
Em 2019, pela primeira vez, a Confedera��o Brasileira de Futebol (CBF) tornou obrigat�rio que todos os clubes que disputam a s�rie A do Brasileir�o masculino, o torneio de elite do futebol nacional, tenham uma equipe feminina adulta e outra de base em seu quadro de atletas.
O incentivo ao futebol feminino foi comemorado por atletas, t�cnicas e comiss�es esportivas, mas a chegada da pandemia em 2020 impediu que os resultados se concretizassem. Com a queda de receita, muitos clubes jogaram suas equipes femininas para escanteio – alguns chegaram at� a encerrar a modalidade.
O Goi�s Futebol Clube foi um dos times que aderiram ao futebol feminino em 2019, mas deu fim � equipe no ano seguinte. Com a paralisa��o dos campeonatos em mar�o de 2020, no in�cio da pandemia, a CBF fez repasses financeiros aos clubes na tentativa de ajud�-los com as contas.
'O incentivo ao futebol feminino foi comemorado por atletas, t�cnicas e comiss�es esportivas, mas a chegada da pandemia em 2020 impediu que os resultados se concretizassem. Com a queda de receita, muitos clubes jogaram suas equipes femininas para escanteio %u2013 alguns chegaram at� a encerrar a modalidade'
Rayane Oliveira
Durante a primeira quinzena de abril, foram repassados R$ 3,7 milh�es �s equipes femininas: R$ 120 mil foram direcionados a cada um dos 16 times da primeira divis�o e R$ 50 mil a cada um dos 36 times da segunda. O Goi�s recebeu o repasse de R$ 50 mil, mas a folha de pagamento mensal da equipe girava em torno de R$ 70 mil. Ficou claro que o valor n�o era suficiente para cobrir os gastos.
“Logo ap�s a suspens�o do campeonato, as atletas voltaram para suas casas, mas a preparadora f�sica e a comiss�o t�cnica se reuniam com elas virtualmente e passavam as atividades”, conta Luiz Cezar, gestor do time feminino. Segundo ele, o clube assumiu toda a responsabilidade financeiramente e n�o houve atrasos de pagamentos, mas o clube precisou fazer cortes. “Foram demitidos mais de 300 funcion�rios e, com esse enxugamento, a equipe feminina foi encerrada”, conta. O gestor afirma ainda ter esperan�as da modalidade feminina voltar em breve, mas no momento isso segue indefinido.
Mesmo em clubes onde os times femininos foram mantidos, outros problemas surgiram, como o atraso de pagamentos. Foi o caso do Vit�ria, onde as jogadoras ficaram meses sem receber. Mas, em entrevista � R�dio Sociedade, o dirigente do clube n�o pareceu muito preocupado.
Paulo Carneiro disse que “faz com o dinheiro o que ele quiser e assume a responsabilidade pelos atos”, assumindo que n�o utilizou a doa��o da CBF no futebol feminino. “O Vit�ria tem um problema muito mais grave do que esse, e ainda tenho que ouvir gente preocupada com o futebol feminino. Voc� vai dizer ‘Paulo, voc� n�o se preocupa com o futebol feminino?’. Eu me preocupo com as prioridades do clube”, declarou.
NEM DINHEIRO PARA TESTES DE COVID
Com a paralisa��o dos jogos e as dificuldades para manter as equipes, muitos clubes desistiram de jogar os campeonatos estaduais que tiveram in�cio no come�o de 2021. Em S�o Paulo, o n�mero de times da primeira divis�o do campeonato da Federa��o Paulista de Futebol (FPF) foi reduzido de 16 para 12. Os times de Uni�o Mogi, Portuguesa, Inter Franca e Caldeir�o FC n�o conseguiram participar.
Em nota, a Portuguesa explicou os motivos da sa�da do campeonato. “Infelizmente, com a chegada da pandemia e, consequentemente, a paralisa��o das atividades esportivas no Brasil, fizeram com que o time feminino perdesse seus principais patrocinadores da temporada. Sendo ent�o, seus representantes, obrigados a buscar novos parceiros econ�micos”. J� o Uni�o Mogi disse que n�o tinha recursos para arcar com os custos operacionais dos protocolos sanit�rios necess�rios para continuar as atividades.
Nathalia Santana, jornalista e comentarista da CBF TV, conta que muitos dos patrocinadores dos clubes apoiam apenas as equipes masculinas. “Muitos clubes e atletas relatam a dificuldade enfrentada para conseguir patrocinadores. A ideia de que o futebol feminino n�o gera renda ainda � um grande tabu para os cartolas que veem a modalidade somente como entretenimento”, explica.
