Bolsonaro, cúmplices e presos do 8/1 terão "saidinha" no Natal? Entenda
A lei das saídas temporárias foi modificada em 2024; saiba quem tem direito ao benefício e quais as regras para crimes contra o Estado Democrático
compartilhe
SIGA
A discussão sobre a saída temporária de Natal, a “saidinha”, gera burburinho todos os anos, e este ano ganhou novos contornos com a inclusão do ex-presidente Jair Bolsonaro, de cúmplices do núcleo central da tentativa de golpe e dos condenados pelos atos de 8 de janeiro. A resposta, porém, é direta: nenhum deles terá direito ao benefício, cada qual por motivos distintos.
Por que não para Bolsonaro?
No caso de Bolsonaro, a explicação é objetiva: a saída temporária, prevista na Lei de Execução Penal (LEP) e atualizada pela Lei 14.843/2024, é um benefício concedido apenas a presos condenados que cumprem pena em regime semiaberto e que demonstrem bom comportamento.
O ex-presidente, porém, cumpre pena em regime fechado, após ter sido preso por risco de fuga, condição que, por si só, impede flexibilizações.
O juiz João Victhor Batista Rodrigues, do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB e vice-presidente da Associação Nacional da Advocacia Criminal (Anacrin), detalha a situação jurídica do caso. “Quando o ministro Alexandre de Moraes decretou a prisão preventiva, aquilo não reduziu ou substituiu a pena total aplicada. Era uma prisão processual, durante a instrução. Agora, sim, Bolsonaro iniciou o cumprimento efetivo da pena”, explica.
Leia Mais
O juiz reforça que Bolsonaro não está em um regime que permita qualquer saída. “Quem faz jus à saída temporária é apenas quem está no semiaberto. Presos em regime fechado, como é o caso do ex-presidente, não têm direito ao benefício”, afirma.
Para migrar ao semiaberto, Bolsonaro precisaria cumprir uma fração mínima da pena, apresentar bom comportamento e passar por exame criminológico. Como começou a cumprir a pena há pouco tempo, e sua condenação é longa, não há possibilidade legal de progressão até o Natal.
Rodrigues explica que o processo de execução penal do ex-presidente ainda não está totalmente disponível, mas é possível calcular uma estimativa técnica. “De forma genérica, para crimes como os dele, a progressão costuma exigir o cumprimento de cerca de 20% a 25% da pena no regime fechado. Na prática, isso significa algo entre cinco e sete anos antes de ele poder ir para o semiaberto”, avalia.
Indulto não é saidinha
Rodrigues também esclarece que a antiga saidinha não é a mesma coisa que insulto natalino. “A saída temporária e o indulto natalino são coisas totalmente distintas. O indulto é um perdão concedido por decreto presidencial, que extingue a pena do condenado, desde que ele se enquadre nos critérios legais. Não tem relação com datas festivas como a saidinha”, afirma.
O indulto, ato político do presidente da República, segue requisitos como bom comportamento e inexistência de crimes cometidos com violência ou grave ameaça. Em resumo, o indulto é um perdão em que o prisioneiro é libertado.
No ano passado, o indulto natalino assinado pelo presidente Lula (PT) beneficiou mães e avós condenadas por crimes sem grave ameaça ou violência para o cuidado de filhos e netos de até 12 anos com deficiência. O perdão também foi concedido a pessoas com HIV em estágio terminal, gestantes em gravidez de alto risco e pessoas com transtorno do espectro autista severo (grau 3).
Lula ainda definiu que o perdão não vale para condenados por crimes sexuais, por abuso de autoridade, líderes de facções criminosas, delatores com colaborações premiadas em vigor e condenados por crimes hediondos.
O que mudou na lei das saidinhas?
A Lei 14.843/2024 mudou profundamente o sistema anterior. A principal alteração foi o fim da saída temporária para visitas familiares em datas como Natal, Páscoa ou Dia das Mães. “A lei acabou com a saída temporária para visitas à família em datas festivas. A partir de abril de 2024, o benefício passou a ter finalidade exclusivamente educacional ou laboral”, diz.
