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Estado de Minas ANNA MARINA

Para minha m�e, Lygia

Comunicativa, ela n�o se intimidou em papear em portugu�s com turista que lhe respondia em ingl�s. E amou reencontrar suas ra�zes lusitanas em Viana do Castelo


13/05/2023 04:00 - atualizado 10/05/2025 02:19
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Vista aérea da cidade de Viana do Castelo tem um castelo em primeiro plano
Vista de Viana do Castelo, a bela cidade onde dona Lygia "visitou" suas ra�zes portuguesas (foto: Reprodu��o)

Como amanh� � Dia das M�es, procurei um texto escrito por Cyro Siqueira na abertura do livro de mem�rias “Rua Direita”, que minha m�e deixou para n�s. Existe uma raz�o importante para essa escolha, porque, por motivos �bvios para as leis da sociedade mineira, o primeiro encontro dos dois come�ou com guerra. Os tempos foram passando, as exig�ncias legais sendo obedecidas e os dois passaram a se entender amorosamente. Ele gostando muito dela, admirando sua vivacidade e intelig�ncia,  ela louvando o amor que existia entre o genro e a filha.

Viveram lindamente, gostavam de conversar, de conviver, de viajar juntos. Ele a levou, com 70 anos, para ver de perto as maravilhas que ela queria conhecer na Europa. Ele, natural de fam�lia mais do que pequena, vivia completamente o interesse dela por uma fam�lia muito grande. Aos leitores, passo o amor que nos ligou:

“A ideia que fa�o de Santa Luzia � de uma ilha separada do continente pelo Rio das Velhas. No outro lado, o mar, pois s� pelo mar poderiam ter descido os baianos, os bar�es e viscondes assinalados, o monop�lio do sal, toda a vasta e misteriosa carga que, desembarcada de navios legend�rios, construiu uma civiliza��o pioneira. Al�m do mar, dona Lygia, que para mim � o oceano. S�bio e tranquilo oceano cujas �guas banham as praias do mundo. Talvez eu me explique melhor se disser que, aos 80 anos, ela guarda intacta a curiosidade com que deve ter iniciado sua caminhada e a mesma for�a de decis�o com que conduziu seu destino, quando, mo�a ainda, vi�va e cheia de filhos, atirou-se � luta, educando-os como primorosamente o fez, casando-se de novo e continuando a ter filhos, a quem deu o mesmo destino.

Armada de uma curiosidade universal, dona Lygia por tudo se interessa – e gra�as a isso termina interessando a todos. Com uma capacidade de comunica��o que � das marcas curiosamente t�picas desses admir�veis Teixeiras de Santa Luzia – de onde ter�o eles trazido essa qualidade, no cora��o de uma terra mineira de gente ensimesmada e de t�o longos sil�ncios –, ela se faz entender “urbi et orbi”. Como no �nibus onde �amos, ela, sua filha e eu, entre Roma e N�poles, a caminho de Capri. A seu lado sentou-se um cidad�o e seu bigode colonial. Ao passarmos por Monte Cassino – ou Castelo? –, ela, informada do fato, iniciou, em portugu�s, uma longa conversa com seu vizinho – que n�o entendia portugu�s.

N�o houve problema: ela conversou em portugu�s, ele conversou em ingl�s. Ambos terminaram se entendendo. No fim da viagem, ela comentou comigo: “Esse homem a� gostou muito das coisas que contei para ele sobre aquele lugar onde os soldados brasileiros derrotaram os alem�es.”

E gostou de fato, pois n�o existem barreiras de l�nguas que detenham as �guas do oceano. Assim foi tamb�m quando a levei para visitar as ru�nas do F�rum Imperial, em Roma, impon�ncia que resistiu a s�culos de guerras e devasta��o. No meio das colunas e colunatas e dos jardins dos c�sares e suas mil mulheres, dona Lygia, um assobio nos l�bios, colhia pequenas flores silvestres que teimavam em brotar ali, sobre os passos que ainda ecoavam as legi�es romanas.

Foi uma viagem inesquec�vel que teve momentos da mais genu�na emo��o, como quando ela se viu diante das ru�nas de Pompeia que representam, na realidade, aquilo que ela sentiu, a ep�tome arquitet�nica de todo um per�odo da humanidade. Ou quando ela penetrou na casa que fora de Axel Munthe, no cora��o de Anacapri, um momento que distingue a grandeza do homem.

Mas foi em Portugal que dona Lygia mais se realizou ao encontrar suas ra�zes em Viana do Castelo e nos pequenos vilarejos que fazem o encanto daquela terra aben�oada.

Dona Lygia � memorialista. Mergulha no passado fascinante de Santa Luzia. Em um estilo que n�o se pretende rebuscado, antes pelo contr�rio, feito com a pureza cristalina da simplicidade, vai contando fatos e epis�dios que fazem parte do h�mus que brotou daquela surpreendente civiliza��o luziense.

E aos poucos, como por um milagre, o mist�rio da cidade vai tendo seus contornos definidos – passo a passo, melhor, p�gina a p�gina, vamos penetrando nos debates com que o conc�lio dos deuses definiu a estrutura de uma comunidade �mpar – tudo um trato com a composi��o do homem dentro das dimens�es de sua pr�pria humanidade, naquele que ele tem de mais aut�ntico e tamb�m de mais ing�nuo.

Pois calor humano � o que n�o tem faltado a dona Lygia.”

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