Brasília - O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e mais sete réus por tentativa de golpe de Estado começam a ser julgados hoje pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal. Serão oito sessões até 12 de setembro. Bolsonaro é o primeiro presidente na história do Brasil julgado por tentativa de golpe de Estado. Ele está em prisão domiciliar desde 4 de agosto, por determinação do ministro Alexandre de Moraes, que considerou que ele descumpriu medidas cautelares.


Além de Bolsonaro, o chamado Núcleo 1 é composto por integrantes do governo do ex-presidente e militares. São eles Alexandre Ramagem (deputado federal e ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência), Almir Garnier Santos (almirante e ex-comandante da Marinha), Anderson Torres (ex-ministro da Justiça), Augusto Heleno (general da reserva e ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional), Mauro Cid (tenente-coronel e ex-ajudante de ordens de Bolsonaro), Paulo Sérgio Nogueira (general e ex-ministro da Defesa) e Walter Braga Netto (general da reserva e ex-ministro da Casa Civil e da Defesa).


O grupo responde por tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito, tentativa de golpe de Estado, participação em organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. O caso do ex-diretor da Abin Alexandre Ramagem é uma exceção, pois como é deputado federal, ele foi beneficiado com a suspensão de parte das acusações e responde somente a três dos cinco crimes: golpe de Estado, organização criminosa armada e tentativa de abolição do Estado democrático de direito.


A sessão deste primeiro dia de julgamento será aberta pelo presidente da Primeira Turma, ministro Cristiano Zanin. Em seguida, o ministro dará a palavra a Alexandre de Moraes, que fará a leitura do relatório com o resumo de todas as etapas do processo, desde as investigações até a apresentação das alegações finais.


Depois, a palavra será passada para o procurador-geral da República, Paulo Gonet, que é responsável pela acusação. Após o parecer da PGR, os advogados dos réus serão convidados a subir à tribuna para fazer as sustentações orais em favor dos acusados. Eles terão prazo de até uma hora.


O primeiro a votar será Alexandre de Moraes. Após o voto do relator da ação penal, os outros integrantes da turma votarão na seguinte ordem: Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Cristiano Zanin. A condenação ou absolvição dos réus ocorrerá com o voto da maioria de três dos cinco ministros da turma. A eventual prisão dos réus que forem condenados não vai ocorrer de forma automática após o julgamento, pois só poderá ser efetivada após julgamento dos recursos contra a condenação.


O STF recebeu 3.357 inscrições de pessoas interessadas em acompanhar o julgamento presencialmente. Foram disponibilizados 150 lugares para o público em geral na sala de sessões da Segunda Turma do STF, que fica localizada no mesmo prédio que o julgamento será realizado.


Os inscritos serão distribuídos entre as oito sessões agendadas e receberão, por email, informações sobre a autorização. Em razão da limitação de espaço, serão atendidos os pedidos das primeiras 1.200 pessoas que se inscreveram. As demais 2.157 poderão acompanhar o julgamento, ao vivo, por outros canais: TV Justiça, aplicativo TV Justiça +, canal do STF no YouTube e Rádio Justiça.


DEFESAS DOS RÉUS


Em 197 páginas, a defesa de Jair Bolsonaro chamou a acusação feita por Paulo Gonet de “absurda” e “golpe imaginado”. Os advogados pediram a anulação da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid. A defesa também argumentou que há falta de provas que coloquem o ex-presidente no centro da trama golpista.


A denúncia formulada pela Procuradoria-Geral da República acumula evidências contra Jair Bolsonaro e outros sete acusados de tramar um golpe de Estado em 2022, mas há “falhas” e ausência de provas materiais sobre a participação deles em determinadas situações.


Conclusões da PGR carentes de indícios robustos foram usadas pelas defesas do ex-presidente e dos outros acusados para tentar negar por completo a trama golpista. A acusação traz fortes elementos de vinculação de Bolsonaro com as chamadas minutas golpistas, corroborada por depoimento de dois dos três comandantes das Forças Armadas em seu governo, e mostra gestos e declarações de cunho golpista feitos às claras pelo ex-presidente em seu governo.

