Em 1975, o então papa Paulo VI estabeleceu normas para o conclave e fixou em 120 o número máximo de cardeais eleitores, desde que tivessem menos de 80 anos. Depois, a constituição apostólica Universi Dominici Gregis, promulgada por João Paulo II em 1996, confirmou a mesma orientação.

De acordo com João Paulo II, seria uma orientação prática, não um dogma imutável. Tanto que, em 2003, quando o próprio João Paulo II era papa, o número de cardeais eleitores passou a ser 135. Em 2012, no papado de Bento XVI, havia 125 cardeais eleitores.

O texto da Universi Dominici Gregis, na avaliação de especialistas, deixa margem para flexibilidade, pois o papa, como legislador supremo da Igreja, tem o direito de modificar o conteúdo de documentos católicos.

No entanto, há uma expectativa agora na cúpula da Igreja de que cardeais conservadores contrários à linha de ação do papa Francisco, como Raymond Leo Burke, dos Estados Unidos, e Robert Sarah, da Guiné, questionem  no conclave o número de 135 eleitores, por ultrapassar os 120 previstos na Constituição Apostólica promulgada por João Paulo II.

Burke, tido como o maior crítico de Francisco, é prefeito emérito do Supremo Tribunal da Assembleia Apostólica, responsável por julgar casos eclesiásticos. Sarah, que aparece como um candidato a papa do campo conservador, é um bispo negro defensor da identidade europeia (diz que ela está perdendo seus valores) e da missa tridentina (em latim, com o celebrante de costas). É prefeito-emérito da Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos.

O papa Francisco, como os seus antecessores João Paulo II e Bento XVI, elevou o número de eleitores para o conclave, desta vez privilegiando a nomeação de cardeais de regiões como a África e a Ásia, as chamadas “periferias do mundo”. Ele nomeou 80% dos atuais votantes. Com essa ampliação e maior abertura para outros continentes, na avaliação de especialistas, o próximo conclave tem mais chances de eleger um papa com um perfil mais próximo de Francisco, tido como “progressista”.

“Cardeais como Burke e Sarah levantarão essa questão no intuito de eliminar os excedentes atuais, ou seja, os que ultrapassam os 120 previstos na Constituição Apostólica. Mas será difícil decidir quais os 15 que sofrerão a pena”, avalia o teólogo Manoel Godoy, professor de Teologia da Faculdade Jesuíta de Belo Horizonte.

Caso cardeais contrários a Francisco defendam a exclusão de 15 eleitores – e a proposta venha a ser acatada -, não há, no entanto, um critério para isso. No mínimo, a medida causaria muita polêmica. “Se o critério for por data de nomeação, os 15 últimos são, com algumas exceções, os mais identificados com o pontificado de Francisco. Aí fica claro que o critério é político e não eclesial. Abre-se um excedente perigoso”, diz Godoy.

