
A coluna de hoje est� entregue � advogada Debora Ghelman, especializada em direito humanizado nas �reas de fam�lia e sucess�es, que aborda um problema muito atual: quem � o pai?:
“No filme canadense Starbuck, baseado em hist�ria real, o personagem central, David Wozniak, um simples a�ougueiro cheio de d�vidas, descobre ser pai de 533 filhos e, para apimentar a hist�ria, 142 deles t�m o anseio de conhecer o pai. David n�o era nenhum louco, somente havia doado material gen�tico, sob o pseud�nimo Starbuck, para uma cl�nica de reprodu��o assistida ao longo de anos, nunca esperando que esses "filhos" viessem procur�-lo.
Nas �ltimas d�cadas, a ci�ncia descobriu novos m�todos para avan�ar em rela��o �s t�cnicas de reprodu��o assistida, permitindo a gera��o de milh�es de fam�lias pelo mundo e realizando os sonhos de muitas pessoas, que, at� ent�o, eram incapazes de reproduzir. A insemina��o artificial heter�loga, que � aquela que recorre ao material gen�tico de um doador, � um dos meios mais populares de reprodu��o assistida. No caso do filme Starbuck, o que est� em quest�o � o direito ao anonimato do doador de esperma e um verdadeiro confronto entre o conceito biol�gico e o afetivo de paternidade.
Inicialmente, para o direito de fam�lia, o pai era aquele que biologicamente gerava seu filho, sendo uma concep��o restrita da paternidade. Com o avan�ar da doutrina, hoje a paternidade se baseia no princ�pio da afetividade, n�o sendo mais necessariamente vinculada � quest�o gen�tica. Da� decorre, por exemplo, a paternidade em caso de ado��o, a paternidade socioafetiva e a paternidade em caso de filho gerado com material gen�tico alheio.
Do outro lado, existe tamb�m o direito � verdade biol�gica. Ou seja, teria a crian�a nascida a partir de doa��o de material gen�tico o direito de saber qual a sua origem biol�gica? Tratando-se de casos m�dicos ou possibilidade de casamento consangu�neo, � pass�vel que o anonimato do doador de esperma possa ser flexibilizado. Mas o que deveria prevalecer nos casos em que n�o ocorrem essas condi��es?
Em Portugal, a quest�o foi debatida diversas vezes. Em 2006, foi editada uma lei garantindo o sigilo completo � identidade do doador. A lei foi baseada no direito ao planejamento familiar, que n�o incluiria a introdu��o do doador no seio da fam�lia e no direito � sua privacidade, que n�o planejou ser reconhecido como pai no futuro.
Mas, em 2018, o Tribunal Constitucional Portugu�s reverteu a lei e decidiu que o direito � verdade biol�gica deveria se sobrepor ao anonimato do doador. Hoje, essas informa��es s�o acess�veis para as pessoas geradas atrav�s de reprodu��o assistida. J� em outros pa�ses, como na Espanha e na Fran�a, os tribunais decidiram que deveria prevalecer o anonimato em respeito � atitude altru�sta de quem doa material gen�tico e possibilita a expans�o das fam�lias.
No Brasil, n�o h� lei espec�fica sobre a quest�o, o que gera inseguran�a jur�dica. Mas temos a Resolu��o 2.168, do Conselho Federal de Medicina, que traz diretrizes important�ssimas para o procedimento. O CFM determina que os doadores n�o t�m direito de conhecer os receptores de material gen�tico e vice-versa. O sigilo s� pode ser levantado caso haja motiva��o m�dica e, mesmo assim, somente os m�dicos ter�o acesso � informa��o.
O direito ao anonimato ou � informa��o em casos de doa��o de material gen�tico deveria ser discutido na legisla��o brasileira. N�o ter uma lei que trata dessa situa��o cada vez mais frequente nas fam�lias brasileiras pode gerar confus�es e situa��es complicadas que os tribunais v�o ter dificuldades para resolver. Al�m disso, pode afastar as fam�lias que desejam crescer usando este m�todo e pessoas que querem ser doadores tamb�m, pois n�o h� uma lei que os ampare”.