Os advogados, entretanto, argumentam que parte da denúncia se baseia apenas nas declarações do delator do processo, o tenente-coronel Mauro Cid. Eles afirmam que o militar promoveu vaivém de versões e não é uma fonte confiável e que não há provas independentes que confirmem seus depoimentos.
As defesas também afirmam que o procurador-geral Paulo Gonet chegou a conclusões equivocadas sobre documentos apreendidos durante a investigação. Teria transformado, por exemplo, anotações do ex-ministro Augusto Heleno em atos concretos de construção da narrativa contra as urnas, segundo os advogados.


“FALHAS” NO PROCESSO


A denúncia da PGR diz que Bolsonaro tomou conhecimento e “anuiu” ao plano Punhal Verde e Amarelo do general da reserva Mário Fernandes, que tratava do assassinato de autoridades, como Lula, Geraldo Alckmin e Alexandre de Moraes. A acusação levanta indícios de que o documento foi impresso no Palácio do Planalto e levado ao Palácio da Alvorada em momentos coincidentes com a presença de Bolsonaro nos dois locais. Mas alega que não há conhecimento de provas materiais que comprovem que o ex-presidente tenha concordado com ele.

O principal elemento indicado pela PGR para sustentar que Bolsonaro concordou com o plano é um áudio enviado por Mário Fernandes para Mauro Cid. “Durante a conversa que eu tive com o presidente, ele citou que o dia 12, pela diplomação do vagabundo [Lula], não seria uma restrição, que isso pode, que qualquer ação nossa pode acontecer até 31 de dezembro”, diz trecho do áudio.


A conclusão de Gonet avança um grau em relação ao entendimento da PF, que afirmou que Bolsonaro sabia do plano Punhal Verde Amarelo, mas não fala que ele tenha autorizado sua execução. Em manifestações anteriores, o ex-presidente negou ter tido conhecimento do plano ou que tenha discutido assassinato de autoridades.


BRAGA NETTO

Com base na delação de Mauro Cid, a PGR acusa o ex-ministro Walter Braga Netto de ter entregado dinheiro vivo, guardado em uma sacola de vinho, para viabilizar as ações militares clandestinas para “neutralizar” Moraes. Cid falou sobre o caso apenas em seu último depoimento, em juízo, sob o risco de ter sua delação anulada. Sua declaração foi feita ao Supremo na tarde de 21 de novembro de 2024, cerca de uma hora antes de a Polícia Federal entregar o relatório final da investigação sobre a trama golpista ao STF.


Segundo a defesa, a Polícia Federal não tentou conseguir provas para confirmar a informação de Cid. A PGR, responsável pela denúncia, também decidiu não pedir novas diligências e apresentou a denúncia sem elementos que corroborem esse ponto, alegam os advogados de Braga Netto. A acusação se ampara no fato de que houve execução de parte do plano.


“A alegação de que não teria entregue dinheiro aos responsáveis pela implementação da operação 'Copa 2022' é desmentida pelo simples fato de que a ação foi executada pelos militares, que realizaram os gastos previstos na fase de planejamento (hospedagens, passagens aéreas, aluguel de veículos, compra de aparelhos celulares etc.)”, diz a defesa.


MINUTAS GOLPISTAS


Testemunhas, trocas de mensagens e registros da portaria do Palácio da Alvorada confirmam que Bolsonaro convocou reuniões com os chefes das Forças Armadas para discutir um golpe de Estado. Em depoimentos, os então comandantes do Exército, general Freire Gomes, e da Aeronáutica, brigadeiro Bapstista Junior, afirmam que o ex-presidente expôs medidas para reverter a vitória de Lula na eleição.


A PGR diz, com base na delação de Cid, que a primeira versão da minuta do golpe foi apresentada pelo ex-assessor da Presidência Filipe Martins em 6 de dezembro de 2022. O texto teria passado por mudanças, por ordem de Bolsonaro. O conteúdo de uma das minutas foi confirmado por múltiplas fontes, um texto com diversos “considerandos” que fundamentariam um decreto. Mensagem encontrada pela PF no celular de Cid, enviada a Freire Gomes em 9 de dezembro de 2022, diz que Bolsonaro “enxugou o decreto”: “Aqueles considerandos que o senhor viu e enxugou o decreto, fez um decreto muito mais, é, resumido, né?”.


