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Racha da União Progressista com Lula turbina ofensiva bolsonarista

A saída da União Progressista da base aliada do governo Lula fortalece a pressão no Congresso por uma anistia geral aos condenados do 8 de Janeiro

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A decisão da União Progressista — federação que une União Brasil e Progressistas — de se afastar formalmente da base do governo Lula redesenhou o tabuleiro da anistia no Congresso. O gesto, embora ambíguo, já que o grupo manteve ministros e cargos relevantes em estatais, foi interpretado pela oposição como aval para ampliar a pressão sobre o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), a pautar a proposta de anistia ampla, geral e irrestrita para os condenados pelos atos de 8 de Janeiro.

O movimento da federação não foi linear. O União Brasil, herdeiro do antigo DEM, sempre manteve um pé no governo e outro na oposição. Ministros como Celso Sabino (Turismo) e Juscelino Filho (Comunicações) permaneceram no primeiro escalão mesmo após a nota oficial anunciando a saída da base. No Progressistas, a contradição se mostrou ainda mais evidente: a legenda controla postos estratégicos, como a Caixa Econômica e a Codevasf, sob influência direta de caciques como Arthur Lira (PP-AL) e Elmar Nascimento (União-BA).

Na prática, a federação ensaiou uma ruptura política, mas preservou os espaços administrativos. Essa dubiedade permitiu que, nas negociações da anistia, o grupo se transformasse em fiel da balança.

O deputado Pauderney Avelino (União-AM), que deve deixar a legenda na próxima janela partidária, sintetizou a contradição ao Correio: "O União Brasil soltou uma nota dizendo que está fora, mas manteve cargos importantes no governo. Foi mais um jogo de palavras. O partido quis dar uma satisfação, mas continua ocupando espaços e exercendo influência."

Segundo o cientista político Lucas Fernandes, da BMJ Consultores Associados, o impacto mais imediato será a saída de quadros da União Progressista de cargos no primeiro, segundo e terceiro escalões do governo. "Há uma negociação em curso porque, apesar da sinalização clara de que a União Progressista não vai estar na base, o partido tem diferenças regionais. Em alguns estados, eles ainda estarão próximos do PT", explica.

A ruptura, no entanto, enfraquece a governabilidade. A federação controla comissões estratégicas no Congresso e detém nomes relevantes na Esplanada, como Celso Sabino e André Fufuca (Esportes). A permanência de aliados de Davi Alcolumbre em pastas como Comunicações é tratada como exceção, mas o governo evita impor a saída imediata para não agravar a tensão.

Parlamentares governistas criticaram a articulação. Lindbergh Farias (PT-RJ) afirmou que não há possibilidade de anistia em casos que envolvem ataques ao Estado democrático de direito. "Crime contra a democracia não é passível de perdão, é cláusula pétrea. O STF já consolidou esse entendimento", disse, acrescentando que a saída da federação não inviabilizará as articulações da base.

A deputada Maria do Rosário (PT-RS) seguiu a mesma linha e defendeu o diálogo com parlamentares do Centrão contra a anistia. "Esse diálogo não se restringe a questões de base ou oposição ao governo, mas se volta, sobretudo, à defesa das instituições e da democracia. O que existe hoje é uma disputa pelo espólio político de Bolsonaro. Mesmo líderes que pretendem disputar a Presidência querem aparecer como defensores dele e, por isso, pressionam os partidos aqui no Congresso. No entanto, são, na verdade, talvez os maiores interessados em que Bolsonaro seja condenado, porque desejam ocupar o lugar dele, ainda que busquem, ao mesmo tempo, manter seu apoio", disse.

Já o deputado Reginaldo Lopes (PT-MG) avaliou que houve uma articulação dos presidentes dos partidos para "empurrar" a pauta da anistia em meio ao julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro. "Eu acho que essa saída se deve muito a um movimento articulado pelos presidentes na intenção de pressionar os parlamentares a votar uma anistia aos crimes cometidos contra a própria democracia. Portanto, é evidente que isso é inaceitável. Acho que um dos maiores crimes que, num processo democrático, alguém eleito pode cometer é conspirar contra a soberania popular, que se expressa por meio do voto", pontuou.

