A popular “barriga de cerveja” pode até render piadas e ser associada a uma vida despreocupada, mas o acúmulo de gordura na região abdominal está longe de ser inofensivo. Segundo Lucas Nacif, cirurgião gastrointestinal e membro titular do Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva (CBCD), esse volume abdominal está ligado à gordura visceral, um tipo mais profundo e perigoso do que a gordura subcutânea, que se acumula logo abaixo da pele.
“Esse tipo de gordura se aloja entre órgãos como fígado, intestino e pâncreas, e por estar nessa localização, é metabolicamente ativa. Ela interfere no funcionamento do organismo, aumenta processos inflamatórios e favorece a resistência à insulina”, explica Lucas.
Além dos riscos já conhecidos, como diabetes tipo 2, hipertensão e alterações hormonais, o excesso de gordura visceral também compromete a saúde digestiva. De acordo com o cirurgião, ela está relacionada ao surgimento e agravamento de condições como esteatose hepática (fígado gorduroso), refluxo gastroesofágico, pancreatites, distensão abdominal e alterações intestinais.
“Na prática cirúrgica, temos visto um número crescente de pacientes com doenças do aparelho digestivo como esteatose avançada, refluxo severo e pancreatites recorrentes. Em muitos desses casos, a raiz do problema está no acúmulo crônico de gordura visceral. É um quadro silencioso, progressivo e frequentemente subestimado”, alerta.
Leia Mais
Ainda segundo o especialista, muitas vezes, exames de imagem solicitados por outros motivos já mostram sinais como infiltração gordurosa no fígado, dilatação do estômago ou compressões intestinais. “O paciente pode não apresentar sintomas aparentes e, por isso, demora a buscar ajuda médica. Quando percebe, o quadro já evoluiu”, explica.
Em alguns casos, no entanto, sinais como sensação constante de estufamento, má digestão, queimação, azia ou dores abdominais difusas podem surgir e indicar alterações no funcionamento dos órgãos digestivos. Esses sintomas costumam ser atribuídos a causas pontuais, mas podem refletir uma inflamação sistêmica causada pelo excesso de gordura visceral.
E o consumo de álcool?
Apesar da fama da “barriga de cerveja”, o álcool não é o único culpado. O problema também está no déficit calórico crônico positivo ou seja, o consumo de calorias muito superior ao gasto diário geralmente associado a fatores como consumo excessivo de carboidratos simples, alimentação inflamatória (ultraprocessados, gorduras trans), baixo nível de atividade física, sono de má qualidade e estresse crônico. “O álcool piora o quadro porque prejudica a função do fígado, favorece o acúmulo de gordura nele e estimula o armazenamento de gordura abdominal”, reforça o especialista.
Para Lucas Nacif, hábitos simples e consistentes são essenciais para prevenir a chamada barriga de cerveja. A prática regular de atividades físicas como caminhadas, musculação e treinos funcionais aliada a uma alimentação equilibrada, rica em fibras, proteínas magras e vegetais, é fundamental para controlar a gordura visceral.
Também é importante evitar o consumo de bebidas alcoólicas, manter uma boa qualidade do sono, controlar o estresse e realizar exames periódicos para acompanhar a saúde digestiva e metabólica. “Não se trata apenas de estética. O aumento do volume abdominal pode ser o primeiro sinal de um processo inflamatório crônico sistêmico que afeta diretamente o aparelho digestivo. Por isso, diagnóstico e intervenção precoce fazem toda a diferença.”
O especialista também recomenda que pacientes com predisposição ao acúmulo abdominal façam acompanhamento clínico regular, exames de imagem, avaliações hepáticas e laboratoriais, além de adotar mudanças progressivas, porém consistentes, no estilo de vida.