A PGR também conclui que um texto encontrado no celular do então ajudante de ordens seria a minuta apresentada aos chefes das Forças Armadas. O documento, porém, segundo a defesa, não possui os “considerandos” citados pelas testemunhas e se parecia mais com um discurso.


Gonet também crava na denúncia que a minuta encontrada na casa do ex-ministro Anderson Torres seria a última versão do decreto. Ele diz que a afirmação é do general Freire Gomes. Em juízo, porém, o militar disse que não poderia confirmar a informação, mas sim dizer que o conteúdo dos documentos era parecido.


8 DE JANEIRO


Na denúncia, a PGR destaca três capítulos para relacionar os planos golpistas de Bolsonaro com a invasão às sedes dos três Poderes no 8 de Janeiro. No primeiro deles, Gonet aponta os vínculos da organização criminosa com os manifestantes em frente aos quartéis. As provas são, em maior parte, conversas do general Mário Fernandes (réu em outro núcleo) solicitando a integrantes do governo apoio para os bolsonaristas acampados. Em novembro de 2022, Braga Netto também afirmou a manifestantes que pediam intervenção militar: “Vocês não percam a fé. É só o que eu posso falar agora”.


A PGR diz, em outro capítulo, que não há dúvidas de que “o cenário de instabilidade social [...] foi fruto de uma longa construção da organização criminosa que se dedicou, desde 2021, a incitar a intervenção militar no país e a disseminar, por múltiplos canais, ataques aos Poderes constitucionais e a espalhar a falsa narrativa do emprego do sistema eletrônico de votação para prejudicar Jair Bolsonaro”.


Gonet diz que não havia somente um apoio subjetivo à insurreição, mas sugere que a organização criminosa liderada por Bolsonaro tinha conhecimento prévio dos ataques de 8 de janeiro. “O núcleo central da organização criminosa estava em constante interlocução com as lideranças populares, em claros atos de direcionamento, mostrando-se plenamente ciente de todos os movimentos que seriam realizados por seus apoiadores”, afirma Gonet.


A conclusão da Procuradoria não é reforçada por evidências materiais de que Bolsonaro e os demais réus sabiam da insurreição. A defesa de Bolsonaro afirma, nas alegações finais, que a relação com o 8 de janeiro só foi feita porque o Código Penal exige que o crime de golpe de Estado apenas pode ser configurado se houver violência ou grave ameaça. “Por isso, exatamente por isso, as alternativas subsequentes: a acusação sem provas de que teria liderado o 8 de janeiro e mandado matar autoridades. Simplesmente porque surge nessas hipóteses a violência almejada”, alega o advogado de Bolsonaro, Celso Vilardi.


FUX

O ministro do STF Luiz Fux deve consolidar seus pontos de divergência em relação a Alexandre de Moraes na condução do processo da trama golpista de 2022 no voto que dará no julgamento da ação que pode condenar Jair Bolsonaro e mais sete réus. Apesar disso, são baixas, embora não descartadas, as chances de interrupção da análise por um pedido de vista dele, na avaliação de interlocutores, assessores e advogados


Ao longo da tramitação do caso no STF, Fux foi um ponto fora da curva com relação à unidade dos ministros da Primeira Turma em torno da condução de Moraes. Por isso, levantaram-se dúvidas sobre um eventual pedido de vista, o que pararia o julgamento por até 90 dias e poderia levar o caso para o ano eleitoral de 2026.


Na sessão de recebimento da denúncia contra o grupo central da trama golpista, Fux fez questão de fazer ponderações, ainda que tenha acompanhado o relator. Foi, ainda, o único a votar contra as medidas restritivas impostas por Moraes a Bolsonaro, como o uso da tornozeleira eletrônica.


Fux conversou previamente com Moraes em cada movimento, segundo relatos. Ele avisou ao colega que pediria vista, por exemplo, no caso da cabeleireira Débora dos Santos, que pichou a estátua da Justiça de batom nos ataques de 8 de janeiro de 2023 e se tornou símbolo para questionamentos bolsonaristas sobre a atuação de Moraes e as penas impostas. Fez o mesmo gesto antes de divergir das medidas cautelares contra o ex-presidente.


