Bandeira do Brasil Império reaparece em protestos da direita
Uso do estandarte em manifestações a favor de Bolsonaro funcionaria menos como defesa da monarquia e mais como estratégia política, segundo pesquisadores
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Siga noNas manifestações em defesa da anistia aos presos do 8 de Janeiro, realizadas em capitais como Brasília, Belo Horizonte e São Paulo, um símbolo do século 19 voltou a aparecer entre faixas contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e cartazes pedindo a saída do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT): a bandeira do Brasil Império. O estandarte verde e amarelo com o brasão imperial, oficial entre 1822 e 1889, foi resgatado por apoiadores da extrema-direita e divide espaço com pautas recentes do bolsonarismo.
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Desenhada pelo pintor francês Jean-Baptiste Debret, a bandeira trazia o retângulo verde da Casa de Bragança, o losango amarelo associado à Casa de Habsburgo, a esfera armilar e a cruz de Cristo remetendo a Portugal, além de ramos de café e tabaco, produtos centrais da economia da época, cultivados pela mão de obra escravizada. No topo, a coroa simboliza a monarquia. Em novembro de 1889, ela foi substituída por decreto do marechal Deodoro da Fonseca.
No TikTok, perfis que se apresentam como monarquistas acumulam milhares de interações. O @br.imperio soma mais de 454 mil curtidas; o @monarquiabrasil, 284 mil; e a conta @monarquia.brasileira, 12,9 mil. Os vídeos vão de explicações históricas a montagens de estética juvenil, com músicas populares entre jovens sobre imagens de Dom Pedro II e descendentes da família Bragança, exaltados em paralelo à realeza britânica.
“É uma forma de mostrar que o Brasil tem história e que não nasceu em 1889”, afirma Alan Freitas, empresário de Petrópolis e dono do perfil MonarquiaBR, com 40 mil curtidas. “A bandeira imperial nos lembra que já tivemos um país forte e respeitado, com identidade própria. A República falhou em resgatar esse sentimento.”
Para o analista político Matheus Biancardine, a ascensão do deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP), descendente da família imperial, ajudou a fortalecer o imaginário monarquista. “Hoje, um dos deputados que tem aparecido muito influente nos blocos de direita e é uma pessoa que mobiliza muito, é o Philipe Bragança, lá de São Paulo. É um deputado que comunica muito forte na direita, tem um espaço muito grande. Ele é um dos que ajudou a deixar esse movimento ainda mais forte”, explica.
Representante
Orleans e Bragança foi eleito em 2018 pelo mesmo partido de Jair Bolsonaro (PL) e se tornou o primeiro Bragança a ocupar um cargo eletivo desde a Proclamação da República. Cotado para a vice-presidência no início do governo bolsonarista, desde então defende reformas constitucionais sob o argumento de que o modelo atual “gera instabilidade” e “populistas no poder”. Entre suas propostas está o Plano Brasil 2030, que prevê descentralização tributária, ampliação da base do Imposto de Renda e redução da carga sobre as empresas.
Em entrevista ao Estado de Minas, o deputado disse que o ressurgimento da bandeira imperial nas ruas teria relação direta com o que considera um desencanto popular. “É uma forma de o povo brasileiro dizer: nós não reconhecemos essas instituições que hoje lideram este grande país. Elas não merecem estar onde estão, nem ter o poder que têm. Precisamos rever isso. A bandeira imperial é um símbolo de revisão histórica muito importante, que culmina em todas essas vertentes de apoio social, político, econômico, de combate à corrupção, de combate a tudo o que é mesquinho e de baixo nível, que não eleva o país”, afirma.
O deputado também avalia que o fenômeno não se restringe ao monarquismo, mas a um contexto mais amplo, que ele chama de “neorromantismo”. “Existe algo muito mais profundo acontecendo: a volta do romantismo, uma onda de valores tradicionais que permeia praticamente todo pensamento, comportamento, visão de futuro e até mesmo a forma de organizar a família. Assim como o romantismo no passado surgiu como contraponto à industrialização e à racionalização de tudo, agora estamos vendo uma ressurgência. É o neorromantismo do século 21.”
Saudosismo
Do ponto de vista acadêmico, a apropriação da bandeira imperial funciona menos como defesa da monarquia e mais como estratégia política. Para o cientista político Túlio Ribeiro, o fenômeno se insere no saudosismo bolsonarista. “O bolsonarismo como movimento possui um forte teor de resgate de um passado brasileiro que seria superior ao nosso presente democrático. Esse saudosismo é visto com frequência em relação à ditadura militar, mas acaba sendo extrapolado também para o período imperial, principalmente por meio do resgate de símbolos desse período, que é idealizado como uma época em que o Brasil era verdadeiramente grande e destemido.”
O internacionalista Ademir Resende reforça que a relação entre extrema-direita e monarquistas não é de equivalência, mas de conveniência. “O movimento monarquista depende fortemente dessa aproximação para obter alguma força pública, enquanto a extrema-direita não mantém um vínculo de devoção. Trata-se, em essência, de uma relação mais próxima do comensalismo do que de uma aliança estratégica.”
Ainda assim, os especialistas lembram que há barreiras institucionais claras. Ribeiro cita o último teste popular do monarquismo, em 1993, quando um plebiscito deu vitória à República com 66,26% dos votos, contra 10,25% da monarquia. “Não há espaço nem desejo para que o movimento monarquista ganhe tamanho institucional dentro do Congresso, já que o alinhamento entre os grupos se dá muito mais por conveniências pontuais de resgates simbólicos do que necessariamente por pautas em comum. É possível citar também a falta de apelo popular por um regime monárquico no Brasil, como ficou bem claro no plebiscito de 1993.”
Herança e disputas
A família Bragança segue dividida em dois ramos desde 1908, quando Dom Pedro abriu mão do trono inexistente para casar-se com uma condessa sem títulos de nobreza. O ramo de Vassouras, hoje representado por Dom Rafael, de 31 anos, é considerado pelos monarquistas o herdeiro mais próximo da linha sucessória, enquanto o ramo de Petrópolis mantém influência sobre imóveis na cidade. A morte de Dom Antônio, em 2023, reacendeu o debate sobre legitimidade, embora historiadores reforcem que os títulos de nobreza foram abolidos e não têm validade legal no Brasil. Ainda assim, a família preserva capital simbólico, conectada a outras casas reais europeias.