Julia Maria, ex-jogadora do clube Oriente de Canoas, time do Rio Grande do Sul, hoje est� sem time ap�s a desist�ncia do clube de participar do Gauch�o Feminino, o campeonato estadual ga�cho. “Ano passado o Gauch�o foi a minha primeira competi��o oficial de futebol. E ela s� ocorreu pela insist�ncia dos clubes grandes como o Gr�mio e o Internacional”, conta.
O Canoas jogou apenas duas partidas antes de ser eliminado da competi��o. “Falta incentivo aos times do interior em formar equipes femininas, o que dificulta inclusive na parte financeira. Minha equipe mesmo precisou fazer uma vaquinha e correr atr�s de patrocinador. Trein�vamos uma vez na semana, apenas aos domingos, correndo o risco de sermos infectadas pelo coronav�rus pois n�o faz�amos testes”, conta. Hoje o Canoas pretende participar somente das competi��es de Fut7, tamb�m conhecido como futebol society.
A meio-campo Ana Maura Serafim jogou o campeonato Paulista do ano passado pelo Clube Atl�tico Tabo�o da Serra (CATS) e conta que a falta de testes para a Covid-19 tamb�m foi um problema. “O clube n�o ofereceu testes para iniciarmos os treinos, ent�o tivemos que fazer o treino por conta pr�pria. Quando os testes chegaram, faltavam tr�s dias para disputar um campeonato. Ficamos sabendo do resultado a caminho do jogo, e se tivesse algu�m doente todos estavam correndo riscos”, conta.
Em maio de 2021, a CBF fez uma nova rodada de repasses para os clubes. Mais uma vez, foram destinados R$ 120 mil �s equipes femininas da s�rie A1 do Brasileir�o, e R$ 50 mil para as equipes do A2. Mas, para muitas atletas, a incerteza fez o sonho de jogar futebol profissionalmente parecer ainda mais distante. “No mundo capitalista em que vivemos, tudo � quest�o de dinheiro.
Se n�o traz retorno financeiro, n�o � algo v�lido. Ficou clara a diferen�a entre o futebol feminino e o masculino: por que investir em futebol feminino com mais seguran�a contra a covid-19, se n�o � algo que traz um bom retorno financeiro? Hoje, se eu quisesse me arriscar, poderia estar em uma equipe treinando e me preparando para o Gauch�o, mas eu tenho medo. As equipes maiores seguem treinando durante a pandemia, mas as equipes do interior n�o conseguem fazer o mesmo”, desabafa Julia.
H� ESPERAN�A
Ainda assim, as atletas ressaltam que a modalidade fez grandes avan�os nos �ltimos anos. Em 2020, finalmente a CBF equiparou os pagamentos feitos aos jogadores e �s jogadoras das Sele��es Brasileiras Principais. Parece b�sico, mas at� ent�o nada garantia que as jogadoras e jogadores recebessem o mesmo valor pelas suas convoca��es.
Os pr�mios tamb�m eram diferentes – na Copa do Mundo de 2014, chegou a ser 17,5 vezes maior para os homens. Agora, as premia��es nos torneios ol�mpicos s�o iguais e s�o proporcionalmente equivalentes no campeonato mundial.
'Estamos caminhando para um futuro positivo para a modalidade. Mesmo com as dificuldades, algumas atletas est�o conseguindo ter carteira assinada, dizer que realmente vivem do futebol. N�o � nada comparado ao que acontece no futebol o masculino, mas est� acontecendo'
Ana Moura - meio campo
O investimento da CBF aumentou e o p�blico interessado pelo futebol feminino tamb�m. Em 2019, na oitava edi��o da Copa do Mundo de futebol feminino, 1,12 bilh�o de espectadores ao redor do mundo – somando p�blico de TV e de internet – assistiram ao campeonato, o que representa um aumento de 30% se comparado � edi��o m�dia registrada no Mundial de 2015.
“Estamos caminhando para um futuro positivo para a modalidade. Mesmo com as dificuldades, algumas atletas est�o conseguindo ter carteira assinada, dizer que realmente vivem do futebol. N�o � nada comparado ao que acontece no futebol o masculino, mas est� acontecendo”, diz Ana Maura.
AzMina entrou em contato com representantes das equipes do Vit�ria, do Canoas e do Cats, mas n�o houve resposta at� o fechamento desta reportagem.