'Amém' (2002), do diretor franco-grego Costa-Gavras, inspirado no livro 'O vigário' (1963), de Rolf Hochhut, ganhou o César, maior prêmio do cinema francês, de Melhor Roteiro. Durante a Segunda Guerra, um químico contratado pelos nazistas descobre a realidade das câmaras de gás. Em vão, ele tenta, com a ajuda de um jesuíta (Mathieu Kassovitz, foto), alertar o papa Pio XII para o horror nos campos de concentração. O filme mostra o papa covarde e seu silêncio cúmplice sobre os crimes nazistas. A tese, contudo, é matizada pelo Vaticano e alguns historiadores, que lembram que Pio XII rompeu seu silêncio três vezes e contribuiu para o resgate de dezenas de milhares de judeus, especialmente na Itália. DVD à venda no site amazon.com.br Reprodução
'Habemus papam/Temos papa' (2011), filme do italiano Nanni Moretti apresentado no Festival de Cannes, surpreendeu ao narrar a eleição de um papa relutante em assumir o cargo, dois anos antes da renúncia de Bento XVI. Enquanto a fumaça branca se eleva do Vaticano, sinal do desfecho do conclave, os fiéis se apressam para ver o novo papa, mas a moldura da janela permanece vazia. De repente, ouve-se um grito. Aterrorizado, o cardeal Melville (Michel Piccoli, foto) se recusa a assumir seu novo papel. Até decide recorrer ao psicanalista para acompanhá-lo em sua nova missão. Disponível nas plataformas Amazon Prime e Apple TV. Prime Video/reprodução
A série 'The new pope' (2020) é a continuidade de 'The young pope'. É eleito o novo papa, João Paulo III (John Malkovich, foto), enquanto Pio XIII (Judie Law) está em coma. Desta vez, o diretor Paolo Sorrentino dá ênfase às personagens femininas, especialmente a diretora de comunicação da Santa Sé, interpretada pela atriz francesa Cécile de France. Produção da HBO. HBO/reprodução
'The young pope' (2016), série de 10 episódios dirigida pelo italiano Paolo Sorrentino, traz Jude Law (foto) como o ítalo-americano Lenny Belardo, que acaba de ser eleito papa para surpresa geral. Se os cardeais acham que haviam escolhido um sumo pontífice facilmente manipulável, Pio XIII mostra uma personalidade atormentada, maquiavélica e desconcertante. Ultraconservador, bebe Coca-Cola de cereja, fuma nos salões do Vaticano e luta com o trauma de ter sido abandonado quando criança. Disponível no Prime Video. Gianni Fiorito/HBO/divulgação
'Dois papas' (2019), dirigido pelo brasileiro Fernando Meirelles, remete à renúncia do alemão Bento XVI, em 2013. O longa de ficção imagina um duelo verbal entre Anthony Hopkins, interpretando um papa alemão muito mais autoritário que seu tímido modelo, e Jonathan Pryce (foto), no papel do futuro papa argentino que deseja ensiná-lo a dançar tango. Os dois homens superam suas diferenças graças à música de Bento, pianista, e à paixão de Francisco pelo futebol. Disponível na plataforma Netflix. Netflix/divulgação
'Conclave' (2024), do diretor alemão Edward Berger, segue a escolha de um novo papa, entre traições e mentiras. Indicado em oito categorias, levou o Oscar de Melhor Roteiro Adaptado em 2025. Ralph Fiennes (foto) interpreta o cardeal Lawrence, encarregado de organizar o conclave, assembleia de cardeais que elege o próximo sumo pontífice após a morte do papa. No mundo clerical, todos se conhecem e os rancores são tenazes. Adaptado do romance do britânico Robert Harris, o filme escala as tensões até um inesperado final. Disponível na plataforma Amazon Prime. Diamond Films/divulgação

Nessa hipótese de 15 dos últimos eleitores nomeados ficarem de fora do conclave, o brasileiro dom Jaime Spengler, arcebispo de Porto Alegre e presidente da CNBB (Conferência Nacional do Bispos do Brasil), nomeado cardeal por Francisco em dezembro de 2024, seria um dos excluídos.

Para resolver temas delicados como esse, o colégio cardinalício deverá ouvir alguns de seus integrantes como o cardeal emérito italiano Gianfranco Ghirlanda, especialista em Direito Canônico.

Outro caso a ser resolvido pela Igreja antes do conclave é o do cardeal italiano Giovanni Angelo Becciu, acusado de fraude e desvios de doações de fiéis. Ex-assessor de Francisco, ele foi afastado de funções na Cúria Romana e impedido de participar do conclave, mas deu declarações afirmando que pretende participar.

Becciu, ex-núncio apostólico em Angola e Cuba, foi nomeado por Bento XVI e cuidou dos assuntos gerais da Secretaria de Estado do Vaticano, uma posição-chave na Cúria Romana. Em 2021, um juiz do Vaticano ordenou que ele e outras nove pessoas fossem julgados sob a acusação de peculato, abuso de poder e suborno. Em 2023, ele foi condenado a cinco anos e meio de prisão.

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