
No seu discurso na ONU, ela acusou os governos do mundo inteiro de “roubar meus sonhos e minha inf�ncia com suas palavras vazias” sobre as mudan�as clim�ticas. Greta, por�m, n�o representa a maior parte dos adolescentes do planeta, nem os adolescentes de tantas gera��es anteriores que experimentaram car�ncias vitais.
A hist�ria pessoal e familiar ajuda a decifrar o tom chantagista de seu discurso. H� quatro anos, movida por uma obsess�o precoce pelo aquecimento global, Greta convenceu seus pais a se tornarem veganos e a renunciar a viajar de avi�o, o que cortou a carreira internacional de sua m�e. Para a persuas�o familiar, contribuiu o diagn�stico de que a pr�-adolescente sofria de um transtorno do espectro do autismo. Da fam�lia para o mundo –no palco iluminado da ONU, Greta realiza um salto acrob�tico destinado a fracassar.
“Por mais de 30 anos, a ci�ncia tem sido cristalinamente clara.” Tr�s d�cadas – a eternidade para quem tem 16 anos – s�o nada na escala do tempo geol�gico e um intervalo �nfimo na hist�ria humana. A tend�ncia de aquecimento global inscreve-se tanto no ciclo natural do interglacial em curso, iniciado 15 mil anos atr�s, quanto na emerg�ncia da economia industrial, em meados do s�culo 19. O consenso cient�fico diz que a contribui��o humana � decisiva. As mesmas tecnologias e modos de produzir que al�aram a maior parte da humanidade acima do patamar da fome cr�nica provocaram a eleva��o das emiss�es de gases de estufa.
A hist�ria recente pode ser contada a partir de um gr�fico de temperaturas globais. As devasta��es das duas guerras mundiais retardaram o aquecimento. A aus�ncia de guerras gerais est� na base da anomalia positiva de 0,17oC por d�cada registrada desde 1970. A ascens�o da China � fator crucial para entender a dram�tica anomalia positiva de 0,43oC verificada entre 2008 e 2017. A nova pot�ncia tornou-se o maior emissor absoluto de gases estufa – e, ao mesmo tempo, tirou centenas de milh�es de crian�as da mis�ria.
As Gretas chinesas, asi�ticas, africanas, latino-americanas n�o t�m motivos para dizer que seus sonhos e inf�ncias foram “roubados” pela economia de alto impacto clim�tico. A ECO-92, o Protocolo de Kyoto e o Acordo de Paris s�o mais que “palavras vazias”.
O discurso de Greta flutua acima da hist�ria, ignorando os interc�mbios econ�micos envolvidos na equa��o do desenvolvimento sustent�vel, e paira al�m da pol�tica, colocando no saco gen�rico de “traidores” os governos engajados em custosos programas de transi��o energ�tica e os l�deres que, como Donald Trump e Jair Bolsonaro, se escondem nas profundezas do obscurantismo. O mundo deve se tornar vegano agora mesmo, adotando a meta de saldo zero de emiss�es em uma d�cada, algo que s� estaria ao alcance de uma ditadura totalit�ria global.
O movimento ambientalista escolheu dirigir-se ao mundo pela voz de Greta, numa t�tica que busca circundar um debate complexo entre adultos. “Como voc�s ousam?”, exclamou a jovem na ONU, quando a pergunta certa �: “Quem ousar� contestar as palavras emanadas de uma adolescente pura que clama apenas pelo belo e pelo justo?”. A fuga da pol�tica, contudo, convida a pol�tica a ressurgir, pela porta do populismo.
A ci�ncia est� certa ao alertar para a urg�ncia das mudan�as clim�ticas – e as principais v�timas do fen�meno ser�o as atuais crian�as pobres dos pa�ses mais pobres. Mas, ao escolher o caminho do simplismo, do fundamentalismo clim�tico, da utopia pr�-pol�tica, o movimento ambientalista fecha-se num confort�vel gueto sueco, renunciando ao debate efetivo que se trava contra o “soberanismo” negacionista.
Com quantas Gretas se faz um Ricardo Salles?