
Na reserva t�cnica do Museu Hist�rico Ab�lio Barreto (MhAB) – uma sala mantida sempre na temperatura de 18 graus para preservar a pinacoteca – est� um quadro de 2m x 1,37m recriando os primeiros tempos de Curral del Rei, o primitivo arraial que deu origem a Belo Horizonte. Com o porte esguio, o bandeirante paulista Jo�o Leite da Silva Ortiz contempla as montanhas ao lado de um padre, companheiros de viagem com armas, escravos carregando mantimentos e um �ndio. Quase todos os homens brancos est�o de costas, pois, nesse momento, no alto do Serro ou Serra das Congonhas, atual Curral, parece interessar apenas a ocupa��o do espa�o e o pioneirismo de terem chegado a uma terra que, em 1711, portanto 10 anos depois, seria concedida a Ortiz pelo rei de Portugal, em carta de sesmaria.
Os prim�rdios de BH, retratados de forma aleg�rica, em 1940, pelo pintor Eug�nio Proen�a Sigaud, no quadro Aben�oando a terra do bandeirante, est�o de acordo com os estudos do jornalista e historiador Ab�lio Velho Barreto (1883-1959), autor de pesquisas profundas sobre a regi�o e fundador do museu localizado no Bairro Cidade Jardim, na Regi�o Centro-Sul. “Mas h� outras vers�es que tamb�m devem ser levadas em considera��o”, diz a historiadora e pesquisadora da institui��o C�lia Regina Ara�jo Alves, autora da disserta��o de mestrado Preciosas mem�rias, belos fragmentos: Ab�lio Barreto e Raul Tassini – a ordena��o do passado na forma��o do acervo do MhAB, na qual discorre sobre as origens de Curral del Rei.
Para o escritor Augusto de Lima J�nior (1889-1970), diz C�lia Regina, a primazia de chegar � regi�o seria do portugu�s Francisco Homem del Rei, que desembarcara na col�nia em 1709, na frota do capit�o-mor Luiz de Figueiredo Monterroyo, e resolvera trilhar mais tarde o caminho das Gerais em busca de ouro. Naqueles tempos, havia por aqui apenas a Fazenda do Cercado, onde hoje fica o Bairro Nova Cintra, na Regi�o Oeste, e, sendo devoto de Nossa Senhora da Boa Viagem, Francisco se apressara em construir uma capela em devo��o � santa. O templo, onde hoje est� a Catedral de Nossa Senhora da Boa Viagem, foi constru�do seis quil�metros distante do Cercado.
Discuss�o
Na d�cada de 1940, o m�dico Edelweiss Teixeira ati�ava a pol�mica, afirmando que Barreto, seu contempor�neo, associara a hist�ria do arraial � figura de Ortiz, por valorizar a origem nobre do paulista, e n�o � do marinheiro Francisco Homem del Rei, de cujo sobrenome, para especialistas, teria vindo a denomina��o Curral del Rei. Ele defendia a necessidade de realiza��o de um congresso para discutir o tema. J� na d�cada de 1980, no livro A verdade sobre a hist�ria de Belo Horizonte, Waldemar de Almeida Barbosa contestava as pesquisas de Barreto, para quem Ortiz “foi o primeiro homem civilizado que habitou o belo local onde, 196 anos depois, se instalou a capital”. Ortiz, segundo Barreto, era um paulista de alta linhagem, nascido na Vila da Ilha de S�o Sebasti�o, descendente de uma das principais fam�lias de S�o Paulo.
No livro, Waldemar criticava a divisa da Fazenda do Cerrado, descrita pelo fundador do MhAB da seguinte forma: “Come�a a sua data (por��o) do p� do Serro das Congonhas at� Lagoinha, estrada que vai para os currais da Bahia”. Ele escreveu que “o termo ‘Lagoinha’ impressionou Barreto; ele imaginou logo tratar-se do atual bairro Lagoinha. O engano � infantil. O voc�bulo Lagoinha era comun�ssimo; al�m disso, o mais ligeiro exame da planta da capital mostra a impossibilidade de o bairro da Lagoinha ter qualquer liga��o com a Sesmaria do Cercado. A Lagoinha situa-se perto do Centro da cidade e tem, separando-a dos terrenos da antiga Fazenda do Cercado, o Barro Preto e o Calafate”.
