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Estado de Minas RACISMO

Racismo na inf�ncia: preconceito interfere na autoestima de crian�as negras

Discrimina��o � perpetuada dentro e fora das escolas. Como podemos mudar isso?


08/10/2021 08:14

ilustração mostra criança negra com dedos apontados para ela
''Um coment�rio, uma palavra, um gesto, um olhar, quando voc� � crian�a n�o consegue dar nomes a situa��o, mas voc� sente e entende o recado'' (foto: Reprodu��o)

Desde muito pequeno, tenho paix�o por festa junina. Sempre gostei dos doces, do milho verde, das brincadeiras e tamb�m das tradicionais quadrilhas que a escola promovia. Mas foi justamente nesse contexto de festa junina que tenho as primeiras lembran�as de rejei��o por ser uma pessoa negra. Perdi as contas de vezes que presenciei coleguinhas dizendo, literalmente, que n�o iriam fazer par comigo na quadrilha por conta da cor da minha pele.

N�o demorou muito e  passei a evitar ao m�ximo me colocar em situa��es onde precisava interagir socialmente dessa forma. Parei de dan�ar quadrilha porque sabia o que iria escutar e o quanto isso iria me doer. Mas isso n�o deveria ser assim. Como qualquer crian�a, eu s� queria me divertir. 

E isso tamb�m rolava fora da escola. Lembro de uma vez que estava brincando com uma das minhas irm�s e outras crian�as em um palco improvisado, cantando e dan�ando. Na �poca, um adolecente que estava do outro lado da rua, em alto e bom som, ridicularizou minha irm� e eu.

Al�m de rir muito de n�s, ele disse que nosso cabelo era ruim, que nossas tran�as eram rid�culas e que aquilo (se apresentar em um palco), n�o era para a gente como n�s. Lembro que minha irm� estava com um conjuntinho, toda bonita, e, de tristeza, ela agachou e chorou muito. Era pequeno, mas aquilo me doeu na alma. 

Escutar apelidos dolorosos que desumanizam, “piadas, brincadeiras” em rela��o ao nariz, boca, cabelo e tonalidade da pele. Sem falar das tantas m�sicas pejorativas e racistas que marcaram nossa inf�ncia. Diferentes gera��es dentro da comunidade negra j� viveram essas e outras tantas situa��es dolorosas e muitas e muitos  sem a possibilidade de discutir abertamente sobre o assunto. O racismo sempre foi c�nico. 

Hoje, tenho 35 anos, mas o racismo ainda � implac�vel com as crian�as negras. Em plena era digital, muitas vezes quando elas publicam conte�dos nas redes sociais s�o bombardeadas por coment�rios racistas e at� amea�as de morte!

Um coment�rio, uma palavra, um gesto, um olhar, quando voc� � crian�a n�o consegue dar nomes a situa��o, mas voc� sente e entende o recado: por n�o ter a pele clara e cabelos lisos, voc� � n�o � tamb�m bem-vindo. E tudo isso tem  um impacto gigantes em nossa autoestima e infelizmente fortalece o sentimento de inferioridade, algo que nos persegue por muitos anos. 

Lembra da “brincadeira” racista que alguns ginastas promoveram contra o ginasta Ginasta  ngelo Assump��o? “Seu celular funciona? � branco! Se n�o funciona? � preto! Saquinho de supermercado? � branco! O de lixo? � preto!”.

Para algumas pessoas essas palavras s�o "inofensivas", mas, na realidade, elas  geram um verdadeiro turbilh�o de sentimentos depreciativos, de tristeza e sentimento de inadequa��o na crian�a negra.

Al�m disso, onde est� a representatividade de crian�as negras em propagandas, novelas, s�ries, revistas, anima��es e filmes? Agora me diga, como fica a sa�de mental dessa crian�a negra que, desde a  primeira inf�ncia, j� enfrenta a crueldade e cinismo do racismo? Em muitos casos, ela se olha no espelho e n�o gosta do que v�. Infelizmente, de  forma inconsciente ou consciente, essa crian�a passa a  desvalorizar e negar suas tradi��es, sua identidade, seus tra�os e costumes.

Al�m do abalo psicol�gico e social, o racismo  tamb�m prejudica e nega direitos b�sicos para crian�as negras. 

De acordo com um estudo da UNICEF, 32 milh�es de crian�as e adolescentes brasileiros s�o afetados de alguma forma pela pobreza . 18 milh�es s�o atingidos pela pobreza monet�ria, ou seja, n�o t�m renda suficiente para comprar uma cesta b�sica. As crian�as negras registram uma taxa de priva��o de 58,3%, entre as brancas, essa taxa n�o passa de 40%. O mesmo vale para a priva��o extrema, que afeta 23,6% das crian�as negras e 12,8% das brancas. 

Al�m disso, segundo o estudo da UNICEF, no Brasil, 24,8% das crian�as e dos adolescentes est�o em priva��o de saneamento. Entre elas 70% s�o negras.

Segundo o Mapa do Trabalho Infantil, hoje, as crian�as pretas representam mais de 62% das v�timas de trabalho infantil no pa�s. No caso do trabalho dom�stico, esse �ndice aumenta para 73,5%, sendo que mais de 90%, s�o meninas. 

Al�m disso, de acordo com o �ndice de vulnerabilidade juvenil � viol�ncia, realizado pelo F�rum Brasileiro de Seguran�a P�blica/2020, antes de completar 15 anos, uma crian�a negra tem quase tr�s vezes mais chances de ser morta do que uma crian�a branca.

