Jornalista formado pela PUC Minas em 1988, com passagem pelos jornais Diário do Comércio e O Tempo. Trabalhou em coberturas de leilões de privatização e em feiras internacionais
Gustavo Pimenta, CEO da Vale crédito: Túio Santos/EM/D.A.Press
Marcílio de Moraes e Renata Neves
Com investimentos de R$ 67 bilhões em Minas Gerais até 2030, a Vale projeta elevar a produção de minério de ferro no estado das atuais 125 milhões de toneladas/ano para um patamar entre 140 milhões e 150 milhões de toneladas no período. Mas, mais do que investir na estrutura produtiva, a empresa colocou Minas no centro de um processo de transformação que visa a descarbonização da cadeia minero-siderúrgica, mineração sem barragens e sem impacto ambiental e automação dos processos produtivos.
“Minas Gerais está no centro da transformação da Vale. Temos uma longa história de aprendizados, de uma profunda evolução cultural e, sobretudo, de parceria com os mineiros”, afirma o CEO da Vale, Gustavo Pimenta, que está no comando da empresa há 11 meses. Ele dá destaque para o papel de Minas no processo de descarbonização da cadeia siderúrgica. “O briquete verde, que desenvolvemos em Nova Lima, é um produto que, quando lançado no alto-forno do cliente, emite 10% a menos de CO2, quando comparado com a pelota”.
Para o economista nascido em Divinópolis, no Centro-Oeste mineiro, a Vale fez o dever de casa depois do rompimento da barragem em Brumadinho, em janeiro de 2019, e a empresa está em outro momento agora. “A gente entende que o dever de casa foi feito. E a gente tem uma barra alta de sempre imaginar que pode fazer melhor”, diz Pimenta.
Veja, a seguir, os principais pontos da entrevista ao Estado de Minas e Portal Uai, concedida na última quinta-feira (4), dia em que a mineradora inaugurou a Mina Capanema, entre os municípios de Santa Bárbara, Ouro Preto e Itabirito, no Quadrilátero Ferrífero.
Transformação
“Nesses últimos anos a gente passou por um grande processo de transformação da companhia. Focamos na nossa transformação cultural, melhoramos estruturas organizacionais, investimos em tecnologia, assumimos o compromisso com os mineiros e com o Brasil de descaracterizar as barragens a montante e já fizemos 60%. Minas Gerais está no centro da transformação da Vale. Temos uma longa história de aprendizados, de uma profunda evolução cultural e, sobretudo, de parceria com os mineiros. É um trabalho que vem sendo feito em várias vertentes, em vários ângulos, que não só físico de estabilidade de estruturas geotécnicas, mas mais amplo, de transformação cultural para uma empresa mais inovadora, mais moderna, mais ativa com a sociedade. Hoje, quando eu olho para trás, percebo que a gente avançou muito em todos esses sistemas. Ainda tem uma jornada para avançar, mas é uma companhia muito diferente do que era há cinco anos. Eu entrei há quatro anos, e estou como presidente há 11 meses. Venho neste momento aqui falar um pouco de futuro, o que a Vale pensa para Minas Gerais.”
Dever de casa
“A gente se ausentou um pouco do debate público porque estava fazendo o dever de casa. Não estávamos prontos para vir ter essa conversa, mas hoje sinto que sim. Pelos avanços que foram feitos e por entender que Minas segue sendo muito importante na história da Vale; 45% da nossa produção está aqui, nós estamos crescendo em Minas Gerais. Muito se diz que a Vale vem reduzindo a participação em Minas e isso não é verdade, a gente quer crescer em Minas. Um exemplo foi o projeto que a gente anunciou: Capanema, que são 15 milhões de toneladas. Mas a gente anunciou também Vargem Grande, que são outros 15 milhões de toneladas. Todos os nossos complexos em Minas estão crescendo. Em Brumadinho, o acordo firmado em 2021 está finalizado e nós já cumprimos 78% das ações. A gente entende que o dever de casa foi feito. E a gente tem uma barra alta de sempre imaginar que pode fazer melhor. Esse é nosso lema lá dentro, de seguir avançando nessa pauta.”
Gustavo Pimenta, CEO da Vale Túlio Santos/EM/D.A Press
Mineração do futuro
“É uma pauta de crescimento, mas também de uma mineração diferente. Uma mineração que a gente tem chamado de ‘mineração do futuro’. Não depende, por exemplo, da utilização de barragem, que não gera rejeitos, porque esses rejeitos são 100% aproveitados, tem menos utilização de água, caminhões autônomos, tiro mais pessoas do risco. Hoje, por exemplo, temos o melhor desempenho de segurança laboral da nossa história. Isso é processo de uma evolução muito grande. Agora, olhando pra frente, vemos a mineração do futuro, com menor impacto ambiental, na verdade impacto positivo ambiental, de preservação. Falamos do briquete verde, por exemplo, uma solução de aglomerados para descarbonização da cadeia siderúrgica, que foi uma invenção, um desenvolvimento nosso de 20 anos, aqui de Nova Lima, no nosso centro tecnológico.”