E mais escreveu Waldemar: “Se a Lagoinha fosse a divisa da Sesmaria do Cercado, o centro do Arraial de Curral del Rei, isto �, o Largo da Matriz (Catedral), estaria completamente fora dos terrenos do Cercado. Barreto n�o pensou bem nessa hip�tese. Se a Lagoinha fosse divisa da sesmaria, o arraial estaria totalmente fora das divisas daquela fazenda”.
Origens
Trabalhando desde 1993 no museu, C�lia Regina considera oportuna a discuss�o sobre as origens da capital, que, dentro de duas semanas, completar� 114 anos. “Nessa hist�ria, fico com a vers�o do artista pl�stico e colecionador Raul Tassini, morto em 1992, que valorizava as v�rias origens de Belo Horizonte. � preciso destacar que, para Ab�lio Barreto, a hist�ria s� tinha valor com documentos”, revela a pesquisadora, ao mostrar na reserva t�cnica outros quadros sobre Curral del Rei – Paisagem do Arraial de Belo Horizonte, de 1894, pintado por Hon�rio Esteves, e Rua do Sabar�, do mesmo ano e de autoria de �mile Rou�de. A Rua do Sabar� seria pr�xima ao Largo da Matriz.
No texto “O primeiro possuidor e povoador das terras de Belo Horizonte”, publicado na Revista do Instituto Hist�rico e Geogr�fico de Minas Gerais, Barreto escreveu que o bandeirante Jo�o Leite da Silva Ortiz teria ficado “impressionado pelos aspectos atraentes da Serra das Congonhas e suas encostas. Prevendo, talvez, encontrar a� boas faisqueiras e ouro, prolongou-as e, a certa altura, descobrindo bela situa��o com �timas terras de cultura, boas aguadas e magn�ficos postos para cria��o, deles se apossou, fixando-se definitivamente com numerosa escravatura nesse lugar, onde estabeleceu fazenda, a que denominou Areado, parte do mesmo solo em que est� assentada a cidade de Belo Horizonte (…). Certo � que, por volta de 1707, j� o arraial de Curral d’El Rey existia em terras de Ortiz, onde este enriquecia, com os produtos de sua fazenda de cria��o, planta��es e outros neg�cios com os mineradores”.
Na Regi�o Leste, h� uma longa estrutura de pedras que pode remeter aos primeiros tempos do arraial. Trata-se de um muro ainda desconhecido da maioria dos belo-horizontinos, mas que, pela import�ncia, ganha aten��o das autoridades. O Conselho Deliberativo do Patrim�nio Cultural Municipal abriu o processo de tombamento das chamadas “muralhas de BH”, no limite com Sabar� e Nova Lima. A partir dessa medida, a equipe da diretoria de Patrim�nio Cultural, da Funda��o Municipal de Cultura (FMC), iniciou os estudos necess�rios para garantir o tombamento definitivo. A abertura do processo j� representa uma salvaguarda para os vest�gios arqueol�gicos, dizem os especialistas.
Linha do tempo
1701 –Jo�o Leite da Silva Ortiz chega � Serra das Congonhas, atual Serra do Curral
1709 – O portugu�s Francisco Homem del Rei chega � col�nia e se fixa nas terras que deram origem � capital
1711 – Em 19 de janeiro, o rei de Portugal, em carta de sesmaria, concede a Ortiz o terreno da Fazenda do Cercado
1714 – Em 6 de abril, o Arraial de Curral del Rei passa a pertencer � Comarca do Rio das Velhas, mais tarde Comarca de Sabar�
1723 –A Capela de Nossa Senhora da Boa Viagem est� pronta e Curral del Rei j� � freguesia elevada a filial da par�quia de Sabar�
1844 – Tr�s companhias da Guarda Nacional, com sede na Comarca de Sabar�, s�o criadas no Arraial de Curral del Rei
1845 – Francisco de Souza Menezes monta a primeira fundi��o de ferro e bronze no arraial
1867 – O norte-americano Melon, que se estabeleceu na Gameleira, traz para o arraial o primeiro arado
1890 – Em 12 de abril, Curral del Rei se torna Arraial de Belo Horizonte, pelo decreto nº 36, do presidente Jo�o Pinheiro da Silva
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