Uma bolinha vermelha no canto interno do olho chamou a atenção do operador de máquinas Lucas Soares da Silva, de 28 anos. Morador de Mauá (SP), ele buscou atendimento médico e após alguns exames o diagnóstico foi de um tumor.
Para conter o avanço do câncer, ele passou por uma cirurgia. No entanto, três anos mais tarde os sinais voltaram a aparecer.
"Fiz novamente uma raspagem para a retirada do tumor. Mas ele sempre voltava. Entre 2014 e 2020 fiz quatro cirurgias", recorda Lucas.
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"Foi um choque saber que eu perderia parte da visão. Além de tirar o olho, foi necessário fazer uma limpeza em toda a área em volta onde tinham células de câncer. Assim eu acabei perdendo parte da pálpebra também", conta.
Lucas recorda que enfrentou diversas complicações médicas devido à cirurgia e que, em um primeiro momento, a questão estética não o afetou. Porém, sempre que saia de casa ele era alvo de olhares curiosos e até mesmo preconceituosos.
"Eu comecei a usar um tapa olho igual ao de pirata ou um tampão daqueles usados em cirurgia para não ficar tão evidente que eu não tinha um olho, mas as pessoas sempre ficavam me olhando", diz.
No ano passado, Lucas começou a procurar por próteses que pudessem melhorar sua aparência, no entanto, por custar em torno de R$15 mil, ele desistiu da compra por não ter condições financeiras de arcar com esse custo.
Foi então que, durante uma pesquisa na internet, ele conheceu o Instituto Mais Identidade, organização sem fins lucrativos que oferece próteses gratuitas a pacientes que enfrentam algum tipo de câncer na região do rosto e pescoço.
"Mandei mensagem para eles na página do Instagram, sem esperança, mas logo me retornaram. Em agosto minha prótese chegou. Ela é muito fácil de colocar, é só colar com uma espécie de adesivo próprio para ela. Hoje ando na rua e ninguém mais percebe que não tenho um olho", diz.
Assim como Lucas, o funcionário público Emerson Aparecido da Silva, de 52 anos, também enfrentou um tumor no rosto que o deixou com sequelas. Em janeiro de 2023 ele foi diagnosticado com um câncer de pele e precisou passar por uma cirurgia no nariz para a retirada do tumor.
"Começou com uma ferida semelhante a uma espinha que surgiu na ponta do nariz. Num primeiro momento, o médico indicou a drenagem na área, mas após alguns exames e consultas em outros profissionais fui diagnosticado com câncer e recebi a indicação cirúrgica", recorda.
Dois meses depois do diagnóstico, Emerson fez a retirada do tumor e perdeu grande parte da pele do nariz. Situação que mexeu com seu psicológico.
"Eu não aceitava a perda do nariz, a cirurgia não mexeu apenas com a minha face, mas com meu emocional. Eu me isolei e evitei ter contato com as pessoas", recorda.
A situação mudou quando Emerson foi encaminhado para o Instituto Mais Identidade, que confeccionou sua prótese facial. Como as estruturas ósseas da face de Emerson foram preservadas, ele recebeu uma prótese que se encaixa na região do nariz.
"Após eu saber que poderia usar uma prótese, passei a enxergar o problema de outra maneira. Retomei o convívio social, voltei ao trabalho e passei a ter mais convívio com a minha família", diz.
Próteses são oferecidas gratuitamente
As próteses do Lucas e do Emerson foram produzidas pelo Instituto Mais Identidade, de São Paulo, usando tecnologia de uma impressora 3D e um aparelho celular. Mais acessíveis, personalizadas e com menor tempo de produção, elas são oferecidas gratuitamente a pacientes que passaram por tratamento contra o câncer na região da cabeça e pescoço e também para pessoas com algum tipo de deficiência nessa área do corpo.
