No in�cio da manh� de 1º de julho de 1980, o papa Jo�o Paulo II desembarcou no aeroporto da Pampulha, em Belo Horizonte, e marcou a hist�ria de Minas Gerais. Foi a �nica vez que um sumo pont�fice pisou em solo mineiro para uma visita – um dia pontuado por momentos de intensa emo��o para os fi�is da capital mineira, que o Estado de Minas relembra nesta edi��o.
“Papa chega hoje, �s 10h25, a BH”, anunciava o EM naquela manh�. Assim que o Peregrino da Paz desembarcou do avi�o, uma multid�o de fi�is j� o aguardava no aeroporto. Os gritos de aclama��o davam as boas-vindas ao pont�fice. “Ei, ei, ei, o papa � o rei”, cantava o coro. O clamor fazia refer�ncia ao grito da torcida do jogador de futebol Reinaldo, do Clube Atl�tico Mineiro, durante os jogos nos est�dios.
A par�dia dos fi�is evindenciava o foco do papa: os jovens. Para atrair esse p�blico, Jo�o de Deus mudou a maneira dos papas de conquistar os fi�is. Por isso, ele � muito conhecido como o primeiro “papa pop” da hist�ria da Igreja Cat�lica. Com a sua personalidade carism�tica, o papa fez amizades pelos 104 pa�ses que visitou, contando com a It�lia. Da�, o seu apelido: Peregrino da Paz.
Em BH, n�o foi diferente: Jo�o de Deus criou um la�o �ntimo com os belo-horizontinos. Em seu papam�vel, o carro que o conduzia, o religioso foi seguido por uma multid�o pela capital mineira. A jornada de Jo�o Paulo II, em desfile desde a rodovi�ria at� o alto da Avenida Afonso Pena, no Bairro Mangabeiras, foi acompanhada de perto at� mesmo por muitos que n�o eram cat�licos. “N�o s� fi�is o seguiam. Todos os belo-horizontinos queriam saudar o papa e prestigiar aquele momento. Foi um momento de aclama��o”, relatou monsenhor �der Amantea, que esteve presente como padre durante a visita do papa.
O carro de Jo�o de Deus subiu a Avenida Afonso Pena at� chegar � Pra�a Governador Israel Pinheiro, no Bairro Mangabeiras. No centro da pra�a, um palanque para o pont�fice celebrar a missa. � preciso contar por que o local foi escolhido para a grande cerim�nia. O ponto b�sico foi a seguran�a, pois as ruas laterais facilitavam o acesso de Jo�o Paulo II ao altar e tamb�m permitiriam a sa�da em caso de qualquer emerg�ncia. Com a seguran�a refor�ada, o p�blico na primeira fila ficava a 50 metros de dist�ncia do celebrante e os convidados, principalmente religiosos, em torno de 600, dos dois lados do chefe da Igreja Cat�lica.
A estrutura foi palco de uma das hist�rias mais marcantes da vida do padre Jos� C�ndido da Silva, p�roco da Igreja S�o Sebasti�o, no Barro Preto, em Belo Horizonte, que trabalhou na organiza��o da cerim�nia do papa em BH. “At� hoje ainda me emociono com a cena inesquec�vel. O Santo Padre sobe ao altar para iniciar a Eucaristia, eu tento beijar-lhe a m�o, mas o mestre de cerim�nias da Capela Pontif�cia tenta afastar-me. O papa percebe e vem ao meu encontro, me abra�a e eu mal conseguia balbuciar alguns voc�bulos desconexos”, relembrou o padre, revivendo a emo��o que contagiou todos os presentes naquele momento.
Pra�a rebatizada
A cerim�nia aos p�s da Serra do Curral rebatizou extraoficialmente o local onde se realizou em Belo Horizonte. At� hoje � como Pra�a do Papa que a �rea � conhecida. “O lugar foi se enchendo rapidamente. No final, disseram que havia cerca de milh�o de pessoas”, relata Joaquim Pereira da Silva, hoje com 49 anos, contador, que na �poca era crian�a. As pessoas estavam no evento prestigiando o pont�fice e clamavam "viva o papa, viva Jo�o de Deus". O Peregrino da Paz, admirado com a beleza da capital, respondeu: "Olhando para voc�s, vi um belo horizonte".
Na curta passagem de um dia por Belo Horizonte, o l�der da Igreja Cat�lica emocionou a multid�o ao falar de justi�a e o encontro foi marcado pelo sentimento de esperan�a de mudan�a. Em seu discurso, Jo�o de Deus afirmou que via a nova gera��o com boas expectativas. “Voc�s dizem, com raz�o, que � imposs�vel ser feliz, vendo uma multid�o de irm�os carentes das m�nimas oportunidades de uma exist�ncia inumana. Voc�s dizem, tamb�m, que � indecente que alguns esbanjem o que falta � mesa dos demais. Voc�s est�o resolvidos a construir uma sociedade justa, livre e pr�spera, onde todos e cada um possam gozar dos benef�cios do progresso”, declarou o pontif�ce sobre os jovens.
Naquela ocasi�o, o papa falou diretamente aos jovens e refor�ou a necessidade de manter os direitos dos mais novos. “Voc�s s�o o belo horizonte da Igreja, o futuro da Igreja”, afirmou Jo�o de Deus. Naquele momento, o Peregrino da Paz plantava a semente da f� entre jovens e, mais tarde, os frutos come�aram a ser colhidos: os mineiros ficaram ainda mais pr�ximos do catolicismo, relatou monsenhor �der Amantea . “Essa visita foi um banho de entusiasmo e desejo de conhecer melhor Jesus Cristo e seguir Jesus como cat�lico. Foi um incentivo muito forte”, afirmou.