As crian�as negras s�o tamb�m as mais penalizadas quanto ao acesso � educa��o, segundo o estudo da UNICEF. H� 545 mil crian�as negras de 8 a 17 anos analfabetos, versus 207 mil brancas. Al�m disso, segundo o IBGE, das 530 mil crian�as de 7 a 14 anos que est�o fora da escola, 330 mil s�o negras. 
 
Vale lembrar tamb�m que a  educa��o euroc�ntrica nas escolas refor�a estere�tipos racistas. E que muitos professoras e professores desconhecem a Lei 10.639/2003, que estabelece a obrigatoriedade do ensino de hist�ria e cultura afro-brasileira nos ensinos fundamental e m�dio. 

Aproveitando que estamos no m�s da crian�a, podemos intensificar uma discuss�o:  o que pode ser feito para mudar essa realidade? � necess�rio criar diferentes pol�ticas p�blicas para combater o racismo estrutural e tamb�m pol�ticas p�blicas direcionadas para proteger as crian�as negras. 

Entre essas a��es � importante oferecer informa��es e conscientiza��o sobre educa��o antirracista nas escolas. Isso inclui forma��o, consultorias e mentorias para o corpo docente e a dire��o das escolas sobre o assunto. 

Al�m disso, fora dos muros  das escolas, j� existem grupos e projetos de iniciativa civil que promovem na pr�tica a educa��o antirracista e precisam de apoio para seguir em frente com o trabalho. Esses projetos explicam de forma did�tica o que � racismo estrutural e quais s�o os preju�zos que nascem dele.

Al�m disso, essas organiza��es  tamb�m trabalham o sentimento de pertencimento, de autoconhecimento nas crian�as negras e tamb�m investem em a��es culturais e sociais  que fortalecem a autoestima delas. Se voc� � m�e, pai ou respons�vel por uma crian�a negra e deseja conhecer alguns desses projetos, pode me procurar nas redes sociais. Vamos juntes encontrar caminhos para fortalecer a autoestima das nossas crian�as negras! 

� extremamente importante que essa crian�a negra encontre lugares, pessoas e grupos seguros onde ela possa compartilhar as situa��es dolorosas e tamb�m compartilhar informa��es e conhecimentos sobre sua origem, cultura, sobre seus sonhos, projetos e perspectivas. Al�m disso, as escolas, projetos da iniciativa civil e tamb�m projetos governamentais precisam oferecer  cursos, rodas de conversa, brincadeiras e jogos sobre a tem�tica racial para todas as crian�as. 

Vale ressaltar que  muitas fam�lias ensinam diretamente ou indiretamente suas crian�as a serem racistas (crian�as n�o nascem racistas, elas apreendem): as “piadas” racistas no churrasco de fam�lia, o coment�rio racista sobre o cabelo e tra�os da vizinha negra, as “brincadeiras” sobre a apar�ncia da �nica pessoa negra da fam�lia e por a� vai.

Na inf�ncia, por v�rias vezes fui discriminado na vizinhan�a por pessoas adultas e era s� uma quest�o de tempo para os seus filhos e filhas replicarem esse comportamento racista comigo e com outros coleguinhas negros. N�o existe melhor ensinamento que o exemplo. 

E mais: ao longo dos anos essas manifesta��es de racismo passam a ser algo “natural” e at� inconsciente na vida desse pequeno ser. Ou seja, existe uma grande chance dessa crian�a se tornar um adulto racista. Ent�o, qual o legado voc� est� deixando para seus filhos e filhas? Um legado que perpetua o racismo? 

E se voc� presenciar uma crian�a negra sofrendo racismo? N�o fique apenas olhando, haja no mesmo instante:  Seja  uma ilha de acolhimento para essa crian�a, ofere�a carinho e afeto, diga que ela n�o merecia passar por isso, ressalte a beleza e a intelig�ncia dela e pergunte se ela deseja ter contato com um adulto respons�vel que seja da confian�a dela. E, por favor, neste momento traum�tico, n�o tente reduzir a dor e os sentimentos dessa crian�a, mostre que realmente voc� est� ali, que ela n�o est� s�. 

“Arthur e se for uma outra crian�a que cometeu o ato racista?” como j� falei aqui, crian�as aprendem a ser racista em casa, ent�o, no lugar de castigar ou gritar com essa crian�a, � importante explicar para ela porque essa atitude � t�o ruim e perigosa. E como essa atitude pode ferir e machucar as pessoas e, claro, � muito importante conversar com os respons�veis por essa crian�a, explicar a situa��o e tamb�m mostrar a import�ncia de manter esse di�logo aberto sobre ra�a e racismo dentro de casa. Os respons�veis por essa crian�a precisam entender seus pap�is em tudo isso. 

Al�m disso, quero destacar o seguinte: Assim que poss�vel, � muito interessante que essa crian�a negra possa ser auxiliada com atendimento psicol�gico. Assim que poss�vel e na idade adequada, � muito importante que ela tenha  atendimento com profissionais que levem em considera��o situa��es de racismo e seus impactos para acompanhar essas crian�as.

Se voc� precisa de indica��o de profissionais da psicologia para atender seus pequenos com o valor mais acess�vel, pode me procurar nas redes sociais. Espero muito que as pr�ximas gera��es n�o passem o que n�s passamos na inf�ncia por conta do racismo e que tamb�m elas possam ter acesso a mais recursos para resguardar a autoestima e suas identidades.

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