Médico nutrólogo, Durval Ribas Filho é presidente da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran) e, no fim de setembro, presidiu o 29º Congresso Brasileiro de Nutrologia (CBN 2025), em São Paulo. Ele é um especialista na área e Fellow da The Obesity Society (EUA). Em entrevista ao jornal Estado de Minas, ele fala sobre a importância do congresso, da evolução nos tratamentos e como está a situação dos brasileiros quanto aos quadros de sobrepeso e obesidade. Veja a seguir: 

Como foi o  congresso deste ano com relação aos anteriores? O que que evoluiu e o que foi mais discutido?

O congresso deste ano efetivamente teve uma evolução, não somente em termos de número de participantes, provavelmente um aumento de 15% no número de inscritos. Houve um aumento de trabalhos científicos que foram apresentados por diferentes instituições educacionais do Brasil e da América Latina. Foram mais de 400 trabalhos (papers).

Outra evolução foi no aspecto visual, na divulgação pela mídia. O que observamos é que as canetas emagrecedoras estão no auge, além de novas moléculas, que estão vindo. Essas novas moléculas já, de certa forma, despertaram uma boa perspectiva em termos de futuro.

Os participantes, vieram, portanto, entender, não somente o presente, mas principalmente a terapia farmacológica antiobesidade futura com essas novas moléculas que estão vindo. Existem os agonistas incretínicos, esses hormônios que são liberados no intestino quando você ingere um determinado alimento. Um se chama GLP-1, o outro se chama GIP. E agora tem um outro, o glucagon.

Se em um primeiro momento, esses medicamentos eram monoagonistas, porque liberavam só um hormônio, depois passaram a ser biagonistas, liberando dois hormônios, o GEP-1 e o GEP. E, agora sim, vai vir o triagonista que envolve o GEP1, GEP e o glucagon - a retatrutida. 

Há outros que, na verdade, estão associando o GLP-1 com o glucagon. Eles são biagonistas, mas são hormônios diferentes, que ainda nunca foram associados. Então, a expectativa é o aumento da dose desses que já existem. 

Isso quer dizer que o congresso está trazendo esses novos estudos com esses novos agentes que, na verdade, já existem com dosagens diferentes e, logicamente, os próximos que vão ser lançados no mercado internacional, no mercado mundial. Esse é um foco. Agora, logicamente, existem outros aspectos importantíssimos, já que a nutrologia é de A a Z.

Temos na área do esporte os suplementos relacionados à atividade esportiva que envolve, por exemplo, a creatina, a efedrina, a cafeína etc, uma série de ergogênicos, além de muitas associações que  parecem ter efeitos benéficos muito grandes com relação à geração de energia.

Outro aspecto é a perda da massa magra. Todo mundo que perde peso com ou sem medicamentos perde massa magra. Não é só com as canetas emagrecedoras. Então, concomitantemente, observa-se que há uma junção, por exemplo, desses agentes farmacológicos com o Saxenda, Wegovy, Ozempic, Monjaro, junto com suplementos que melhoram a massa magra, que não deixam com que isso efetivamente aconteça.

O brasileiro está preparado para dar conta dessa maratona de remédios e tratamentos ou não seria melhor talvez fazer uma campanha reforçando a tríade comer bem, fazer atividade física e dormir bem. Não seria melhor?

Quem fala que é fácil perder peso também fala que é fácil parar de fumar, mas o fato é que nosso organismo não foi feito para perder peso. Desde a época do homem das cavernas. Nós sempre fomos direcionados geneticamente para reter energia.

E a partir do momento em que o meio ambiente mudou, fornecendo energia à vontade e diminuímos o gasto energético, criou-se a somatória perfeita para estocarmos energia. Acontece que nós temos um sistema cujo nome pode ser meio complexo, sistema nutroneurometabólico de homeostase energética.

O sistema de energia, energia que entra e energia que sai tem que estar em homeostase, em equilíbrio. Mas a partir do momento que você desequilibra esse sistema, infelizmente é para o resto da vida.

Então a partir do momento que você tem, vou fazer uma analogia grosseira, uma arma e aí tem na ponta uma bala, se você achou no gatilho a bala sai e não volta mais. Então a partir do momento que essa expressão genética saiu, se expressou no caso da obesidade, é irreversível.

Assim como a partir do momento que eu tenho uma tendência genética a desenvolver diabetes e, de repente, pelo próprio meio ambiente, estou ingerindo muito açúcar, comendo muito doce, não faço atividade física, estou muito estressado, liberando muito cortisol. Bom, eu vou desenvolver diabetes. Ou seja, a expressão genética se manifesta para sempre.

