
H� acerca de 30 anos, sabedor dos meus limites, solicitei ao meu velho amigo de peladas e professor do setor de ci�ncias exatas da UFMG, Professor Marcos, que me indicasse um especialista em estat�stica, para dar suporte a nossa equipe de Controle de Infec��es Hospitalares. De forma cautelosa, ele indicou um aluno de Engenharia Qu�mica para iniciar o suporte.
Ele entrou no carro e estamos viajando at� hoje. Essa pessoa � o Doutor em Bioinform�tica pela UFMG e especialista em Estat�stica Professor Br�ulio Couto, com o qual compartilho a maioria dos trabalhos cient�ficos.
Depois de todos estes anos, n�o me lembro de uma vez sequer que tenhamos feito uma reuni�o, ou uma simples conversa telef�nica, que n�o tivesse terminado em uma boa gargalhada.
Sempre tive a convic��o de que a interdisciplinaridade � fundamental para a constru��o do verdadeiro conhecimento. Lembro com saudade da equipe multiprofissional com a qual iniciei minha vida profissional na Diretoria Hospitalar da FHEMIG, a qual preserva esta caracter�stica at� os dias atuais.
Recentemente, o Br�ulio me apresentou um novo engenheiro, com o qual compartilhamos dados da COVID-19 e publicamos estudos epidemiol�gicos.
Trata-se do Professor Joaquim Jos� da Cunha J�nior, Engenheiro de Produ��o, Mestre em Produ��o e Log�stica e Doutor em Pesquisa Operacional, Professor Universit�rio do Curso de Medicina e Diretor Geral da Faculdade Santo Agostinho do Grupo Afya Educacional.
Um detalhe, n�o o conhe�o pessoalmente. S� nos vimos at� hoje por teleconfer�ncia. Este � mais uma caracter�stica do “novo normal” daqui para frente.
O professor Joaquim me enviou esta semana o brilhante texto que reproduzo aqui, provando que a constru��o do conhecimento deve ser necessariamente multiprofissional e interdisciplinar. Assim, fil�sofos, antrop�logos, historiadores, m�dicos, engenheiros, enfermeiros, poetas, m�sicos, etc s�o essenciais para o enfrentamento de problemas complexos como uma pandemia.
Nas sequ�ncia desta coluna, faremos uma viagem pelas diferentes especialidades que comp�em a equipe multiprofissional para tratar os in�meros problemas de sa�de que enfrentamos, particularmente, neste momento a COVID-19.
“Planejamento e implanta��o de a��es imediatas de combate ao COVID-19: � coisa de Engenheiro sim!
A pandemia ocasionada pelo novo coronav�rus (COVID-19) imp�e � sociedade contempor�nea a cria��o de solu��es para problemas que at� ent�o eram desconhecidos. Em ess�ncia, a engenharia deve, naturalmente, contribuir para a constru��o dessas solu��es por meio do emprego de todo o seu conhecimento cient�fico e a servi�o do conforto e desenvolvimento da humanidade. A falta de medidas farmac�uticas para o combate � desta doen�a e sua facilidade de prolifera��o obrigaram popula��es ao redor do mundo a se isolarem socialmente alterando a din�mica do com�rcio, ind�strias, educa��o e com grandes reflexos no quotidiano das pessoas.
Do ponto de vista das pol�ticas p�blicas de enfrentamento a pandemia, para al�m de toda a operacionaliza��o das atividades do sistema de sa�de em si, existem dois grandes desafios: primeiro, estimar o volume de pessoas que contrair�o a doen�a e seus respectivos impactos na capacidade de atendimento dos servi�os de sa�de e, segundo, avaliar a efetividade das pol�ticas p�blicas de enfrentamento (como, por exemplo, o uso de decretos que restringem o funcionamento do com�rcio e imp�em o isolamento social).
No que diz respeito ao primeiro desafio, que � estimar o volume de pessoas infectadas, a quest�o central � estabelecer uma metodologia trat�vel e confi�vel que permita projetar o volume de indiv�duos que ser�o infectados e os respectivos desdobramentos decorrentes dessas infec��es. Pacientes que contraem coronav�rus podem ser assintom�ticos, situa��es nas quais, embora, na maioria das vezes, n�o saibam que contra�ram a doen�a, podem contribuir de forma silenciosa para sua propaga��o. H� outros casos, por�m, em que os pacientes apresentam apenas sintomas leves, podendo, nesses casos, tratar da doen�a sem necessidade de buscar atendimento hospitalar. Uma parcela dos infectados se tornam pacientes com sintomas graves, situa��es que demandam atendimento m�dico-hospitalar e, por fim, h� os casos que evoluem para o quadro cr�tico, demandando terapia intensiva o que, no limite, � principal gargalo do Sistema �nico de Sa�de do Brasil dadas as limita��es de leitos de em CTIs e UTIs.
