
Parlamentares progressistas foram campe�s na defesa dos direitos das mulheres nos �ltimos quatro anos, mas elas tamb�m tiveram participa��o relevante nos ataques a essas garantias. Oito deputadas e tr�s senadoras est�o entre as 10 mais bem posicionadas em rela��o aos temas de g�nero em cada casa legislativa, de acordo com o ranking do Elas no Congresso de 2022, divulgado na segunda-feira (12/09).
Por outro lado, mesmo que ocupem somente 15% das cadeiras no legislativo federal e com uma �nica deputada entre os 10 congressistas com o pior desempenho, as pr�prias mulheres t�m 34,4% das atua��es desfavor�veis.
O ranking, que pode ser acessado aqui, mostra a petista Erika Kokay (PT-DF) na lideran�a, com 27 Projetos de Lei, todos favor�veis � causa feminina. Eles est�o distribu�dos em mais de dez temas, que v�o de proposi��es sobre viol�ncia contra a mulher at� quest�es de sa�de, economia e trabalho. A �ltima posi��o na C�mara tamb�m fica com uma mulher, a deputada Chris Tonietto (PL-RJ), autora de 20 projetos avaliados como desfavor�veis - 17 deles sobre aborto, maternidade ou direitos sexuais e reprodutivos.
No Senado, quem encabe�a a lista de atua��es favor�veis � Leila Barros (PDT-DF), com 11 PLs distribu�dos entre seis temas: viol�ncia contra a mulher, feminic�dio, licen�a-maternidade, economia, trabalho e educa��o. A �ltima posi��o fica com o senador Eduardo Gir�o (PODEMOS-CE), com quatro projetos desfavor�veis aos nossos direitos, sobre aborto, maternidade e microcefalia.

Na plataforma do Elas no Congresso, voc� pode acessar a p�gina de cada parlamentar e conferir as ementas de todos os projetos, as notas e a relev�ncia de cada proposi��o. O ranking parte de uma nota atribu�da � atua��o de cada um dos projetos de lei. As avalia��es foram feitas por 19 institui��es que atuam na �rea de direitos das mulheres no Brasil, sempre considerando a relev�ncia das propostas. Veja, ao final da mat�ria, mais informa��es sobre a metodologia do trabalho.
Mulheres conservadoras
Salta aos olhos um detalhe sobre a representatividade feminina na 56ª legislatura do Congresso Nacional. Apesar do aumento de mulheres na C�mara e no Senado, foi tamb�m a composi��o mais conservadora desde 1964, segundo o levantamento do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). Nesse cen�rio, a bancada progressista, mais do que atuar de maneira propositiva, trabalhou para frear ataques tanto do pr�prio Legislativo, quanto de outros poderes e organiza��es p�blicas e privadas.
Entre os projetos analisados pelo Elas no Congresso, pelo menos 33 proposi��es se dedicaram a sustar portarias e resolu��es do Minist�rio da Sa�de e do Minist�rio da Mulher, da Fam�lia e dos Direitos Humanos (MMFDH).
Em 2020, por exemplo, uma portaria do Minist�rio da Sa�de, n.º 2.561, criava uma s�rie de entraves para o acesso ao aborto legal no pa�s, como a obriga��o de notifica��o da autoridade policial. Ela s� n�o entrou em vigor devido ao Projeto de Decreto Legislativo 410/2020, que sustava seus artigos.
No texto do PDL, o grupo de parlamentares coautores pede o cancelamento da portaria, aponta sua “gravidade e flagrante inconstitucionalidade” e condena a conduta do poder Executivo: “a manobra de v�spera por parte do governo federal nitidamente consiste em usar dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres como barganha ou ‘Cavalo de Tr�ia’”.
Essa estrat�gia foi recorrente nos quatro anos de legislatura. “O que a gente teve foi um esfor�o para barrar retrocessos. As mulheres comprometidas com a agenda de g�nero lutaram e se coordenaram para isso. Mas � uma situa��o muito ruim, j� que temos um executivo que reafirma a desigualdade de g�nero como pol�tica p�blica - e uma pol�tica de destrui��o das institui��es que lutam por esta pauta”, avalia Danusa Marques, cientista pol�tica e professora do Instituto de Ci�ncia Pol�tica da Universidade de Bras�lia.
Al�m disso, alguns n�meros ajudam a tra�ar um panorama de como o Congresso olhou para as mulheres nesse per�odo. A atua��o foi muito mais intensa nos dois primeiros anos. Depois, houve uma queda de quase 40% no interesse pelas pautas relacionadas a mulheres - considerando os dados levantados at� o final do primeiro semestre, que j� indicavam a baixa no n�mero de proposi��es.

Apesar de estarem em desvantagem num�rica, as mulheres trabalham em mais projetos que os homens. Entre as 1023 proposi��es legislativas analisadas no Elas no Congresso, 91 senadoras e deputadas participaram da reda��o de 803 projetos, enquanto 318 homens s�o co-autores de 1077 -, lembrando que v�rios projetos s�o elaborados coletivamente por grupos de representantes. Cada uma delas atuou pelos nossos direitos em ao menos 8 projetos, contra 3 no caso dos homens.
O mesmo aparece quando olhamos para as Comiss�es. Em menor n�mero, cada senadora atua em 6 comiss�es, e cada deputada federal, em pelo menos 3, mas poucas conseguem espa�os de lideran�a. No Senado, somente K�tia Abreu (PP-TO) ocupou a presid�ncia de duas comiss�es ao longo do mandato - a Comiss�o Mista de Controle das Atividades de Intelig�ncia e a de Rela��es Exteriores e Defesa Nacional.
J� a C�mara chegou a ter mulheres no comando de 7 das 25 comiss�es permanentes, em 2021. Mas, atualmente conta somente com duas: Professora Rosa Neide (PT-MT), na Comiss�o de Cultura, e Policial Katia Sastre (PL-SP), na de Defesa dos Direitos da Mulher.

