
Um profissional vision�rio e pe�a importante no renascimento da alta-costura na Fran�a do p�s-guerra, o estilista franc�s Pierre Cardin morreu nesta ter�a-feira (29), aos 98 anos. Filho de imigrantes italianos que se transformou em um empres�rio mundialmente conhecido, ele faleceu no hospital de Neuilly, em Paris. “Dia de grande tristeza para toda a nossa fam�lia, Pierre Cardin n�o vive mais. O grande costureiro que foi sobreviveu ao s�culo, deixando a Fran�a e o mundo com um patrim�nio art�stico �nico na moda, mas n�o s�”, escreveu sua fam�lia em comunicado � imprensa.
Quando completou 60 anos de trabalho, Cardin esteve em S�o Paulo, onde participou de um desfile de sua �ltima cole��o, palestra e exposi��o in�dita de seus trabalhos. O texto abaixo foi publicado por esta coluna em 1982:
“Primeiro a lan�ar uma cole��o de pr�t-�-porter, o que lhe custou a sa�da da C�mara Sindical de Alta-Costura, Cardin mudou a hist�ria da moda. 'Eu sempre pensava na possibilidade de vestir muitas pessoas, na verdade trabalhadores; ao mesmo tempo, n�o havia muitos consumidores de alta-costura; ali�s, se eu tivesse continuado s� com a alta-costura, hoje n�o estaria aqui', revelou em coletiva. 'N�o h� vulgaridade alguma em vestir quem trabalha', concluiu.
'O pr�t-�-porter nas lojas de departamento permitiu minha sobreviv�ncia e minha cria��o'. Propriet�rio de um verdadeiro imp�rio, com restaurantes, hot�is, teatros, fonte de �gua mineral e revistas, agora est� tamb�m se dedicando ao projeto de um edif�cio em Veneza – o Palais Lumi�re Pierre Cardin, em constru��o, que contar� com 1.200 apartamentos, heliporto e �reas de lazer. Linhas arrojadas, que caracterizam seu trabalho na moda, podem ser observadas nesse projeto, com ares futuristas. 'Trabalho com o meu conceito de forma', justificou.
Tanto o desfile, que aconteceu em 26 de abril, quanto a exposi��o, cuja inaugura��o se deu dia 28, teve o desenho de um colar criado em 1971 como inspira��o para a passarela e o espa�o expositivo desenvolvidos pelo cen�grafo Guilherme Isnard. A passarela branca do desfile � a mesma que o p�blico percorre na exposi��o e as colunas do espa�o, cobertas de tecido cinza, dialogam com as pe�as expostas, no centro de c�rculos. Proje��es com imagens de toda a produ��o do estilista s�o expostas em duas paredes laterais e vitrines mostram acess�rios. A curadora da exposi��o, Denise Mattar, explicou que o crit�rio utilizado n�o foi o cronol�gico e sim por conjunto de cores e blocos de caracter�sticas.
'N�o � a roupa que faz a eleg�ncia; ela vem do interior da pessoa, de seus gestos e de seu comportamento', disse Cardin.
L�, pode-se ver uma das primeiras pe�as criadas por ele, um mant� vermelho, em l� plissada no vi�s, datado de 1952, magn�fico. Est�o ainda expostas as pe�as Cosmocorps, criadas nos anos 1960 para a era espacial. Um dos m�dulos traz as golas como destaque, gigantescas e uma das marcas registradas de Cardin. Assimetrias, c�rculos e moda masculina s�o alguns dos outros m�dulos da exposi��o. Os amantes de desenhos e modelagem poder�o ainda se deliciar com os croquis apresentados, de pe�as criadas nos anos 1960 e 1970. Uma saia tem seu molde numa vitrine, revelando uma composi��o bel�ssima.
O desfile que apresentou uma panor�mica de suas cria��es, teve in�cio com as pe�as Cosmocorps, de ares futuristas, em cores como f�csia, prata e preto. Saias de folhas soltas, casacos com mangas geom�tricas, tudo com um corte preciso, arquitet�nico. Vestidos florais, leves e esvoa�antes, em chiffon, cetim e outros tecidos nobres. Babados, la�os e flores gigantes em detalhes. Apanhados de tecidos em vestidos e macac�es leves, alguns em tecidos brilhantes e l�quidos. Enquanto a moda feminina apresentou delicadeza em tra�os leves, a masculina mostrou, salvo um ou outro modelo, uma moda mais funcional. O desfile foi finalizado por alguns vestidos de noiva, atemporais e ousados.