Ao fazer a cerim�nia em portugu�s, o pont�fice emocionou ainda mais os fi�is. A empolga��o ficou marcada na mem�ria de quem teve a honra de ficar perto do papa. “Ao final da missa, ele se posicionou ao meu lado para cantar e estabelecer um di�logo com a multid�o constitu�da, em grande parte, de jovens. Ao cantarmos juntos A barca, uma m�sica cat�lica bastante conhecida entre os fi�is, Jo�o de Deus me diz: ‘J� cantei tantas vezes esta m�sica na minha terra, a Pol�nia, sempre com os jovens’. Ele n�o sabia que n�s a t�nhamos escolhido de prop�sito por ser uma can��o eslava. Ainda hoje suas palavras ressoam em todos os cora��es: ‘O papa n�o os esquecer�, nunca mais!’”, contou padre C�ndido.
Por volta das 14h, a energia do local foi diminuindo: o evento havia acabado. O papa deixou a pra�a e, aos poucos, as pessoas tamb�m foram indo embora. “N�o perdi um detalhe sequer de Jo�o Paulo II na pra�a. Vi at� como ele foi embora. Haviam dito que ele iria de helic�ptero. Um aparelho pousou e, quando levantou voo, todos olhavam pra cima e davam adeus. Mas o papa foi embora de carro, em um Alfa Romeo preto. Ningu�m percebeu”, contou Joaquim Pereira.
“Foi tudo muito emocionante, muito bem vivido, tanto pelo papa quanto pelo povo que ali estava. � uma lembran�a muito querida e que eu guardo com muito amor”, comentou monsenhor �der. Toda essa emo��o ganhou um significado extra em 2011. Seis anos ap�s sua morte, o papa Jo�o Paulo II foi beatificado. Ele tornou-se santo em 2014. “� especial. Quando a gente lembra que j� viu um santo de t�o perto, � um consolo e � uma alegria muito grande”, completa.
B�n��o a dist�ncia
A rela��o de Jo�o de Deus com Belo Horizonte continuou crescendo com o tempo. Monsenhor �der teve a oportunidade de conversar com Jo�o de Deus alguns anos depois. “Eu estava em Roma e dom Serafim me chamou para ir a uma audi�ncia com o papa. Quando cheguei ao escrit�rio particular do papa, ele come�ou a conversar comigo em portugu�s. Perguntou de onde eu era e aben�oou Belo Horizonte, mesmo a dist�ncia”, contou.
O papa retornou ao Brasil outras tr�s vezes, mas n�o esteve mais na capital mineira. Em uma dessas visitas, no Rio de Janeiro, Jo�o Paulo II aben�oou a cidade aos p�s do Cristo Redentor e se declarou: "Se Deus � brasileiro, o papa � carioca". Em Bras�lia, logo na primeira visita ele beijou o solo.
A passagem do Peregrino da Paz pelo Brasil quando veio a Belo Horizonte, em 1980, incluiu 14 cidades em um per�odo de 12 dias. Al�m de BH e a capital do Brasil, o trajeto contou com visitas ao Rio de Janeiro (RJ), S�o Paulo, (SP), Aparecida (SP), Vit�ria (ES), Porto Alegre (RS), Curitiba (PR), Manaus (AM), Recife (PE), Salvador (BA), Bel�m (PA), Teresina (PI) e Fortaleza (CE). * Estagi�ria sob supervis�o da subeditora Rachel Botelho
Campe�o de audi�ncia na Itacolomi
A primeira visita de um sumo pont�fice ao ent�o pa�s com maior popula��o cat�lica do mundo foi transmitida ao vivo em rede nacional atrav�s de um pool de emissoras brasileiras, integrado pela TV Itacolomi, do grupo Di�rios Associados, l�der de audi�ncia no estado � �poca. O pool foi criado pela Secretaria de Comunica��o da Presid�ncia (Secom), com transmiss�o via Embratel. As emissoras selecionadas geravam as imagens e a narrativa era adicionada pelas receptoras locais.
A missa na capital mineira foi toda transmitida ao vivo, apesar de um problema t�cnico ter impedido que a popula��o brasileira e mineira acompanhasse a chegada do papa ao aeroporto da Pampulha (Confins ainda n�o operava) e sua trajet�ria at� o local da celebra��o.
A Itacolomi, o Canal 4, foi ao ar de 1955 a 1980. Foi a terceira televis�o brasileira. Tinha como vinheta "TV Itacolomi, sempre na lideran�a. Canal 4, Belo Horizonte, Minas Gerais".
Durante a peregrina��o pelas 14 cidades brasileiras visitadas por Joao Paulo II, a audi�ncia da cobertura ao vivo chegou a 85% dos 15 milh�es de televisores espalhados por todo o pa�s. Em torno de 50 milh�es de pessoas assistiram � transmiss�o ao vivo, audi�ncia superada apenas pela final da Copa do Mundo de 1970, no M�xico.
Pont�fice polon�s
Jo�o Paulo II foi o 264º papa da hist�ria e �nico de origem polonesa. Eleito no segundo conclave em 1978, assumiu a dire��o da Igreja Cat�lica, Apost�lica, Romana no lugar de Jo�o Paulo I, que morreu 33 dias ap�s sua elei��o. Karol J�zef Wojtyla nasceu em 18 de maio de 1920 e faleceu em 2 de abril de 2005, por complica��es do mal de Parkinson. Ele foi canonizado em 27 de abril de 2014.