Esta proje��o, embora dependa de fatores muito espec�ficos como o per�odo de incuba��o da doen�a e sua infectividade, estudados pelos especialistas em infectologia, pode ser apoiada pelo emprego de t�cnicas suporte a decis�o frequentemente ensinadas e utilizadas no contexto da Engenharia. A Pesquisa Operacional, por exemplo, unidade curricular frequente nos cursos de engenharia e tecnologia e que re�ne um conjunto de t�cnicas para dar suporte a decis�es comuns no contexto de gest�o e opera��es como a sequ�ncia com que itens s�o produzidos em uma f�brica, a melhor forma de alocar recursos em um projeto o at� a constru��o de hor�rios de aulas em institui��es de ensino, pode e vem contribuindo para a constru��o de cen�rios de transmiss�o do COVID-19.
Com base nos dados de pa�ses que identificaram os primeiros casos da doen�a h� mais tempo que o Brasil como a China, Cor�ia do Sul e Estados Unidos e em um modelo epidemiol�gico compartimentado que divide indiv�duos de uma localidade em suscept�veis, expostos, infectados ou recuperados existe um grupo de trabalho que � liderado por dois engenheiros (o Engenheiro Qu�mico, Prof. Dr. Braulio Couto, pesquisador da Biobyte Sistemas e por mim, Engenheiro de Produ��o) e um m�dico infectologista (Dr. Carlos Starling, da Sociedade Mineira de Infectologia) que vem projetando cen�rios e apoiando as a��es de enfrentamento a doen�a. Basicamente, a metodologia se baseia em modelo matem�tico de otimiza��o n�o-linear (uma das t�cnicas da Pesquisa Operacional) que � capaz de estimar o n�mero b�sico de reprodu��o, tamb�m conhecido como R0, para diferentes fases da doen�a. Na pr�tica, utiliza-se uma t�cnica de minimiza��o dos erros existentes entre previs�es da quantidade de indiv�duos infectados e as quantidades que realmente ocorreram naqueles pa�ses cuja doen�a j� apresenta um hist�rico maior dado o intervalo de tempo transcorrido desde o registro do primeiro caso.
Com base nessa informa��o � poss�vel ent�o criar cen�rios para o avan�o da doen�a em diferentes localidades no Brasil. Essas proje��es permitem aos gestores p�blicos planejar, de maneira mais fundamentada, a��es futuras como a abertura de novos leitos hospitalares, aquisi��o de equipamentos de prote��o individual, respiradores ou at� mesmo, num cen�rio mais cr�tico, a demanda por sepultamentos ocasionados pelos �bitos oriundos da infec��o.
Outro aspecto importante � que o comportamento da curva de infectados pode mudar de acordo com a efetividade das pol�ticas p�blicas implantadas e tamb�m devido a fatores regionais como o clima, cultura e comportamento da comunidade. Nesse aspecto, o monitoramento da forma como a doen�a vem sendo transmitida tamb�m pode ser uma importante ferramenta de apoio no processo de gest�o dos atores p�blicos. A efetividade de um decreto que pro�be a abertura de com�rcio e restringe a circula��o das pessoas, por exemplo, � frequentemente questionada. Em Belo Horizonte, por exemplo, � poss�vel notar ap�s a implanta��o do primeiro decreto municipal restringindo o funcionamento de grande parte do com�rcio, houve redu��o importante do n�mero b�sico de reprodu��o da doen�a na cidade. Essa avalia��o se tornou poss�vel, novamente, pela utiliza��o de um modelo matem�tico capaz de calcular o valor instant�neo dessa constante R0 para cada dia desde o registro do primeiro caso. Al�m disso, para simplificar a sua an�lise e torna-lo uma ferramenta de monitoramento da evolu��o da transmissibilidade da doen�a, utilizou-se o conceito de m�dia centrada m�vel, comum em processos de planejamento da produ��o com base em s�ries temporais.
Assim � poss�vel, al�m de avaliar os reflexos (positivos ou n�o) das a��es que foram tomadas, realizar nossas proje��es do avan�o no n�mero de pessoas infectadas no futuro.
