Boris Johnson obteve maioria absoluta no Parlamento brit�nico, mas a vota��o dos conservadores aumentou em apenas 1,2 ponto percentual. Na raiz do triunfo, encontra-se o colapso da oposi��o trabalhista, que perdeu 7,8 pontos percentuais. A absten��o saltou de 22%, em 2017, para 33%, agora. Os eleitores descontentes ficaram em casa, para n�o votar em Jeremy Corbyn. A esquerda elegeu a direita.
H� pouco, participei de uma confer�ncia internacional no Marrocos. Num dos pain�is, dedicado � crise das democracias, uma jovem expositora, l�der de uma ONG indiana, foi indagada sobre as iniciativas do governo de Narendra Modi. Ela circundou a pergunta, optando por um discurso ensaiado. Mencionou estat�sticas acerca das car�ncias da popula��o jovem do mundo e, quase aos gritos, proferiu sucessivas exig�ncias iniciadas sempre pela frase "N�s temos o direito" – a isso, aquilo e aquilo outro.
O "n�s" da expositora significava "n�s, jovens do mundo todo". Ningu�m a elegeu como representante, mas ela pratica o discurso identit�rio, esporte da moda. A reivindica��o de direitos pertence � tradi��o democr�tica moderna, respons�vel pela progressiva amplia��o dos direitos pol�ticos e sociais.Contudo, sua autoproclamada representatividade pertence a uma gram�tica autorit�ria p�s-moderna. Justamente por exibir-se como porta-voz de uma vasta e heterog�nea parcela da humanidade, a jovem n�o aceita inscrever suas reivindica��es no campo das complexas transa��es pol�ticas da democracia. Os berros da esquerda elegem a direita.
A revista Time nomeou Greta Thunberg personalidade do ano. A adolescente sueca acredita na ci�ncia, ao contr�rio dos negacionistas que governam os EUA e o Brasil. Por�m, como a jovem indiana, despreza a pol�tica, classificando tudo que fique aqu�m das exig�ncias m�ximas do movimento ambientalista como "palavras vazias".
Nos EUA, Trump aposta sua reelei��o no "pa�s profundo" do carv�o e do petr�leo. Na Fran�a, Macron tentou estabelecer uma taxa verde sobre os combust�veis f�sseis, mas teve que recuar diante da press�o dos coletes amarelos. Na COP-25, n�o se obteve nem um acordo sobre o mercado de carbono. Greta fala s� para convertidos.
Corbyn anunciou a "Revolu��o Industrial Verde" do Partido Trabalhista num encontro com Greta. O l�der brit�nico joga em diversas posi��es. Anos atr�s, enaltecia Hugo Ch�vez e flertava com a vers�o esquerdista do antissemitismo. Seu manifesto eleitoral radical, junto com suas ambiguidades sobre o brexit, provocou a maior derrota trabalhista desde 1935.
Os trabalhistas ganharam a ades�o entusiasta da juventude urbana de classe m�dia, mas romperam o di�logo com a massa de eleitores que rejeitam a velha f�rmula econ�mica estatizante. A esquerda dura e pura elegeu um governo nacionalista, xen�fobo e antieuropeu.
A esquerda americana inspira-se nos conceitos de Corbyn e no m�todo discursivo de Greta. Os pretendentes democratas Bernie Sanders e Elizabeth Warren recusam a ideia de reforma imigrat�ria, em nome da descriminaliza��o da imigra��o ilegal e da aboli��o da ag�ncia nacional imigrat�ria.
Tamb�m querem educa��o superior gratuita para todos e a anula��o universal das d�vidas de cr�ditos estudantis. A deputada Ocasio-Cortez, �cone da ala esquerdista, rotulou a proposta de expans�o dos subs�dios educacionais apenas para os menos ricos, formulada pelos pr�-candidatos moderados, como "conversa fiada republicana".
A cat�strofe trabalhista brit�nica n�o abalou os ativistas americanos. Presos �s bolhas das suas redes sociais, eles engajaram-se na miss�o de torpedear os candidatos democratas capazes de conversar com os eleitores do Cintur�o da Ferrugem que derrotaram Hillary Clinton em 2016. Sua chapa dos sonhos � Sanders/Warren, os her�is tribais dos campi universit�rios. Trump, n�o por acaso, acalenta o mesmo sonho.