Nascido de fam�lia pobre perto de Veneza, na It�lia, aos 2 anos emigrou para a Fran�a. Aos 17 anos, no final da Segunda Guerra Mundial, trabalhou na Cruz Vermelha, em Vichy. 'Eu queria ser ator e bailarino, mas n�o tinha dinheiro e precisava trabalhar', disse, justificando sua ida para Paris e o in�cio trabalhando na Maison Paquin, que uma amiga m�dium lhe havia indicado. Nessa �poca, participou do figurino do filme A Bela e a Fera, de Jean Cocteau. A seguir trabalhou com Schiaparelli e Dior, quando este lan�ou o New Look. Ficou com Dior por tr�s anos, montando a seguir seu pr�prio atelier.
'Eu trabalhava com alta-costura, mas era jovem e socialista – jovens s�o contestadores; tinha a grande pretens�o de vestir o mundo', explicando sua primeira cole��o de pr�t-�-porter, que causou esc�ndalo, pois a C�mara Sindical de Alta-Costura considerava a roupa em s�rie uma decad�ncia. 'O pr�t-�-porter me fez fortuna, vendi os direitos de minha marca na Am�rica, roupas minhas foram reproduzidas 200 mil vezes', continuou.
De acordo com ele, a partir da� passou a viajar muito, sempre a trabalho, mas aproveitando para conhecer a cultura de cada pa�s visitado. Participou no Brasil, como ator, do filme Joanna francesa, de Cac� Diegues. Hoje, ele tem aproximadamente 750 licenciamentos no mundo todo. Comprou teatros, o restaurante Maxim's, foi embaixador da Unesco – Organiza��o das Na��es Unidas para a Educa��o, a Ci�ncia e a Cultura. Hoje tem tamb�m um museu com 5 mil itens, entre roupas, m�veis e objetos.
Inspira��o:
'Fecho os olhos e vejo formas, cores e materiais; no final de semana, em casa e em sil�ncio, crio.'
Administra��o:
'Para comandar uma empresa t�o grande como a minha � necess�rio ter diplomacia e bons colaboradores que sigam a mesma linha'.
Sobre o Brasil:
'J� estive em seu pa�s aproximadamente 12 vezes e a primeira vez que estive em S�o Paulo levei um choque pelo tamanho e vitalidade dela; � um pa�s internacional, a popula��o brasileira, miscigenada, � muito bonita! Voc�s s�o exemplos para mim.'
Viagens:
'J� fui 100 vezes aos EUA, 32 vezes � China, estive 18 vezes na R�ssia e sete na Austr�lia; j� visitei os pa�ses n�rdicos, a Am�rica do Sul, o Jap�o e, em cada viagem, procuro conhecer a cultura do local, a forma de viver.'
Cosmos:
'Sempre fui influenciado pelo Cosmos e sempre tive certeza que o homem chegaria � Lua, embora tenha sido muito ridicularizado por isso; tive a honra de ser fotografado com a mesma roupa com que os astronautas estiveram na Lua e tive a felicidade de me sentar no foguete que empreendeu a viagem.'
Mulheres:
'Sempre pensei nas mulheres que trabalham, na sua vida cotidiana; hoje, elas trabalham mais que os homens, s�o brilhantes!.'
Moda
'A moda situa as pessoas no tempo e no espa�o; um homem nu no deserto n�o tem identidade, n�o tem nacionalidade; a moda mostra sua condi��o sociocultural, � uma radiografia social dos indiv�duos; imaginem uma cidade sem moda, ela n�o existiria; por sorte h� a moda e ela � extraordin�ria; dela, mais do que trabalho, se tira prazer.'
C�rculos e bolas:
'Uma bola n�o para, est� sempre em movimento e � por isso que existe na minha roupa e � meu s�mbolo; tudo no mundo, do planeta ao p� � redondo, o redondo vai longe e o quadrado para'.”