
N�o foi Donald Trump, mas Barack Obama, que encerrou quase meio s�culo da parceria informal entre EUA e China articulada por Richard Nixon em 1972. A cis�o era inevit�vel: um fruto do fim da Guerra Fria e da ascens�o chinesa � condi��o de pot�ncia global. Contudo, Trump conduziu a rivalidade estrat�gica ao campo da guerra comercial e, diante da resist�ncia chinesa, amea�a deflagrar uma guerra cambial. H� 90 anos, uma corrida ao fundo do po�o da mesma natureza desaguou na Grande Depress�o.
Se Trump n�o fosse o Tariff Man, como se intitulou, formaria uma extensa alian�a de pot�ncias para obrigar a China a desviar-se da pr�tica de viola��es da propriedade intelectual das empresas estrangeiras que operam em seu territ�rio.
Mas, inspirado por assessores como Peter Navarro e Robert Lighthizer, o presidente americano segue a estrela do nacionalismo econ�mico primitivo. Nessa moldura, o d�ficit no interc�mbio de bens, um espelho da pujan�a econ�mica dos EUA, converte-se no mal a ser erradicado. Sob o fetiche do d�ficit, seu governo empurra o mundo para o abismo de uma recess�o geral.
A guerra comercial diminui a renda de americanos e chineses. Na ponta dos EUA, as tarifas impostas sobre produtos chineses equivalem a um forte aumento de tributa��o sobre os consumidores. Na ponta da China, reduzem as taxas de crescimento econ�mico, provocando desvaloriza��o da moeda. Mas, por fatores pol�ticos, n�o se concretiza a expectativa racional de um acordo de paz comercial.
Trump segue obcecado com o d�ficit e aposta nos dividendos eleitorais do confronto com o “inimigo externo”. Xi Jinping n�o pode retroceder sem macular a imagem de l�der inconteste, “o segundo Mao”, elaborada para entroniz�-lo como presidente eterno, especialmente no momento em que enfrenta o desafio da revolta em Hong Kong.
“Guerras comerciais s�o f�ceis para vencer”. A resist�ncia chinesa, expressa em restri��es �s importa��es de produtos agr�colas americanos, transforma a declara��o original de Trump num espectro que o atormenta. Diante do fracasso da ofensiva tarif�ria, seu governo deixa-se seduzir pela tenta��o da escalada rumo � guerra cambial. Depois de qualificar a China como “manipulador cambial”, a Casa Branca pressiona o Fed (banco central dos EUA) a desvalorizar o d�lar, �s custas de brusca redu��o dos juros e, talvez, da compra em massa de moeda chinesa. Se o Fed ceder, tornando-se um utens�lio das pol�ticas presidenciais, manchar� a credibilidade dos mercados de capitais dos EUA e da pr�pria moeda do mundo.
A China manipulou o c�mbio, mas apenas at� 2010. De l� para c�, pelo contr�rio, o governo chin�s promoveu a aprecia��o do renminbi, a fim de atrair investimentos. A decis�o recente de permitir a desvaloriza��o para al�m da fronteira simb�lica de sete iuans por d�lar � consistente com a retra��o das taxas de crescimento chinesas. Ela suaviza os efeitos das tarifas de Trump e impede uma redu��o significativa do d�ficit americano. Mas, sobretudo, prepara a economia da China para uma guerra comercial prolongada.
A hipot�tica eleva��o do conflito ao patamar de guerra cambial destruiria o j� fr�gil equil�brio da economia global. A moeda chinesa experimentaria novas desvaloriza��es e, refletindo as baixas taxas de crescimento na Europa, o euro seguiria pelo mesmo caminho, numa espiral de contra��o irresist�vel. O sistema internacional das economias abertas criado no p�s-guerra sucumbiria � puls�o nacionalista da maior pot�ncia mundial.
A tormenta pega o Brasil no contrap�. “Cada vez mais apaixonado por Trump”, o governo Bolsonaro sabota nossa rede multidirecional de rela��es externas, hostilizando a Uni�o Europeia, a China, a Argentina, o Ir� e os pa�ses �rabes. Na hora da guerra econ�mica total, corremos voluntariamente o risco de figurar no registro das “baixas colaterais”.