Uma outra discuss�o muito pol�mica que enfrentamos hoje diz respeito a efetividade ou n�o do isolamento social. Embora haja consenso entre os infectologistas acerca do potencial de redu��o da transmissibilidade da doen�a por meio dessa a��o, h� ainda quem discuta a sua aplicabilidade ou necessidade no Brasil. Nesse sentido, existe um estudo deste mesmo grupo denominado “Restri��es de mobilidade para o controle da epidemia de COVID-19”.
Esse estudo, que j� se encontra em fase final para publica��o, se baseia nos dados de mobilidade fornecidos pela Google em v�rias localidades do mundo. A partir desses dados e com a utiliza��o de ferramentas estat�sticas avalia a correla��o entre a redu��o do tr�nsito de pessoas e a transmissibilidade da doen�a.
Esse estudo, que j� se encontra em fase final para publica��o, se baseia nos dados de mobilidade fornecidos pela Google em v�rias localidades do mundo. A partir desses dados e com a utiliza��o de ferramentas estat�sticas avalia a correla��o entre a redu��o do tr�nsito de pessoas e a transmissibilidade da doen�a.
Esse estudo vem apontando que, estatisticamente, existe forte correla��o entre o percentual de isolamento social praticado pelos pa�ses e a redu��o na transmissibilidade da doen�a. Ou seja, em outras palavras, nos locais onde a popula��o praticou isolamentos mais severos o n�mero de novos casos avan�ou de forma mais controlada, implicando em n�meros b�sicos de reprodu��o mais baixos. Esse � um controle fundamental para reduzir o contingente de pessoas que contrair�o a doen�a e evoluir�o para casos que demandem atendimento hospitalar, terapia intensiva, ventila��o mec�nica e, consequentemente, o n�mero de pessoas que morrer�o em decorr�ncia do COVID-19.
Um aspecto bastante interessante desse estudo � que as novas tecnologias, principalmente aquelas embarcadas nos dispositivos m�veis e que hoje fazem parte do nosso quotidiano, permitem que avaliemos como est� o fluxo de pessoas com muita precis�o, permitindo que as an�lises sejam realizadas para diferentes locais dentro de um munic�pio, por exemplo, proporcionando ao gestor p�blico a possiblidade de planejar a aplicar diferentes a��es dentro de uma mesma cidade.
Em uma nova abordagem, que concentra grande parte dessas an�lises e tecnologias, o grupo est� criando uma esp�cie de term�metro da epidemia. Trata-se da uni�o de um conjunto de indicadores baseados nas ferramentas de controle de processos que est�o sendo empregados para permitir que a sociedade como um todo, mas, em especial, os gestores p�blicos acompanhem a evolu��o da doen�a nas suas regi�es e a como as a��es que vem sendo empreendidas est�o surtindo efeito ou n�o. A ideia (e o grande desafio) � aplicar t�cnicas e tecnologias complexas e de ponta para fornecer informa��es confi�veis por meio de indicadores que sejam de f�cil compreens�o.
Tudo isso aponta, mais uma vez, para o car�ter essencial da engenharia em nossa sociedade. Se, por um lado, existe uma discuss�o da import�ncia de estarmos preparados para reconstruir nosso pa�s ap�s a crise provocada pela pandemia, � preciso que entendamos cada vez mais a necessidade urgente do emprego da engenharia nas a��es de enfrentamento da doen�a. As repostas para os problemas ocasionados pelo COVID-19 e para outras perguntas que ainda nem conhecemos s�o complexas, tem natureza interdisciplinar e demandam a contribui��o dos v�rios campos do saber, com particular import�ncia para a Engenharia.
� preciso desenvolver projetos mais simples e baratos de ventiladores mec�nicos, criar e adaptar processos de produ��o para fabric�-los e regime de urg�ncia, gerenciar recursos escassos e oferecer mais leitos hospitalares, aplicar solu��es de log�stica para garantir que os insumos, em especial os EPIs, cheguem em tempo e quantidade nos locais onde s�o necess�rios (grande desafio em pa�ses de dimens�es continentais como o nosso) e, tamb�m, estar junto dos profissionais da sa�de empregando as tecnologias da engenharia no planejamento e implanta��o das pol�ticas p�blicas que reduzir�o as consequ�ncias da pandemia no pa�s. S�o demandas complexas e que exigem esfor�os em v�rios campos do saber, mas, que podem ser alavancadas pelo envolvimento cada vez maior dos nossos engenheiros.“