Hoje, a saidinha só é permitida para presos no semiaberto que:
-
frequentem curso supletivo, profissionalizante, ensino médio ou superior; ou
-
realizem trabalho externo autorizado.
Segundo o juiz, a mudança foi uma reação legislativa ao caso Roger Dias, morto em janeiro de 2024 por dois presos que não retornaram da saída de fim de ano. O episódio levou o Congresso a rever o benefício. “A antiga saidinha servia como reintegração ao convívio social, com um período de até sete dias fora da prisão, mas esse caso que aconteceu aqui em Minas gerou uma comoção nacional”, explica Rodrigues.
Em situações excepcionais, como morte de parente, o juiz esclarece que "nessas hipóteses, cabe ao magistrado analisar caso a caso, considerando se o preso não é de alta periculosidade”, afirma.
Conforme explicam juristas, a mudança foi impulsionada por bancadas de centro-direita e direita, por governadores que priorizaram segurança pública e pela derrubada do veto presidencial pelo Congresso, o que deixou em vigor a versão mais rígida da lei.
As provas contra Jair Bolsonaro na ação do golpe de Estado
O caso dos presos de 8 de janeiro
Para os condenados pelos atos de 8 de janeiro de 2023, o resultado é o mesmo: não há possibilidade de saidinha natalina. Grande parte deles foi condenada por crimes com violência ou grave ameaça, como golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, dano qualificado e associação criminosa, que, pela nova lei, vedam expressamente o benefício.
O advogado criminalista Eduardo Lustosa, especialista em tribunais superiores pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), frisa que “a lei acabou com a saída temporária para visitas à família em datas festivas. A partir de abril de 2024, o benefício passou a ter finalidade exclusivamente educacional ou laboral”.
Mesmo sem a mudança legislativa, a concessão seria improvável: a saidinha exige regime semiaberto, matrícula em curso, bom comportamento e monitoramento eletrônico. Além disso, o STF tende a uniformizar o entendimento de que a nova regra se aplica de modo imediato às saídas, reforçando a restrição.
“Hoje, essa é justamente a questão em debate no STF. A Corte reconheceu repercussão geral (Tema 1.381) para decidir se a Lei 14.843/2024, que restringiu profundamente a saidinha, pode alcançar crimes praticados antes de sua vigência, como os do 8/1”. Para Lustosa, essa discussão é central porque “a retroatividade da lei é decisiva: se o STF permitir, a vedação se aplica integralmente aos condenados cujos crimes envolveram violência ou grave ameaça”.
Enquanto o julgamento não termina, cada juiz da execução decide conforme sua interpretação, o que abre espaço para disputa jurídica, especialmente para os condenados por crimes sem violência. E aqui o cenário muda: muitos foram condenados por incitação, associação simples ou até mera presença.
Pela lei antiga, explica Lustosa, esses presos “poderiam chegar ao semiaberto cedo, entre 7 e 9 meses, se primários, e ter direito à saidinha nos moldes anteriores”. Se a lei nova retroagir, eles perdem a saidinha familiar, “mas mantêm a possibilidade de saída para fins educacionais”.
Importante frisar, que a vedação depende do tipo penal da condenação, não do contexto político. Assim, quem foi condenado por crimes com violência ou grave ameaça perde o benefício; quem responde por crimes sem violência pode, em tese, ter direito à saída educacional. O advogado destaca que, embora o contexto democrático pese, “nenhum benefício é automático: depende sempre de confiança institucional e da avaliação do juiz da execução”.
Crimes contra a democracia influenciam a execução penal?
Segundo o especialista, sim. “Por terem alto impacto institucional, esses crimes geram maior cautela judicial na concessão de benefícios como trabalho externo, livramento ou saidinha, o que reforça a tendência restritiva.”
Em resumo, para o núcleo central, condenado por crimes com violência, a possibilidade é praticamente nula, já que muitos permanecem no regime fechado por anos e, se a lei nova retroagir, haverá vedação definitiva. Já para a participação periférica, crimes sem violência, a saída pode ocorrer apenas para fins educacionais e depende da decisão final do STF.