Crescimento em Minas
“Com a inauguração de Capanema, nós queremos falar para Minas o que a gente está pensando: são R$ 67 bilhões de investimentos nos próximos anos. Tem muita coisa bacana acontecendo e muito do que a gente implanta no mundo sai daqui. Capanema operou por 20 anos, até o início dos anos 2000, e ficou parada por 20 anos. O avanço tecnológico, seja de transportadoras de correia, de caminhões autônomos, de recuperação de minério, nos permitiu olhar para essa mina e falar: isso aqui a gente consegue trazer de volta à operação. Com análise econômica, viabilidade econômico-financeira. A gente começa operando, inclusive vai reprocessar pilhas que tinha colocado naquela região por uns dois ou três anos, e depois entrar na mina. Ela combina muito bem com outros minérios que a gente tem para formar produtos de mercado. Por exemplo, o chamado Brazilian Blend Fines (BBF), que é um produto da Vale muito conhecido mundialmente. A gente retomou Vargem Grande também recentemente, ampliou a capacidade, e vem estudando alguns projetos em itabiritos (minério de mais baixo teor de ferro) na região do Quadrilátero Ferrífero, que poderiam ser uma oportunidade. Todos os nossos complexos estão em crescimento em Minas. Brucutu tem a mina mais eficiente, faz hoje 23 milhões de toneladas e é um produto de alto teor ali em São Gonçalo do Rio Abaixo. Brucutu produz 23 milhões de toneladas e pode chegar a 31 milhões. Nós estamos com quatro linhas ali e a capacidade nominal da planta total é de cinco linhas. Minas, no ano passado, fez 125 milhões de toneladas. Esperamos incrementar isso entre 140 milhões e 150 milhões de toneladas até 2030.”
Produção em Itabira
“Em Itabira, a gente tem minério e uma perspectiva, hoje, nos nossos relatórios de produção, até 2041. Mas eu tenho dito que em Itabira temos a perspectiva de seguir avançando, com conhecimento dos corpos minerários para poder continuar operando. No ano passado, em Itabira, foram produzidas 32,8 milhões de toneladas. Estamos firmes lá. É a nossa maior operação em Minas.”
Descarbonização
“Hoje, 8% das emissões de carbono do mundo estão na cadeia siderúrgica, é um dos setores de difícil abatimento, ao lado de transporte e cimento. Estamos trabalhando dentro de uma rota de mais baixo carbono, que é na produção do aço. A Vale não produz aço, mas os nossos clientes sim. Inicialmente com o uso de gás natural e, lá na frente, hidrogênio. Essa rota de baixo carbono, sem a utilização do alto-forno com carvão, emite menos CO2, e isso é bom para a Vale porque ela também chama minério de mais alto teor, as pelotas, os briquetes. Cria-se um mercado que é bom para a Vale, um mercado que fica cativo, onde há poucos competidores, tem pouca gente que oferta produtos dessa qualidade e nessa escala. E isso gera menos emissão. Se você tem um forno elétrico a arco, que é uma alternativa do alto-forno, seria 50% a menos de emissão. Você vai para o hidrogênio amanhã, e pode até ser hidrogênio do Brasil, aí emite zero. Temos trabalhado muito no desenvolvimento e para ajudar os nossos clientes a desenvolver essas rotas de baixo carbono. O briquete verde, que desenvolvemos aqui em Nova Lima, é um produto que, quando lançado no alto-forno do cliente, emite 10% a menos de CO2, quando comparado com a pelota. Então é uma invenção da Vale. Ninguém tem isso no mundo e foi desenvolvido aqui. E estamos acelerando as nossas plantas de briquetes em Vitória.”
“Nós somos conhecidos no mundo como uma empresa produtora de minério de ferro, mas também temos minerais de transição. Somos o maior produtor de níquel do mundo ocidental. A gente faz 180 mil toneladass de níquel e temos uma participação relevante no cobre. O que a gente definiu é que a nossa grande prioridade hoje é crescer nesse segmento. Estamos fazendo 350 mil toneladas e queremos dobrar a capacidade da companhia e ir a 700 mil toneladas. O cobre é fundamental para a transição energética, é um mineral que eu chamaria de crítico também. Toda eletrificação do mundo passa por ele, que não tem substituto. Então, a nossa prioridade hoje é fazer um minério que possa ajudar na descarbonização, minério de ferro, crescer no cobre e manter essa posição de liderança no níquel. Estudamos outros, como lítio e terras raras, mas até hoje, no momento desta conversa aqui, ainda não estamos convencidos de que faz sentido a Vale entrar. Mas isso não significa que a gente não avalie. Estamos sempre avaliando se faz sentido considerar alguma outra commodity.”
Tarifaço dos EUA
“Não tivemos nenhum impacto imediato porque acabamos sendo isentos. Vendemos muito pouco para os Estados Unidos, porque eles são autossuficientes na produção de aço. O que vendemos bastante para lá é níquel da nossa operação do Canadá. Nós somos o maior vendedor de níquel dentro do mercado norte-americano, mas está isento. Acompanhamos isso de perto. Acho que tem dois lados aqui. Obviamente que a guerra tarifária nunca é benéfica para a indústria de commodity, porque vivemos muito da atividade econômica mundial. Uma guerra tarifária gera um impacto no PIB potencial do mundo e, portanto, as commodities acabam sofrendo. Elas têm se mantido bastante resilientes, porque a demanda na ponta segue forte, principalmente na China. O interessante é que outros mercados começam a surgir, como o Oriente Médio, o Sudeste Asiático, a Índia. Eu estava recentemente na Índia e a gente há muitos anos não vendia para aquele país (minério); este ano estamos vendendo 10 milhões de toneladas. É um mercado que está crescendo 12% ao ano na produção de aço. A gente começa, então, a ver alguns mercados surgindo, o que é muito benéfico para a Vale. E estamos sempre atentos a essa questão geopolítica, que é muito relevante dentro da indústria que estamos inseridos.”