E o tratamento é crônico. Na obesidade é a mesma coisa. O que acontece é que qual é a prevalência, por exemplo, de diabetes no mundo? 8%, 9% da população, dependendo do país. Qual é a prevalência de obesidade no mundo? 25% a 35%, dependendo do país.

O que temos é um contingente de obesos muito superior, muito maior do que um contingente de diabéticos. Por isso, esses medicamentos inicialmente eram para o tratamento de diabetes. Mas aí descobriram que essas pessoas, além de melhorar o diabetes, perdiam peso. Aí o que que é mais importante: 8% ou 30%? 30%. Então vamos investir no combate à obesidade. Isso vai ao encontro da sua pergunta. Com certeza é preocupante.

Porque não existe nenhum milagre, nenhum remédio que é milagroso. Também não existe medicamento que não tenha efeito colateral. O problema é que, de repente, a amiga, a vizinha, a cunhada começou a fornecer a injeção dela para o outro e para o outro.

A sorte é que a partir de junho a Anvisa exige a prescrição, sendo que ela fica retida na farmácia. Mas ninguém trata doença crônica com monofarmacoterapia. Ninguém trata diabetes com uma sua classe única de medicamentos.

Ninguém vai tratar obesidade só com as tais canetas. Tanto é que comentei: você perde peso, mas, opa, também pede massa magra. Além disso, quantas e quantas pessoas têm fome e compulsão? Ficam tensas, nervosas, estressadas, e procuram mais comida.

Esses pacientes não podem simplesmente ser tratados somente com as canetas. Você tem que dar um medicamento que melhore os níveis de neurotransmissores, por exemplo, da serotonina. Mas ele também perde massa magra. É um outro medicamento. Mas ele também tem diabetes. É um outro medicamento. Ah, ele tem tendência a ter doenças cardiovasculares. É um outro medicamento. Não há  dúvidas de que  a banalização é grave, porque com certeza é um passando medicamento para outro. Certamente, lá na frente vai ter repercussão negativa. 

Então, qual é o maior erro desses pacientes? 

Todos nós procuramos a dieta mágica, a atividade física mágica e o medicamento mágico. E também a cirurgia mágica, que não existe. Quantos pacientes foram submetidos à cirurgia bariátrica que retornaram a ganhar peso? Muitos, não é? É importante destacar que a obesidade é uma doença crônica, que requer tratamento crônico.

Só que a obesidade não vem sozinha; ela vem com morbidades associadas. Mais de 250 morbidades já foram descritas, associadas a essa condição. Eu sei que a gente só fala de hipertensão, colesterol, ácido úrico, problema na coluna, mas por que estou falando isso? Porque o tiro pode sair pela culatra. Você está tratando só o alvo, mas existe todo o resto. A boa notícia é que, a partir de junho deste ano, os médicos agora tem que prescrever os medicamentos e a receita fica retida nas farmácias. 

Até hoje, nenhum país do mundo conseguiu políticas públicas que efetivamente pudessem favorecer para que não houvesse o crescimento do sobrepeso e da obesidade em todos os níveis. Um ou outro local, uma escola aqui e outra ali conseguem bons resultados, mas muito isoladamente.

Evidentemente, que tudo teria que começar na escola. Mas, por incrível que pareça, já tem que começar com a gestante, a mamãe quando engravida. O que se vê é que muitas gestantes engordam mais de 20kg, o que já favorece o sobrepeso do bebê, para o resto da vida.

Mas aí vem as crianças, né? Aí vem a escola e consequentemente a cantina. Mas se não bastasse isso, vivemos em um ambiente obesogênico. Vou dar um exemplo simples. Uma cidade de 100 mil habitantes. Tem uma escola na periferia. Muitas famílias menos favorecidas optam por deixar a criança numa escola para que ela se alimente lá. Com o tempo, a cidade cresce, as condições de vida melhoram. A criança almoça na escola, chega em casa e almoça de novo. Então, veja, a individualização é muito complicada, é muito complexa, por isso nenhum país consegue resolver. 

Se nós observarmos aqui no Brasil, hoje, em qualquer cidade, tem rodízio: rodízio de pizza, rodízio de lanche, rodízios e mais rodízios. Então, a nossa ingesta alimentar está sendo muito maior do que o gasto calórico. 

A obesidade é uma pandemia mundial, é uma doença crônica, que está inserida numa pirâmide. A base dessa pirâmide significa dieta, plano alimentar, atividade física, mudanças cognitivas, mudanças comportamentais, o sono, o não estresse. Tudo isso junto não resolveu o problema. Aí você sobe um patamar, que são os medicamentos.

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