
Recado
“O portugu�s � uma l�ngua muito dif�cil. Tanto que cal�a � uma coisa que se bota, e bota � uma coisa que se cal�a.”
Bar�o de Itarar�
Castigo de Deus
A Terra tinha uma s� l�ngua e um s� modo de falar. Todos se entendiam. “Que monotonia”, bocejaram as criaturas. “Vamos agitar?” Pensa daqui, palpita dali, eureca! Decidiram construir uma torre que os levasse ao c�u. L� as coisas deveriam ser mais animadas. Deus, ao ver a ousadia, irou-se. O castigo veio r�pido – a cria��o de 6.800 l�nguas. Os pedreiros de Babel n�o entenderam mais o mestre de obras, que n�o entendeu mais o engenheiro, que n�o entendeu mais o arquiteto. O esqueleto ficou ali, inacabado. Babel virou substantivo comum. Significado: confus�o de l�nguas.
Puni��o
As pessoas se dispersaram. Pior: cada l�ngua recebeu puni��o � parte. O chin�s ficou com os milhares de ideogramas. O ingl�s, com a escrita diferente da pron�ncia. O franc�s, com a praga dos acentos. O alem�o, com as palavras coladas, t�o compridas quanto a cobra que tentou Eva no para�so. E o portugu�s? Ganhou o h�fen. Deus pegou um mont�o de hifens na m�o direita, um mont�o de palavras na esquerda e jogou tudo pro alto. O resultado? Baita confus�o. Algumas palavras se ligaram com h�fen (contra-ataque), outras n�o (contraindica��o). Outras dobraram letras (contrarregra). Por qu�? � o castigo do Alt�ssimo.
Eis a prova
Na segunda, o governo anunciou medidas para estimular a cria��o de empregos com carteira assinada. Os grandes beneficiados s�o os jovens. Viva! Quase um quarto dos brasileiros nessa faixa et�ria joga no time nem-nem – nem trabalha, nem estuda. Foi um au�. Jornais, r�dios, tev�s, sites anunciaram a inciativa. Uiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii! Trope�aram no castigo de Deus. O respons�vel pelo tombo foi o nome da novidade. Apareceram tr�s grafias. Uma: Programa Verde e Amarelo. Outra: Programa Verde-Amarelo. Mais uma: Programa Verde Amarelo.
E da�?
H� duas formas corretas:
1. Programa Verde e Amarelo – Assim mesmo, sem h�fen. O trio joga no time de p� de moleque, m�o de obra, testa de ferro, tomara que caia, dor de cotovelo, mula sem cabe�a. Antes da reforma ortogr�fica, essas palavras se escreviam com tracinho. Mas, como n�o h� bem que sempre dure nem mal que nunca se acabe, o elo bateu asas e voou. Adeus!
2. Programa Verde-Amarelo – A duplinha pertence � gangue de arco-�ris, beija-flor, guarda-roupa, porta-luvas, para-choque. Etc. e tal. A turminha se escrevia com h�fen. A reforma ortogr�fica respeitou-a. Manteve o tracinho.
Exce��o
Paraquedas se escrevia como as irm�s da mesma composi��o – para-choque, para-raios, para-lama, para-chuva, para-fogo, para-luz. Mas decidiu fazer gracinhas. Na hora da reforma, despencou do c�u diante dos acad�micos. Eles levaram tal susto que se esqueceram do h�fen. � o castigo de Deus.
Salva��o
Muitos escreveram Programa Verde Amarelo. Bobearam. Na pressa, nem se lembraram da bondade divina. O Senhor puniu, mas mostrou o caminho da salva��o – a consulta ao dicion�rio. No pai de todos n�s, est� a grafia nota 10. � s� abri-lo.
Flex�o
Verde � adjetivo. Amarelo tamb�m. Adjetivos compostos de adjetivo + adjetivo obedecem cegamente a uma regra. S� o segundo varia: bandeira verde-amarela, bandeiras verde-amarelas, programa verde-amarelo, programas verde-amarelos.
Leitor pergunta
O ministro da Educa��o, ao citar problemas do Enem, concluiu dizendo “tiveram muitos outros casos”. Ser� que ele esqueceu o uso do verbo haver ou nunca aprendeu a li��o?
>> Jo�o Moreira Coelho, Bras�lia
Algu�m disse que a l�ngua � um sistema de ciladas. Pensava, com certeza, no haver. O verbo ora � pessoal. Conjuga-se em todas as pessoas (hei, h�s, h�, havemos, haveis, h�o). Ora, impessoal. S� se flexiona na 3ª pessoa do singular. Foi a� que o ministro cochilou. No sono sem fim, trocou o haver pelo ter. Melhor tomar uma ducha fria e dizer com agrados a Cam�es, Machado, Graciliano: Houve muitos casos.