COP30 em Belém

Bicharada ou vergonha? Tradição paraense rastejante expõe choque cultural

Enquanto paraenses defendem a centenária manifestação ribeirinha como grito pela Amazônia, perfis mineiros ironizam performance como vexame

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No coração da COP30, a conferência da ONU sobre mudanças climáticas sediada em Belém do Pará, uma tradição centenária da região amazônica virou palco de um embate nas redes sociais. A apresentação do Cordão da Bicharada do Vale de Juaba, manifestação cultural que reúne crianças e adultos da cidade de Cametá fantasiados como animais da floresta para exaltar a biodiversidade e denunciar sua destruição, foi aplaudida por uns como símbolo de resistência e identidade local. Para outros, no entanto, tratou-se de um "espetáculo de circo" que envergonha o Brasil no cenário internacional. A controvérsia, alimentada por postagens virais no Instagram, expõe tensões entre o orgulho regional e visões mais críticas vindas de fora da Amazônia.

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A Bicharada do Juaba, uma das expressões mais vivas da cultura paraense, remonta à década de 1970 e faz parte do vasto repertório de manifestações folclóricas do Pará, como o Círio de Nazaré e o Boi-Bumbá. Nela, os participantes – muitos deles artesãos da comunidade ribeirinha de Juaba – criam manualmente fantasias de animais como onças, tatus e curupiras, rastejando pelo chão em uma performance que simula o ciclo da vida na selva.

Na abertura da COP30, na "Green Zone" dedicada à sociedade civil, o grupo se apresentou como forma de inserir a voz indígena e ribeirinha no debate global sobre o clima, conectando tradição à urgência ambiental. "É uma forma de mostrar ao mundo que a Amazônia não é só números e gráficos, mas gente viva, com raízes profundas", explica o historiador cultural paraense João Bosco, consultado pela reportagem.

Essência da Amazônia

O primeiro sinal de revolta veio de perfis locais engajados na defesa da cultura amazônica. No reel postado pelo perfil @estadodoparaonline, com mais de 50 mil visualizações em menos de 24 horas, a narrativa é clara: a tradição foi vítima de fake news veiculada por um veículo de imprensa de Brasília. "A apresentação do Cordão da Bicharada da Vila de Juaba, de Cametá, foi classificada como 'atores vestidos de animais rastejando pela Green Zone', na COP30", denuncia o post, acompanhado de imagens vibrantes da performance, com fantasias coloridas e o som de tambores ecoando. 

O texto prossegue destacando a essência comunitária: "O Cordão da Bicharada do Vale de Juaba é composto por crianças e adultos da comunidade, que confeccionam manualmente as fantasias representando os animais da Amazônia, em uma forma de valorizar a floresta e denunciar a destruição dela". Hashtags como #manifestação #cultura #fakenews reforçam o tom de indignação, posicionando a Bicharada como patrimônio imaterial ameaçado não só pelo desmatamento, mas pela incompreensão midiática.

Brasil sedia a COP30 e decide o futuro da energia no mundo

Ecoando essa defesa, o influenciador paraense Victor Cassiano, do perfil @victorcassiano, publicou um vídeo emotivo que contrapõe a crítica à essência da tradição. "A Bicharada do Juaba não é encenação, é tradição. Há mais de 50 anos, crianças e jovens de Cametá transformam a arte em defesa da Amazônia e do respeito à natureza", afirma o texto do reel, que intercala cenas da apresentação na COP30 com depoimentos de participantes.

Cassiano rebate diretamente as acusações de "cena constrangedora": "O que alguns chamaram de 'cena constrangedora' é, na verdade, orgulho e resistência cultural de um povo que ensina o mundo a valorizar suas raízes". Com hashtags como #BicharadaDoJuaba #CametáNaCOP30 #CulturaÉResistência #AmazôniaViva, o post acumula milhares de curtidas e comentários de apoio, muitos de ativistas indígenas que veem na performance uma ponte entre o folclore e a agenda climática. "É o Pará mostrando sua cara no mundo, sem filtros", escreveu uma seguidora.


Choque cultural

Em contraste gritante, surge a visão do perfis mineiro osetelagoano, ligado à região de Setelagoas e vertornortenoticias, de Lagoa Santa, em Minas Gerais, que adota um tom satírico e ácido para desqualificar a apresentação. O reel, postado como parte de uma série sobre "eventos culturais", descreve a cena como "uma ópera-bufa" orquestrada pelo governo federal. "Enquanto o mundo finge debater o futuro do planeta em Belém, o governo Lula oferece ao distinto público um espetáculo de circo. Na tarde de segunda-feira, a chamada 'Green Zone' da COP30 [...] foi palco de uma cena que resume a ópera-bufa: atores, fantasiados de animais da fauna nacional, rastejando pelo chão", ironiza o texto, com imagens editadas da performance sobrepostas a memes de palhaços e circos. 

A crítica vai além: "A justificativa oficial para a performance pífia? 'Exaltar a biodiversidade'. O resultado real? Vexame e constrangimento em escala global". O post acusa a exibição de ser "uma peça de propaganda governamental mal ensaiada", questionando sua eficácia: "Quem, em sã consciência, acredita que uma onça-pintada de carpete e um tatu-bola de isopor rastejando por um pavilhão convencerão as nações a cortar emissões de carbono?". Hashtags regionais como #CulturaMineira e #EventosSetelagoas parecem deslocadas, sugerindo uma perspectiva externa que prioriza o "bom senso" sulista sobre a diversidade amazônica.

Essa polarização nas redes reflete um debate mais amplo na COP30: como integrar culturas locais a um fórum global sem cair em estereótipos ou mal-entendidos? Para o antropólogo Ronaldo Pereira, da Universidade Federal do Pará (UFPA), "a Bicharada não é 'infantil' ou 'patética'; é uma pedagogia viva da ecologia, onde o corpo e a terra se encontram". Já críticos como o perfil mineiro argumentam que, em meio a negociações bilionárias, tais performances diluem a seriedade do evento. Até o momento, a organização da COP30 não se pronunciou sobre a polêmica, mas fontes próximas afirmam que a inclusão de manifestações culturais como a Bicharada visa exatamente humanizar o clima, transformando dados abstratos em narrativas palpáveis.

Regionalismo

A crítica dos perfis de Minas à cultura do Pará mostra o desconhecimento da cultura da Amazônia. São manifestações culturais da região Norte como as festas de Congado, Marujada e Folia de Reis, tradicionais em toda Minas Gerais e no Centro-Oeste do Brasil. Aos olhos dos forasteiros, os congadeiros, com suas roupas de fitas coloridas, terços e tambores, podem provocar estranhamento para quem vem de fora. Mas para os mineiros, são festas religiosas, tombadas e reconhecidas como patrimônios culturais nacionais.

Enquanto Belém pulsa com ritmos ancestrais, a Bicharada do Juaba segue como lembrete: na luta pela Amazônia, a tradição não rasteja – ela avança, mesmo sob olhares divididos. A conferência prossegue até o dia 21/11, e o mundo assiste: será que o orgulho paraense ecoará mais alto que as risadas distantes?

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