O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) determinou a suspensão imediata da Lei nº 11.862/2025, que previa a utilização da Bíblia como “material paradidático” em escolas públicas e privadas de Belo Horizonte. A decisão, publicada na última sexta-feira (26/9), aponta que a norma fere a competência exclusiva da União de legislar sobre educação e viola o princípio constitucional da laicidade do Estado.

O texto, de autoria da vereadora Flávia Borja (DC), foi aprovado em abril por 29 vereadores, com oito votos contrários e duas abstenções, e promulgado em maio pelo presidente da Câmara, Juliano Lopes (Podemos). A proposta previa que histórias bíblicas fossem usadas como recurso pedagógico em disciplinas como história, literatura, filosofia e artes, além de atividades complementares.

Durante a tramitação, Flávia Borja defendeu que o projeto não tinha caráter religioso e que a Bíblia seria “apenas um material de apoio e pesquisa” nas unidades de ensino da capital. O TJMG, no entanto, avaliou que a norma invade atribuições da União e interfere na autonomia administrativa da rede de ensino, configurando ingerência indevida do Legislativo municipal em questões executivas.

A relatora do caso, desembargadora Teresa Cristina da Cunha Peixoto, destacou em seu voto que a Constituição Brasileira assegura a liberdade religiosa e a laicidade do Estado. Ela ressaltou ainda que o ensino religioso é facultativo nas escolas públicas e que, por isso, o uso da Bíblia como recurso pedagógico deve ser eventual e restrito a fins culturais, históricos ou literários, não podendo ser imposto de maneira obrigatória, como previa a lei.

Ação judicial questionando a lei

A suspensão atende a um pedido da vereadora Cida Falabella (Psol), que ajuizou ação contestando a constitucionalidade da norma. Para a parlamentar, a medida representava um retrocesso no ensino e feria a neutralidade que deve orientar o ambiente escolar.

“Não estamos falando de cultura, mas de privilégio institucional a uma religião específica dentro de um espaço público. A escola deve ser um território de diversidade, liberdade e pensamento crítico, e não de catequese disfarçada”, afirmou em entrevista anterior.

Cida também alerta para os riscos do conteúdo bíblico ser tratado como leitura neutra. Segundo ela, a obra reúne passagens de violência, misoginia e intolerância, que exigem mediação crítica adequada para não serem transmitidas de forma equivocada a crianças e adolescentes. Além disso, a parlamentar considera que a medida poderia gerar constrangimento a estudantes de outras religiões ou sem religião.

Debate em outros municípios mineiros

A polêmica sobre a presença da Bíblia no ambiente escolar não se restringe a Belo Horizonte. Em Frutal, no Triângulo Mineiro, a prefeitura sancionou em maio a Lei nº 6.871, que prevê a leitura bíblica na rede municipal. Poucos dias depois, Ribeirão das Neves aprovou proposta semelhante, de autoria do vereador Pastor Dário (PP).

Em Nova Lima, na Grande BH, o Executivo sancionou no início de setembro o PL 255/2025, do vereador Wesley de Jesus (Republicanos), permitindo o mesmo tipo de prática. Já em Divinópolis, no Centro-Oeste de Minas, a Câmara aprovou em agosto o projeto do vereador Matheus Dias (Avante), mas a proposta ainda aguarda decisão do prefeito Gleidson Azevedo (Novo) sobre sanção ou veto.

Antes mesmo da sanção, o vereador Vítor Costa (PT) protocolou pedido de Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) no Ministério Público de Minas Gerais. Ele argumenta que o texto é “vago, mal formulado e politiqueiro”, sem esclarecer qual versão da Bíblia seria adotada (católica, evangélica, judaica ou outra).

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Além disso, recorda que o Supremo Tribunal Federal já declarou inconstitucionais leis semelhantes em outros estados, reforçando que cabe apenas à União definir conteúdos escolares.

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