
O in�cio da semana santa nos faz voltar a valores que foram deixados de lado na sociedade brasileira. Os dias sagrados da religi�o foram trocados pelas praias, pelos resorts que confortam e descansam quem trabalha e at� pelas pequenas viagens ao exterior. No meu tempo de crian�a, era uma �poca de muita devo��o, f�, reuni�o familiar e tradi��es que nos dias atuais pouco existem. � claro que o destino da fam�lia era Santa Luzia, onde iam todos que podiam. As casas ficavam lotadas, quem n�o conseguia uma cama n�o se importava de dormir em colch�es enfileirados no ch�o.
E as cozinhas ferviam com o do bom e do melhor, com os fog�es acesos dia e noite para oferecer os de casa e os visitantes as tradi��es da �poca. Como roscas e biscoitos feitos em forno de lenha, pratos enormes de bacalhau na sexta-feira santa (os peixes chegavam em caixas de madeira, direto de Portugal) e outras delicias.
Em frente � matriz, no Solar Teixeira da Costa, que minha av� abandonou para os primos, porque achava muito grande, indo morar numa casa bem modesta do outro lado da rua, minha prima Jul� controlava da janela tudo que acontecia na igreja e no adro em frente. Portando sua caixinha de prata de rap�, que cheirava com const�ncia, sabia de tudo que acontecia, sem botar o p� para fora da casa. E gozava o que via. Em uma das prociss�es, viu meu irm�o representando S�o Sebasti�o, e como ele era muito magro e a roupagem lembrasse selva, n�o teve d�vida: “Olha l�, Danilo na prociss�o vestido de Tarzan”.
Ligada � par�quia desde que minha bisav� entregou todas as joias deixadas pela baronesa de Santa Luzia � igreja (n�o me esque�o, menina, do brinco de brilhantes que era usado pela padroeira da cidade no dia de sua prociss�o, e que tinha, pelas minhas contas que nunca esqueci, 17 brilhantes), ficamos com algumas tradi��es. Como a de ser as mulheres da fam�lia as respons�veis pela montagem do caix�o que recebia a imagem de Jesus depois da descida da cruz, para seguir em prociss�o cidade abaixo.
Durante muitos anos segui essa tradi��o na companhia de minha saudosa e querida prima Nan� Gabriche, que j� se foi h� muito tempo e que tomava conta das roupagens que cobriam o caix�o. Como eu tinha certo talento para restaura��o, reparei muitas das pe�as do tempo da baronesa, como algumas de fil� bordadas com figuras de prata, um len�ol de veludo roxo com rendas de ouro e por a� vai.
Mantive essa tradi��o at� o ano passado, quando a prociss�o da sexta-feira da Paix�o n�o aconteceu, como tamb�m n�o vai acontecer neste ano. N�o perdia nunca minha ocupa��o, ia para a casa matriz dos Teixeira da Costa, comandada pela minha prima Beata, respons�vel para fornecer flores e mais flores para o caix�o do Cristo morto. E, para manter a tradi��o fam�lia, tinha uma mesa de almo�o t�o farto que durava dia inteiro e que era aberta a todos os amigos. Da fam�lia ou da cidade.
Este ano vai ser igual. N�o estarei em Santa Luzia na pr�xima sexta-feira, o que me d� uma dor de saudade, sem saber por quanto tempo estarei ausente dessa tradi��o familiar. O recesso e a maldi��o que ca�ram sobre o mundo impedem que as mais antigas tradi��es da Igreja Cat�lica sejam relegadas ao retiro familiar.