O Brasil é conhecido mundialmente por suas altas taxas de cesárea. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a taxa ideal de cesarianas deveria estar entre 10% e 15% dos partos. No entanto, dados do Ministério da Saúde apontam que, na rede privada brasileira, esse percentual ultrapassa os 80%.

“Ainda que a cesárea seja um procedimento essencial em algumas situações clínicas, seu uso excessivo tem levantado preocupações quanto à segurança materno-infantil. Mulheres submetidas à cesárea sem indicação médica têm maior risco de complicações como infecções, hemorragias, tromboses e dificuldades em futuras gestações. Por outro lado, o parto vaginal espontâneo, quando bem assistido, proporciona benefícios como menor tempo de internação, recuperação mais rápida, menor exposição a fármacos e melhor colonização da microbiota do bebê”, explica o ginecologista e obstetra, mestre e doutor em Tocoginecologia pela UNICAMP, Nélio Veiga Junior.

“É preciso desmistificar a ideia de que a cesárea é sempre a opção mais segura. Em muitos casos, ela é escolhida por medo do parto normal, falta de informação ou pela cultura hospitalar intervencionista. Precisamos garantir autonomia às gestantes e incentivar o conhecimento e escuta ativa", afirma o médico.

Segundo a OMS, há situações em que a cesárea é realmente necessária: descolamento prematuro de placenta (quando a placenta se desprende precocemente levando à sangramento intenso e sofrimento fetal); sofrimento fetal agudo; placenta prévia (placenta localizada acima do colo do útero, impedindo a saída segura do bebê pelo canal vaginal); apresentação transversa persistente, entre outras condições que colocam em risco a saúde da mãe ou do bebê. “Nessas circunstâncias, a cesárea é a via mais segura para garantir a sobrevivência e o bem-estar de ambos”, comenta o médico.

Exceto em indicações absolutas de parto cesárea e urgências obstétricas, o especialista recomenda, sempre que possível, aguardar o início espontâneo do trabalho de parto. “Isso porque entrar em trabalho de parto prepara fisiologicamente o bebê para nascer. Ao entrar em trabalho de parto, há a liberação hormonal da mãe e um dos principais hormônios envolvidos é a ocitocina, conhecida como o ‘hormônio do amor’. Produzida naturalmente pelo organismo materno, a ocitocina tem papel essencial nas contrações uterinas, auxiliando no trabalho de parto e garantindo a progressão adequada para a expulsão do bebê. Além disso, essa substância é determinante para a criação do vínculo entre mãe e filho. Pesquisas demonstram que a liberação de ocitocina durante o parto facilita a interação afetiva, promovendo maior envolvimento emocional e fortalecendo o instinto materno”, explica o médico.

“Além disso, o bebê libera cortisol como resposta ao estresse das contrações, o que contribui para a maturação dos pulmões e pode auxiliar na adaptação à vida extrauterina. A liberação de cortisol é um processo fisiológico natural e importante para o desenvolvimento do bebê”, comenta Nélio.

Políticas públicas de saúde, pré-natal adequado e iniciativas de protocolos de parto humanizado que incentivem o parto normal devem, segundo o médico, ser estimuladas para reduzir o número de cesáreas desnecessárias no SUS.

"Contudo, ainda há muito a ser feito para mudar a mentalidade também na rede privada. Garantir que as mulheres tenham acesso a informações de qualidade, apoio de equipes capacitadas e um ambiente hospitalar que favoreça o parto normal é essencial para reverter esse cenário e promover um início de vida mais saudável para milhares de recém-nascidos brasileiros”, reforça o ginecologista.

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