
No busca e rebusca desses meses e meses dentro de casa, acabei descobrindo um texto escrito por Memmo Biadi em 3 de fevereiro de 2001, que os leitores v�o gostar de ler. O t�tulo que ele deu a seu escrito � o que est� na coluna.
“Do terra�o do meu apartamento, vejo toda a cidade, moro no Alto da Serra/S�o Lucas. Em frente, h� um quarteir�o de uns 7 mil metros quadrados, cercado por �rvores e bambus que lhe servem de moldura e tamb�m como abrigo a v�rias esp�cies de p�ssaros. Uma paineira com suas flores cor-de-rosa d� um toque nost�lgico ao conjunto, com a cidade a seus p�s. Sa�ras de v�rias cores, bem-te-vis, p�ssaros-pretos visitam a minha varanda, onde, em vasos, plantei ervas arom�ticas, favas e maracuj�s que se enrodilham nas grades, pendoando seus frutos. Um p� de uva promete um parreiral.
Deixo em pontos estrat�gicos peda�os de bolo caseiro, mam�o, banana, alpiste e arroz com casca: os p�ssaros se alimentam disso. Com o passar dos anos, foram ficando mais mansos, se acostumando com a minha presen�a. Os bem-te-vis, com seus gritos caracter�sticos, s�o os primeiros a chegar, pousam nas grades da varanda e v�o cantando uns para os outros, comem insetos e o bolo caseiro. P�ssaros-pretos preferem arroz com casca; as sa�ras, tico-ticos, assanha�os e outros comem as frutas e o alpiste.
E assim foram se passando os anos, a bem da verdade, 32, sendo acordado todas as manh�s pelo canto do bem-te-vi. Ultimamente, havia um mais parrudo, com seu peito amarelo e cabe�a com listas brancas que lhe conferiam um olhar quase felino, que me deixava chegar bem perto dele, a uns dois metros; ele j� fazia parte do meu dia a dia, sabia que estaria l�.
Sabia tamb�m que um dia perderia parte da vista da cidade, sabia do projeto antigo de umas torres de apartamentos que seriam erguidas no terreno, o que achava normal. Um terreno com uma vista dessas n�o poderia deixar de ser aproveitado, n�o sou contra o crescimento de ningu�m, quem mora em cidade grande tem que se acostumar com isso.
A� veio o lan�amento dos pr�dios, em pouco tempo tudo vendido, �timo. Acredito que as pessoas que visitaram o estande de vendas tenham se encantado com a paisagem do lugar, o bambuzal, as �rvores contornando o terreno e, na esquina, apontando para a cidade, a paineira, linda, florida, sadia, parecendo um cart�o-postal, muitos casais devem ter tirado fotos em frente � �rvore, com a cidade ao fundo.
Ent�o, numa manh�, em vez dos bem-te-vis, acordei com um zumbido estranho, como se fossem milhares de abelhas. Cheguei na janela a tempo de ver a paineira tombando, impotente, e incr�dulo fiquei assistindo � sanha de v�rias pessoas armadas de motosserras derrubando tudo o que encontravam pela frente. Eucaliptos, bambus, flamboai�s e dezenas de outras �rvores iam caindo, uma depois da outra.
Na sanha da derrubada, nem se davam ao trabalho de recolher os galhos que ca�am na rua, atrapalhando o tr�nsito. Talvez n�o tivessem tempo, eram muitas �rvores para derrubar antes que algum fiscal da prefeitura se desse conta.
Tudo foi derrubado em um dia, n�o restou nada de p�. Minto: restou a estrutura da caixa d’�gua, seis pe�as de eucalipto fazendo o jirau de uns oito metros de altura com seis caixas Eternit por cima, uma coisa horrorosa que at� ent�o n�o tinha visto gra�as aos bambus que a escondiam.
No dia seguinte, as motosserras fatiaram todas as �rvores. Foram colocando os peda�os em caminh�es. Hoje, a �nica �rvore fatiada que continua no terreno � um eucalipto de uns 70cm de di�metro.
Como disse anteriormente, n�o sou contra o progresso, n�o sou contra as torres, tive o privil�gio de ver, l� do alto, a cidade crescer – e como cresceu nesses 32 anos. S� n�o entendo o porqu� da devasta��o, pois n�o havia nenhuma �rvore no meio do terreno que pudesse atrapalhar a constru��o, apenas em volta.
S� sei que os p�ssaros sumiram, inclusive o bem-te-vi parrudo, o que me faz lembrar de uma m�sica que Maria Bethania canta: 'Sussuarana, meu cora��o n�o me engana, vai fazer cinco sumana, tu n�o volta nunca mais.'
E sei tamb�m que n�o vou mais precisar fazer o bolo caseiro.”