Al�m da sobrecarga, as discord�ncias pol�ticas e ideol�gicas tamb�m dificultam a atua��o feminina. “Em 2018, elegemos o pior Congresso de todos, at� pior que o de 2014. H� alguns quadros progressistas importantes, gente de primeiro mandato abertamente comprometida com uma causa pr�-igualdade de g�nero. Mas tivemos tamb�m mulheres de extrema-direita, com uma agenda abertamente neofascista. De maneira geral, foi uma coordena��o dif�cil”, complementa Marques.
Mulher vota em mulher?
51,8% da popula��o, 15% do Congresso. Os n�meros deixam claro que eleger mulheres � um passo importante na busca por equidade de g�nero, mas os dados do ranking tamb�m lembram do que disse L�lia Gonzalez, fil�sofa e antrop�loga brasileira. Para ela, essa hist�ria de que “mulher vota em mulher” era “papo furado”. Tem muito mais coisa para entrar nessa conta.
Como mostra o ranking, s�o necess�rias representantes com planos de governo voltados para a igualdade de g�nero em todas as esferas, que entendam a complexidade dos problemas das mulheres e saibam situar g�nero entre outras quest�es, com interseccionalidade. “Quem � a mulher brasileira, quais s�o os desafios situados das mulheres hoje? A candidata tem um contato com uma base social ou defende apenas seus pr�prios interesses de carreira pol�tica ou da sua classe? Isso pode ser um indicador de que a pessoa est� alinhada ao debate p�blico sobre igualdade, para al�m de uma posi��o cosm�tica de ser ‘pr�-mulheres’”, complementa Marques.
Para cargos do executivo onde muitas vezes sequer h� uma candidata mulher, um caminho poss�vel � votar em homens aliados das mulheres. Mas � no legislativo que reside a maior possibilidade de mudan�a. E tamb�m onde muitas pessoas escolhem seus representantes sem muito crit�rio.
Elei��o � um m�todo tradicionalmente aristocr�tico. Democracia significa que todo mundo tem o mesmo valor. Quando a gente olha para o parlamento e v� que a maioria da popula��o n�o est� representada, � um forte indicador de que as pessoas n�o est�o valendo a mesma coisa. Isso � d�ficit democr�tico”.
Elei��o � um m�todo tradicionalmente aristocr�tico. Democracia significa que todo mundo tem o mesmo valor. Quando a gente olha para o parlamento e v� que a maioria da popula��o n�o est� representada, � um forte indicador de que as pessoas n�o est�o valendo a mesma coisa. Isso � d�ficit democr�tico".
Danusa Marques, Cientista pol�tica e professora da UnB
Como, ent�o, eleger parlamentares que trabalhar�o, de fato, pelas mulheres? Dos 594 deputados e senadores em exerc�cio, 530 tentam reelei��o ou buscam cargos no legislativo estadual, ou no executivo. Assim, se sua candidata j� ocupou ou ocupa um cargo p�blico, d� pra fazer muitas perguntas: De que projetos de lei ela foi coautora? A que temas se dedicou? Quem ela apoiou? “Que grandes debates s�o importantes nos movimentos feministas e das mulheres organizadas? A representante busca esse di�logo? Ela prioriza a discuss�o sobre interseccionalidade, o di�logo com os diferentes feminismos? Se sim, isso mostra que ela est� alinhada com a discuss�o da sociedade civil”, aponta Danusa Marques.
A atua��o voltada para a realidade socioecon�mica brasileira tamb�m pode ser um indicativo importante. “As mulheres s�o o grupo social mais vulner�vel nesse momento em que as pessoas est�o passando fome no pa�s. A candidata est� pensando neste aspecto?”.
A especialista ainda refor�a que � importante ficar atenta ao esvaziamento do discurso do empoderamento feminino, que pode dar visibilidade a candidaturas de mulheres que, na verdade, atuam em prol dos homens. “Para usar o conceito da Wendy Brown, o que acontece � quase uma apropria��o atrasada do slogan ‘lugar de mulher � onde ela quiser’ pela raz�o neoliberal. Mas, � uma apropria��o que tira pot�ncia de mudan�a social dessas agendas”, explica, e cita como exemplo parlamentares que votam a favor do armamento da popula��o, de medidas punitivistas ou contra os direitos sexuais e reprodutivos.
Outro ponto para o qual Marques alerta � a autoafirma��o das candidatas pela linguagem da meritocracia. “Quando o slogan refor�a o individualismo e separa as vit�rias da candidata da experi�ncia coletiva. � tudo m�rito dela. � a self made woman. N�o deve nada para o coletivo e n�o vai ser cobrada em rela��o ao coletivo”, reflete Marques.
Para conhecer mais sobre os projetos das parlamentares que s�o candidatas, acesse o Elas no Congresso.