
N�o sei nadar e confesso que tenho um certo medo do mar e rios. Lembro bem da primeira vez que entrei no Rio Parauninha, em Santana do Riacho, cidade da minha sogra. Para isso acontecer, rolou uma mega opera��o envolvendo algumas pessoas e at� um cajado para me sentir mais seguro dentro do rio.
'Sou um homem negro retinto, trans e disl�xico. Aprendi a ter orgulho de quem eu sou, da minha ess�ncia. E foi exatamente isso, um processo de aprendizagem, que ainda est� em curso.'
Claro, a fam�lia da minha esposa caiu na gargalhada e foi uma tarde divertida. Depois de algumas cenas ic�nicas da minha falta de intimidade com o rio, uma pessoa perguntou: "Arthur, voc� n�o � um cara muito corajoso, n�?”. Na mesma hora respondi: "o que n�o me falta � coragem! Nessa sociedade, pra ser quem eu sou, � preciso ter coragem”. Quem fez a pergunta tamb�m concordou.
Sou um homem negro retinto, trans e disl�xico. Aprendi a ter orgulho de quem eu sou, da minha ess�ncia. E foi exatamente isso, um processo de aprendizagem, que ainda est� em curso.
Durante muito tempo, escondi ou tentei esconder quem eu sou. E tentei, a todo custo, encaixar meu comportamento, meus desejos, meu afeto, meu corpo, minha cor e minha viv�ncia em um “padr�o” muito cruel. At� profissionalmente tentei fazer isso.
Segundo a Associa��o Brasileira de Dislexia (ABD), a dislexia � o dist�rbio que atinge entre 5% e 17% da popula��o mundial. Fa�o parte dessa lista. Por anos, me senti muito mal por n�o conseguir ler em voz alta - como um jornalista que trabalha em uma r�dio n�o entra ao vivo? - ou por conta da minha escrita que vem carregada de alguns erros.
Depois de muita terapia, um longo processo de empoderamento e de oportunidades oferecidas pelas Ilhas de Acolhimento que cruzaram meu caminho, percebi que a dislexia me ensinou a ser mais criativo. Tamb�m entendi que existem outros caminhos para minha vida profissional. N�o sou menos inteligente ou talentoso por ter dislexia. E falar isso em voz alta � libertador.
Como j� disse, sou um homem negro retinto. Mas isso n�o quer dizer que sempre me aceitei como pessoa negra. Isso tamb�m foi um processo. Em uma sociedade que s� ap�s de 1888 encerrou oficialmente a escravid�o (o Brasil foi o �ltimo pa�s das Am�ricas), quais foram as politicas p�blicas voltadas para pessoas negras que foram escravizadas?
Elas foram jogadas � pr�pria sorte sem terras, sem direitos, sem acesso � educa��o e sa�de, sem cidadania. Essa aus�ncia de pol�ticas p�blicas reparat�rias e a crescente desumaniza��o das vidas e dos corpos negros fortaleceram ainda mais o racismo no Pa�s.
'Ent�o, diante da falta de representatividade, das piadas racistas, das expuls�es sociais di�rias e das viol�ncias que nascem desse racismo estrutural, ser 'negre' � no Brasil � um ato de coragem!'
Como Silvio Almeida, advogado, fil�sofo e professor universit�rio j� apontou, n�o � poss�vel combater o racismo sem entender que ele � estrutural. Ent�o, diante da falta de representatividade, das piadas racistas, das expuls�es sociais di�rias e das viol�ncias que nascem desse racismo estrutural, ser negre � no Brasil � um ato de coragem!
Tamb�m � um ato de coragem encarar o mundo como transexual. “Arthur, mas isso � uma quest�o de escolha, voc� escolheu isso”. Ningu�m quer sair �s ruas e ser alvo de piadas, xingamentos ou viol�ncias s� por ser quem �! Me responda, quem deseja isso? Somos o que somos e nossos corpos e viv�ncias precisam ser respeitados. N�s existimos e resistimos.
Quero deixar um recado para voc� que � minoria, que � diversidade. � muito importante que voc� inicie sua caminhada de autoconhecimento e fortalecimento da sua autoestima. Ali�s, a preserva��o da sua sa�de mental depende disso. Ent�o, � muito importante buscar ajuda profissional, seja de um psic�logo ou psiquiatra.
'� claro, desejo que, na sua caminhada, cruzem pessoas, grupos e institui��es que sejam Ilhas de Acolhimento. Que ofere�am inclus�o, afeto e oportunidades.'
Al�m disso, inicie o seu processo de empoderamento. Por exemplo, se voc� � uma pessoa negra, busque mais informa��es sobre a hist�ria da nossa comunidade, nossas ra�zes e cultura. Desconstruir tantas mensagens preconceituosas e traumas leva tempo, � um processo mesmo. Mas d� o primeiro passo nessa jornada de empoderamento.
� claro, desejo que, na sua caminhada, cruzem pessoas, grupos e institui��es que sejam Ilhas de Acolhimento. Que ofere�am inclus�o, afeto e oportunidades. At� porque n�o � poss�vel ser forte o tempo todo, n�o � poss�vel encarar tanto preconceito sem esses lugares seguros. A sociedade precisa mudar. Mas, at� l�, n�s tamb�m precisamos desse abra�o. Reconhecer isso tamb�m � um ato de coragem. Ent�o, vamos nos aquilombar!
Se voc� precisa de atendimento psicol�gico e est� sem grana, me procure nas redes sociais. Posso passar uma lista de profissionais que atendem gratuitamente ou que atendem com um valor mais acess�vel. Mas n�o deixe de buscar ajuda para iniciar sua jornada de autoconhecimento e autoestima.
Posso, ainda, n�o ser o cara mais corajoso diante de rios ou do mar, mas sei que n�o h� nada mais corajoso do que ser quem somos.