
Em 2019, entrevistei uma mulher negra transexual, de 27 anos. Ela contou que foi agredida v�rias vezes, verbal e fisicamente. Chegava a ficar semanas ausente da escola e, depois de repetir algumas vezes o primeiro ano do ensino m�dio, decidiu se formar pela Educa��o de Jovens e Adultos (EJA). Foi a primeira de cinco irm�os a obter o diploma. Na �poca, ela trabalhava �s vezes como faxineira; noutras, acompanhava pessoas em hospitais ou cuidava de idosos. Mas nunca teve emprego com carteira assinada.
Em um determinado momento da entrevista, perguntei como foram as experi�ncias dela durante entrevistas de emprego. Ela inclinou a cabe�a e respondeu que at� aquele momento nunca tinha participado de uma entrevista formal de emprego. Ela explicou que por telefone as coisas at� flu�am bem, mas sempre que chegava pessoalmente para participar da entrevista de emprego, ao ver seu corpo negro e trans, os recrutadores davam uma desculpa para n�o realizarem a entrevista.
A� eu pergunto: como fica a sa�de mental de uma pessoa que frequentemente passa por isso por ser quem �?
S� para voc� ter uma ideia, uma pesquisa da Fapesp, de 2020, feita com 528 transexuais de sete cidades do estado de S�o Paulo, indicou que apenas 13,9% das mulheres trans e travestis tinham emprego formal. J� entre os homens trans, o percentual foi um pouco maior, totalizando 59,4%.
Al�m disso, segundo um relat�rio da Associa��o Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), 88% das pessoas trans entrevistadas acreditam que as empresas n�o est�o preparadas para contratar ou garantir a perman�ncia de profissionais transexuais em seus quadros. Al�m disso, de acordo com a mesma pesquisa, 20% da popula��o transsexual est� fora do mercado de trabalho.
Teoricamente, toda a pessoa tem direito, sem discrimina��o alguma, a ter um trabalho e um sal�rio digno. Com uma remunera��o equitativa e satisfat�ria, que lhe permita uma exist�ncia conforme com a dignidade humana. Mas diante dos dados que apresentei aqui, parece que, quando se trata de pessoas trans e travestis, esse direito pode ser desrespeitado.
A� eu pergunto: como a popula��o trans pode pagar suas contas, se alimentar direito e construir sua vida se o direito a ter um trabalho e sal�rio digno � negado?