

Ferramenta sustenta vaquinha de Bolsonaro e filho

Além da disputa retórica, o Pix passou a ser instrumentalizado politicamente por Bolsonaro também como via de financiamento. Após deixar a presidência, o ex-chefe do Executivo lançou campanhas de arrecadação com apoio de aliados e simpatizantes, utilizando o sistema para receber doações. A justificativa era o pagamento de multas, advogados e outros custos relacionados a processos judiciais.

Segundo levantamento da imprensa, cerca de R$ 17 milhões foram arrecadados por meio do Pix em vaquinhas promovidas em 2023. Parte desse valor — pelo menos R$ 2 milhões — foi transferida para contas ligadas ao deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP). A transferência foi revelada por relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), em apuração conduzida pelo Ministério Público.

O caso gerou novas críticas à utilização da ferramenta como canal direto de repasses financeiros entre apoiadores e políticos, em um cenário que ainda carece de regulamentação e fiscalização mais rígida. Para aliados de Bolsonaro, os valores enviados ao filho foram "legítimos" e se enquadram na esfera privada. 

No dia do depoimento ao STF, em 10 de junho passado, Bolsonaro comentou sobre a doação milionária e chamou quem deu dinheiro de 'maluco'. Veja no vídeo abaixo.

Origem técnica

O Pix começou a ser estruturado em maio de 2018, quando o Banco Central criou o Grupo de Trabalho sobre Pagamentos Instantâneos. A implantação técnica, regulamentação e testes ocorreram ao longo de 2019 e 2020, com participação ativa de servidores públicos. A ferramenta entrou em operação em 16 de novembro de 2020, ainda sob o governo Bolsonaro, mas sem vínculo direto com decisões políticas da Presidência da República.

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Especialistas ouvidos à época destacaram que, por se tratar de política monetária e inovação bancária, o projeto teve desenvolvimento autônomo. “O Pix é uma entrega do Estado brasileiro, e não de um governo específico”, afirmou o então diretor do BC, João Manoel Pinho de Mello, responsável pelo projeto.

O episódio revela como uma política pública de inovação tecnológica passou a ser disputada por narrativas eleitorais, transformada em alvo de crítica internacional e usada, de forma literal, para sustentar financeiramente a vida política — e pessoal — de uma das famílias mais influentes da extrema-direita brasileira.

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