Para o ministro, não haveria provas de “qualquer tentativa de fuga empreendida ou planejada pelo ex-presidente”, e a determinação de Moraes de proibir Bolsonaro de usar as redes sociais “confronta-se com a cláusula pétrea da liberdade de expressão”. O ministro elogiou o trabalho de Moraes à frente do caso em todos os momentos em que se manifestou no plenário.


Ao mesmo tempo, assumiu postura incomum na corte, ao estar presente durante a instrução do processo, acompanhar as oitivas das testemunhas, fazer perguntas a réus nos interrogatórios e participar das acareações. Mais de uma vez, Fux contou ter ouvido áudios e checado o material compartilhado por Moraes.


A dedicação do ministro ao caso é vista por parte dos ministros, assessores e advogados como uma tentativa de se posicionar de forma independente. Foi Fux quem levantou controvérsia sobre a delação de Mauro Cid, o fio condutor da denúncia na análise da acusação feita pela PGR. “Vejo com muita reserva nove delações de um mesmo colaborador, cada hora acrescentando uma novidade”, disse o ministro no recebimento da denúncia.

BARROSO CRITICA EXTREMISMO


Às vésperas do julgamento de Bolsonaro, o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, afirmou que o Brasil, em breve, vai “empurrar o extremismo para a margem da história” e viver novo ciclo de maior ponderação na política. “Na democracia, a regra é quem ganha, leva e quem perde não fica despojado dos seus direitos e pode concorrer. O que me preocupa é o extremismo”, disse. “Acho que em breve nós vamos empurrar o extremismo para a margem da história e teremos uma política em que estarão presentes conservadores, liberais, progressistas, como a vida deve ser”, afirmou o ministro em entrevista a jornalistas após palestra na Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro.

Barroso afirmou que a história do Brasil é marcada por episódios de quebra de legalidade e que o julgamento que começa hoje pode “encerrar os ciclos de atraso no país”. “Essa ideia de quem perdeu tenta levar a bola para casa ou mudar as regras é um passado que nós precisamos enterrar”, afirmou.

COMO SERÁ O JULGAMENTO?

Serão oito sessões, considerados os turnos da manhã e da tarde, hoje, amanhã e nos 9, 10 e 12 de setembro

  • Hoje: 9h às 19h
  • Amanhã: 9h às 12h
  • Dia 9: 9h às 19h
  • Dia 10: 9h às 12h
  • Dia 12: 9h às 19h

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  • A PARTIR DE HOJE

- 9h - Cristiano Zanin, presidente da Primeira Turma do STF, faz a abertura da sessão
- Alexandre de Moraes, relator da Ação Penal 2668, lerá o relatório com o resumo das etapas do processo
- Paulo Gonet, procurador-geral da República, apresentará a acusação contra os oito réus
- Advogados dos réus vão à tribuna sustentar as defesas, com prazo de uma hora para cada um
- Alexandre de Moraes é o primeiro a votar
- Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin, nesta ordem, votam
- Condenação ou absolvição ocorrerá por maioria de três dos cinco votos

  • OS RÉUS DO NÚCLEO 1 DA TRAMA GOLPISTA

- Jair Bolsonaro – Ex-presidente da República
- Alexandre Ramagem – Deputado federal e ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência
- Almir Garnier Santos - almirante e ex-comandante da Marinha
- Anderson Torres - ex-ministro da Justiça
- Augusto Heleno - general da reserva e ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional)
- Mauro Cid - tenente-coronel e ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro
- Paulo Sérgio Nogueira - general e ex-ministro da Defesa
- Walter Braga Netto - general da reserva e ex-ministro da Casa Civil e da Defesa

 

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  • OS CRIMES E AS PENAS POSSÍVEIS

- Tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito: pena de 4 anos (mínima) a 8 anos (máxima)
- Tentativa de golpe de Estado: pena de 4 anos (mínima) a 12 anos (máxima)
- Organização criminosa armada: pena de 3 anos (mínima) a 8 anos (máxima) – pode chegar a 17 anos, com as agravantes de uso de arma de fogo e participação de agentes públicos
- Dano qualificado: pena seis meses (mínima) a 3 anos (máxima)
- Deterioração de patrimônio tombado: um ano (mínima) a 3 anos (máxima)

- Alexandre de Moraes
- Cármen Lúcia
- Cristiano Zanin
- Flávio Dino
- Luiz Fux

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