Ao contrário das próteses tradicionais, que exigem longos processos de moldagem, altos custos e ajustes manuais, as versões feitas em impressoras 3D podem ser desenvolvidas a partir de imagens digitais feitas com câmeras de smartphones, reduzindo o tempo de espera de meses para semanas ou até mesmo dias.
"Já tivemos casos em que a prótese ficou pronta em três dias. Esse é o que chamamos de casos especiais, que são quando os pacientes são de outros Estados e damos prioridade máxima para que ele possa retornar para a sua casa o mais breve possível", conta Luciano Dib, cirurgião bucomaxilofacial e diretor do instituto.
O processo de confecção da prótese funciona da seguinte forma: o rosto do paciente é registrado por meio de fotografias digitais, que são transformadas em modelos tridimensionais realistas. A área afetada é recriada com o auxílio de softwares que permitem o planejamento preciso da prótese. Em seguida, a peça é produzida em resina em uma impressora 3D e esse molde é testado no paciente para ver se há a necessidade de alguma adequação.
Na sequência, com o molde aprovado, ele é encaminhado para a confecção da prótese que é feita manualmente em silicone e recebe as características individuais de cada paciente, como cor da pele e outros detalhes.
Esse tipo de prótese pode ser colocada de duas maneiras. A primeira, e mais simples, é através de adesivos que "colam" a prótese ao rosto do paciente com um adesivo próprio para a pele. Já a segunda, é através de magnetos. Nesse modelo é necessário que o paciente faça uma cirurgia para a implantação de pinos de titânio na região do rosto onde a prótese vai se encaixar.
"A escolha da prótese depende de cada paciente e se a estrutura óssea da face foi preservada após a remoção do tumor. Em muitos casos, parte dessa estrutura também fica comprometida, o que faz com que a prótese indicada seja a autocolante", explica Dib.
Além de reduzir custos de produção em até 50% em comparação com próteses convencionais, que podem chegar a custar até 50 mil, o método usando impressora 3D também encurta o tempo de preparação da prótese, acelerando o retorno do paciente à vida social.
"Receber um diagnóstico de câncer nunca é fácil porque ele está relacionado ao tratamento que normalmente é bastante invasivo. Quando o tumor está no rosto há perdas de funcionalidades e isso afeta ainda mais o psicológico dos pacientes e traz consigo a dificuldade de lidar com o espelho. Assim, esses pacientes vão encontrando maneiras de se camuflar com o uso de máscaras e óculos escuros para não serem notados na sociedade. E a prótese vem para amenizar essa perda com o objetivo de fazer a reintegração social", analisa Nicolas Cohen, psicólogo do instituto.
Nos últimos dois anos, segundo Dib, mais de cem pacientes já foram atendidos com essa metodologia 3D e receberam as próteses. Esses pacientes são encaminhados para hospitais que fazem o tratamento contra o câncer ou também chegam por meios próprios, como o caso do Lucas.
Antes de ganharem a prótese, todos os pacientes passam por uma triagem e também recebem acompanhamento com uma equipe multidisciplinar com cirurgiões-dentistas, fonoaudiólogos, nutricionistas, psicólogos e assistentes sociais.
"Muita gente acha que receber o diagnóstico de cura do câncer é o ponto final do tratamento, mas não é bem assim. Os pacientes que ficam com sequelas no rosto muitas vezes não conseguem retomar à sua vida e é isso que buscamos mudar. Queremos reinserir essas pessoas à sociedade. Hoje temos uma fila de espera de 90 pessoas aguardando próteses. Estamos buscando ampliar nossas parcerias com empresas privadas para aumentar a capacidade de atendimento", acrescenta Dib.
Estimativa do Instituto Nacional do Câncer (Inca) aponta que em 2025, surjam 39.550 novos casos de câncer de cabeça e pescoço, incluindo nesta soma os cânceres de cavidade oral, tireoide e laringe. Se somarmos o câncer de pele melanoma, que também atinge a região da cabeça e pescoço, o número sobe para 48.530 novos casos.
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