
Nasceu nua como qualquer ser humano.
O pai n�o se animou muito, esperava um
filho macho.
A vestiram com roupas cor de rosa.
Teve as orelhas furadas com poucas semanas de vida. N�o teve escolha.
Foi crescendo, e sendo vestida de roupas e de preconceitos.
Feche as pernas.
N�o provoque.
Comporte-se como uma dama.
Seja obediente.
N�o questione.
A adolesc�ncia chegou.
Depile-se!
S� os homens podem ter pelos.
Pelo em mulher � anti-higi�nico.
Corresponda ao desejo masculino. Mantenha o corpo liso, limpo como o de uma crian�a.
Estranhos desejos masculinos...
Foi treinada para n�o ter opini�o pr�pria, assim era mais f�cil obedecer ao pai, e depois ao marido.
Aprendeu a valorizar a fam�lia tradicional, a moral, os bons costumes.
Aprendeu que precisava de um homem para chamar de seu. Para amar e respeitar. E obedecer.
Foi adestrada.
Aprendeu a odiar o politicamente correto.
Se tornou a bela, recatada e do lar.
Foi bem adestrada.
Dizia que estuprador tem que apodrecer
na cadeia.
Se casou com aquele sujeito que a fam�lia achava que era bom partido, sem saber que ele gostava de sair com os amigos para dopar mulheres e praticar estupro coletivo.
Em bando, precisavam provar sua masculinidade violando mulheres.
Teve filhos e ensinou tudo que aprendeu a eles.
Fam�lia para ela era isso, m�e, pai e filhos. Duas m�es, dois pais, m�e solo, nenhuma dessas configura��es merecia sua considera��o, nem mesmo seu respeito.
Era pr�-vida! Mulher n�o pode abortar, pode dar o beb� para a ado��o.
Nunca soube que a irm� mais nova fez um aborto, a m�e, muito religiosa, n�o queria que a fam�lia passasse pela vergonha de ter uma filha solteira gr�vida.
Nunca cogitou adotar. Engravida quem quer!
Aprendeu que precisava estar � disposi��o do marido sempre que ele quisesse, ou ele iria atr�s de outra. Sempre esteve dispon�vel, mesmo quando n�o tinha vontade. Chegou a ter vontade? Estava sempre pronta, mesmo se ele chegava b�bado e a tomava com brutalidade. Mesmo quando sentia dor. Esposa tem
suas obriga��es.
A receita n�o funcionou para ela. O marido chegava tarde em casa, dizia estar trabalhando. Ela sabia que n�o era verdade, mas homens t�m suas necessidades. Ela devia estar fazendo algo errado. Ele era um homem de bem.
Procurava justificativas cada vez que ele gritava e a agredia. A culpa nunca era dele.
Seguiu julgando, ofendendo... Seguiu odiando tudo o que ela n�o podia ser. Se revoltando com a felicidade alheia, com a liberdade que as pessoas tinham de ser quem eram. Ela nem sabia quem era. Uma sombra do que poderia ter sido. Frustrada por n�o ter o amor que merecia ter. O amor pr�prio.
Quem n�o se ama, n�o � capaz de amar ningu�m.