Mais votos

Do lado da oposição, a movimentação é vista como reforço direto às agendas de anistia e de revisão da inelegibilidade de Bolsonaro. "Com a formalização da saída, podemos ver o partido dando mais votos a projetos que tratem da anistia e da suavização das penas do 8 de janeiro. Esse partido tende a estar mais atuante nessa frente, o que é ruim para o governo", observa Fernandes.

O recado oposicionista foi cristalino: não aceitam anistia parcial. "Ou se garante a todos os brasileiros atingidos por esse processo uma anistia plena, ou estaremos apenas reforçando injustiças", disse Hélio Lopes (PL-RJ), conhecido como Hélio Negão. O mesmo tom foi adotado por Domingos Sávio (PL-MG), que apontou vícios no processo do STF e comparou a situação de Bolsonaro à exclusão de opositores na Venezuela.

O coronel Chrisóstomo (PL-RO) foi além e cobrou de Motta a dívida política com a bancada do PL: "Quando apoiamos a eleição de Hugo Motta para a presidência, ele se comprometeu a pautar o PL da Anistia. Portanto, acreditamos que a promessa será cumprida".

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Na outra ponta, a base governista acusou a articulação de ser uma blindagem explícita a Bolsonaro e à cúpula militar. "Esse projeto é para livrar a cara do Bolsonaro e daqueles que articularam um plano de assassinato contra Lula, Alckmin e Moraes", disse o líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ). Talíria Petrone (PSol-RJ) reforçou: "Ou o Congresso fica ao lado da democracia, ou ao lado do golpe".

Impulso à ala bolsonarista

O debate sobre a anistia, que vinha sendo conduzido de maneira fragmentada, ganhou fôlego com a entrada organizada da União Progressista no campo oposicionista. O Progressistas, sob influência de Arthur Lira, já havia dado sinais de aproximação com Bolsonaro, sobretudo na resistência às decisões do STF contra o ex-presidente.

O advogado Guilherme Barcelos, doutor em direito constitucional pelo IDP/DF, avalia que a mudança fortalece a oposição de forma estrutural. "Ainda que não haja tanta sinergia no campo da oposição, não há dúvidas de que ela ficará bastante fortalecida. O União Brasil é um dos partidos mais representativos do Congresso. Já o PP, que esteve na base do PT em gestões passadas, formaliza, agora, o rompimento", afirma.

Para Barcelos, a federação terá papel ativo em candidaturas majoritárias em 2026, seja lançando nome próprio ou compondo coligações. "No âmbito dos estados, a perda do União Brasil é considerável. O governo contava com governadores do partido, que agora tendem a se afastar ou, se permanecerem, abandonar o apoio a Lula", completa.

Com a guinada, a União Progressista reforçou a ofensiva bolsonarista na Câmara. O líder do PL, Sóstenes Cavalcante (RJ), disse que o compromisso já foi assumido por Motta:

"O presidente já comunicou que vai pautar. Com Progressistas, União, Republicanos e PSD, a maioria está garantida. Só falta colocar o gol no placar."

A estratégia conta com duas frentes: Tarcísio de Freitas (Republicanos), que vem percorrendo gabinetes em Brasília para costurar apoio da própria bancada, e Arthur Lira (PP-AL), mobilizado por Jair Bolsonaro para cobrar pessoalmente o presidente da Câmara.

O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) anunciou que o novo texto deve ser apresentado em breve: "Nos próximos dias, vamos apresentar um projeto com redação final de anistia ampla, geral e irrestrita. Só vamos voltar à normalidade quando virar essa página."

Com as manifestações deste domingo, a ala bolsonarista está confiante de que a pressão popular seja mais um meio de forçar Hugo Motta a pautar o PL da Anistia, que, segundo Sóstenes, já ultrapassa os 300 votos com a adesão das bancadas do União Brasil, Progressistas e Republicanos.

O deputado Hélio Negão (PL-RJ) também usou os atos de rua para defender a anistia ampla. Em entrevista ao Correio, ele afirmou que as manifestações revelam "a vontade soberana do povo" e criticou o que considera penas desproporcionais aos condenados pelo 8 de janeiro. "Não existe anistia parcial: ou se garante a todos os brasileiros atingidos por esse processo uma anistia plena, ou estaremos apenas reforçando injustiças", disse. Para o parlamentar, propostas de anistia "branda" representam "chantagem política" para pressionar o ex-presidente Jair Bolsonaro e condicioná-lo a escolhas eleitorais em 2026.

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