Isenção do IR chega ao Senado sob disputa entre Calheiros e Lira
Briga por protagonismo pode comprometer a pauta, que precisa ser aprovada até o fim do ano para valer em 2026
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A aprovação unânime da isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil na Câmara jogou os holofotes para o Senado. A pauta, que tem amplo apoio popular e renderá pontos políticos aos envolvidos na aprovação, precisa ser aprovada até o fim deste ano para passar a valer em 2026. A aprovação, no entanto, vai enfrentar, no mínimo, dois empecilhos: um é a briga pelo protagonismo da pauta; outro é a discussão sobre a compensação da isenção até R$ 5 mil, que ficou na conta dos super-ricos.
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No caso do primeiro problema, quem tenta invocar para si o protagonismo da questão é o senador Renan Calheiros (MDB-AL), que pode ser o relator do texto no Senado. O congressista é um rival de longa data do conterrâneo Arthur Lira (PP-AL), que relatou o texto na Câmara, e fez diversas provocações ao conterrâneo nas últimas semanas.
O ápice dessa disputa foi há duas semanas, quando Renan conseguiu aprovar, na comissão que preside (Comissão de Assuntos Econômicos), um texto idêntico ao do rival, relatado por ele mesmo. A proposta é de 2019 e foi apresentada pelo senador Eduardo Braga (MDB-AL).
O movimento ligou um alerta na Câmara, que havia aprovado o texto de isenção do IR em uma comissão especial ainda em julho. O presidente Hugo Motta (Republicanos-PB) vinha dizendo que o texto seria pautado quando estivesse maduro para ser discutido. Desde então, no entanto, diversas turbulências na Casa Baixa tiraram o foco da discussão — para o descontentamento do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, principal interessado na pauta.
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Houve motim de bolsonaristas em prol da anistia, votação do PL da Adultização, tarifas dos Estados Unidos a produtos brasileiros e a PEC da Blindagem, que virou prioridade da noite para o dia para agradar o Centrão.
Quando a CAE do Senado se movimentou, Motta ficou sem alternativa. Lira apresentou seu parecer aos líderes da Câmara e o presidente da Casa, com aval dos líderes, marcou a data da votação. Calheiros não deixou barato: disse que a Casa Baixa só avançou com a pauta porque o Senado pressionou. Em suas redes sociais, Calheiros, que é aliado do governo Lula, tem dito repetidamente que a Câmara demorou demais ao analisar o tema e foi seu esforço que motivou a aprovação na Câmara.
"Após o Senado aprovar a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil e gradativamente para quem ganha até R$ 7.350, a Câmara dos Deputados foi obrigada a desengavetar uma proposta igual à proposta do presidente Lula, que é idêntica à proposta que o Senado aprovou", disse em um vídeo publicado na última sexta-feira.
O texto, no entanto, é o mesmo que o Executivo enviou à Câmara em março e não estava engavetado, como disse o senador. As falas tinham endereço: Arthur Lira, que, segundo apurou o Correio, tem demonstrado irritação com as provocações do senador, mas escolheu não respondê-lo publicamente para evitar dar mais atenção a ele.
Já o presidente Hugo Motta respondeu às provocações na sexta. Disse que a Câmara cumpriu o cronograma e negou que ela tenha sido pressionada por quem quer que seja a acelerar a análise.
"Nós cumprimos esse cronograma. Não adianta querer dizer que nós votamos a matéria da isenção de Imposto de Renda por causa disso ou por causa daquilo. Não, nós cumprimos o calendário que foi pré-estabelecido. E quando eu disse que a matéria iria ao plenário quando estivesse madura para ir, é porque enquanto presidente, eu tenho o termômetro das lideranças para entender quando é o momento certo para levar essa matéria e a aprovação por unanimidade, até sem destaques votados, nós tivemos condição de demonstrar ao Brasil o compromisso com uma pauta tão importante", disse o presidente da Câmara à GloboNews.
Tramitação rápida
Apesar da briga política, que envolve também um clima de pouca amistosidade entre Câmara e Senado desde que a Casa Alta derrubou a PEC da Blindagem, a avaliação de senadores governistas e também de oposição é de que o tema vai avançar rapidamente.
O líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP), espera que a votação no Senado se dê até novembro. "Tem que passar rápido, porque o brasileiro não quer pagar imposto no ano que vem. Nossa expectativa é de que, até novembro, a gente possa votar aqui. No máximo, no começo de novembro", disse o senador a jornalistas na última quinta-feira.
Do lado da oposição, senadores também veem caminho livre para a proposta. A forma de compensação, no entanto, deve ser alvo de questionamentos. O projeto relatado por Arthur Lira prevê um imposto de 10% para quem ganha mais de R$ 1,2 milhão por ano e também inclui a tributação de lucros e dividendos distribuídos por empresas a acionistas a partir de 2026. Esses dois pontos são alvo de resistência de lobbies ligados a empresários e de congressistas simpáticos aos interesses desse grupo.
O deputado Marcel van Hattem (Novo-RS), por exemplo, disse na última semana que seu partido pretende lutar no Senado para mudar o texto e eliminar as novas cobranças de impostos para os super ricos. Segundo ele, o governo — que desde 2023 tenta ajustar as contas públicas — precisa se readequar.
"Batalharemos no Senado para que a redução de impostos para uns não signifique aumento de impostos para outros. O governo Lula tem desperdiçado muito dinheiro e precisa cortar na própria carne", afirmou. O Novo, no entanto, só tem um senador: Eduardo Girão (CE).
Confira os principais pontos do texto aprovado na Câmara:
- Isenção total para quem ganha até R$ 5 mil;
- Desconto progressivo para quem ganha até R$ 7.350;
- Imposto mínimo de 10% para quem ganha mais de R$ 1,2 milhão por ano;
- Taxação de 10% em lucros e dividendos (hoje isentos) acima de R$ 50 mil enviados ao exterior;
- Repasse de recursos a municípios por parte da União para compensar eventuais perdas de receitas;
- Mecanismo para evitar bitributação com IR e Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL).
Saiba quais são os próximos passos:
- Após passar pela Câmara, o texto segue para análise no Senado.
- Para que passe a valer em 2026, o projeto precisa ser aprovado e sancionado até dezembro.
- Caso os senadores alterem o texto, ele volta à Câmara.