A decisão do governo de Minas Gerais de colocar sigilo em documentos da Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Codemig) é defendida como medida estratégica para a renovação do contrato da estatal com a Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM), responsável pela exploração do nióbio em Araxá, no Alto Paranaíba.

Na terça-feira (7/10), 13 documentos que envolvem pareceres jurídicos, notas técnicas, avaliações econômicas e relatórios financeiros da Codemig foram colocados sob sigilo por 15 anos, o que levantou suspeitas. Em entrevista ao Estado de Minas, Helger Marra Lopes, diretor de Administração e Finanças da Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais (Codemge), controladora da Codemig, disse que a decisão é, antes de tudo, uma estratégia de defesa do Estado.

“Estamos em um momento de negociação comercial e, nesse contexto, é fundamental não explicitar números, informações ou estratégias. Se isso for exposto, a outra parte passa a ter acesso completo ao que temos, o que pode prejudicar o lado negocial do Estado de Minas Gerais”, afirma.

O argumento de Lopes é que, embora o acordo atual vença apenas em 2032, a renovação é uma forma de valorizar a companhia e garantir o abatimento mínimo da dívida de Minas na adesão ao Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag). Parte da estratégia do estado é amortizar logo de cara 20% do estoque, estimado em R$ 172 bilhões, para garantir juros mais baixos.

“Nós recebemos uma orientação do governo de Minas para avançar na negociação com a CBMM justamente por causa do momento em que o Estado se encontra, dentro da discussão do Propag. A renovação desse contrato é essencial porque influencia diretamente o valor do ativo. Uma empresa com um contrato de sete anos tem um valor. Mas, se esse mesmo contrato for ampliado por 10 ou 20 anos, o valor da empresa naturalmente aumenta”, explica.

A transferência de controle da companhia, que administra reservas de nióbio, lítio e terras raras, já foi inclusive autorizada pela Assembleia Legislativa.

Mas, segundo Helger Marra, o cálculo do valor de mercado da companhia ainda não está fechado. “A gente ainda não tem o cálculo de valor da empresa. Nesse momento, a gente tem feito projeções, que é muito importante diante dessa renegociação. Quando a gente está pensando no valor do ativo, é muito importante que a gente tenha confiança de que vai ter receita por um longo prazo. Então não tem como ter o valor fechado ainda, porque ele depende de saber por quantos anos vamos ter essa receita”, diz.

Deputados da oposição acreditam que a Codemig, sozinha, seria suficiente para cobrir a parcela exigida para adesão ao Propag, o que dispensaria a inclusão de outras empresas estatais em eventuais negociações. Agora, com a imposição de sigilo aos documentos da companhia, a oposição acredita haver uma tentativa de encobrir o real valor da estatal e evitar questionamentos sobre a condução da agenda de privatizações do governador Romeu Zema (Novo).

Helger Marra reconhece a sensibilidade do tema, mas diz que o sigilo não impede a fiscalização. Segundo ele, os documentos são compartilhados “à medida que são concluídos” com órgãos de controle como o Tribunal de Contas do Estado (TCE-MG) e o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG). “Nosso objetivo é proteger o patrimônio dos mineiros. Este ativo pertence a eles”, disse.

Sem o fechamento da renovação do contrato, o diretor da Codemge trata a tentativa de precificar a companhia como mera “especulação”. “Só teremos condições de fazer uma avaliação segura depois que a renegociação estiver definida. Antes disso, não há como calcular o valor exato da empresa.  A gente precisa ter um número mais confiável. Neste momento não há”, afirma.

Ele ainda diz que o sigilo não é definitivo e garante que, tão logo as negociações sejam concluídas, o novo contrato será tornado público. “Se houver uma renovação, o contrato se torna público imediatamente. Daremos publicidade a todas as condições, anexos e cláusulas”, afirma. No entanto, ainda não há previsão de datas. “Como toda negociação, isso demanda tempo e maturação. Só é possível definir prazos quando todos os pontos já estiverem discutidos”, afirma o diretor da Codemge.

Histórico de controvérsias 

A Codemig é detentora dos direitos de exploração de nióbio em Minas Gerais e mantém, desde 1972, uma parceria com a CBMM, empresa privada que atua no mesmo segmento. O primeiro contrato foi firmado por 30 anos e renovado por mais três décadas em 2002, garantindo à estatal participação nos lucros e na produção das minas de Araxá. 

A parceria, entretanto, é acompanhada de controvérsias. Em 2023, o ex-presidente da Codemig, Marco Antônio Castello Branco, apresentou à Assembleia Legislativa um relatório apontando divergências na produção de minério. Segundo o documento, teriam sido extraídas 103 mil toneladas a mais do que o previsto, o que poderia indicar desequilíbrio na divisão dos lucros.

A denúncia levou o caso ao Tribunal de Contas do Estado (TCE-MG), que propôs uma conciliação entre as partes. Em julho deste ano, a Codemig informou que a questão foi analisada pelo Ministério Público e estaria superada. No entanto, o TCE manteve aberto o processo para manifestações sobre a conciliação, o que demonstra que o tema segue sob observação.

Papel da Goldman Sachs

Entre os documentos classificados como sigilosos estão os que tratam da atuação da Goldman Sachs, contratada para assessorar financeiramente a Codemig. O envolvimento da instituição levantou dúvidas sobre a natureza e o alcance do contrato.

Ao EM, Helger Marra disse que a instituição atua como assessor financeiro na renovação com a CBMM, mas não descarta uma eventual avaliação de mercado para a futura negociação de federalização da companhia. Na terça-feira, um decreto federal permitiu a contratação de auditorias independentes para os estados avaliarem o valor de seus ativos, prerrogativa que antes cabia exclusivamente ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

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“A Goldman Sachs é um banco de nível internacional, muito reconhecido por esse serviço de assessoria financeira. A nossa contratação foi exatamente para que eles sejam o nosso assessor financeiro, tanto nesse momento agora de eventual renegociação, quanto também, caso a gente passe para o segundo momento, que é da federalização, a negociação com o governo federal. Eles nos ajudam a avaliar o novo contrato, analisar cláusulas e verificar se ele é mais vantajoso do que o atual”, explica.

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