Os senadores americanos juraram, de acordo com a Constitui��o, fazer "justi�a imparcial" no julgamento de Donald Trump. Mas Mitch McConnell, l�der republicano no Senado, proclamou que conduziria sua bancada em "total coordena��o" com o pr�prio Trump. Antes da primeira sess�o, McConnell confessou perj�rio: "N�o sou um juiz imparcial. Este � um processo pol�tico. Impeachment � uma decis�o pol�tica". A democracia americana sair� menor do processo.
O instituto do impeachment deita ra�zes na Inglaterra do s�culo 14. Michael de La Poe, ministro de Ricardo 2º, sofreu impeachment, em 1386, por nomear funcion�rios incompetentes. O bispo John Thornborough foi impedido, em 1604, por escrever um livro controverso sobre a uni�o com a Esc�cia. N�o faltaram casos de impeachment por ofensas como a demiss�o de bons magistrados ou oferecer conselhos ruinosos ao rei.
Nos EUA, a tradi��o brit�nica foi recolhida, mas conheceu restri��es. O impeachment s� atingiria autoridades acusadas de "crimes e delitos s�rios". Contudo nunca foi circunscrito a atos criminosos, na acep��o judicial do termo. O crit�rio americano destina-se a evitar que uma alta autoridade tire proveito do cargo para, violando leis, expandir seu poder pessoal ou perpetuar o poder de seu grupo pol�tico.
O impeachment � uma ferramenta de �ltima inst�ncia de defesa da democracia. Nos regimes presidencialistas, serve como vacina parlamentarista aos excessos do chefe de Estado. McConnell tem raz�o quando o qualifica como "uma decis�o pol�tica": o Congresso tem a prerrogativa de avaliar quais atos ajustam-se � defini��o constitucional. Por aqui, sob esse aspecto, as coisas funcionam do mesmo modo: o impeachment de Dilma, assim como o de Collor, seguiu a Constitui��o, diga o que disser o PT.
Ao importarem o instituto do impeachment, os arquitetos da Constitui��o americana tinham em mente, precisamente, casos como o de Trump. O presidente � acusado de chantagear o governo ucraniano, usando a ajuda militar ao aliado como moeda de troca para obter uma declara��o desabonadora sobre os neg�cios de Hunter Biden, filho de seu mais prov�vel desafiante eleitoral. No Brasil, Dilma foi acusada de infringir a lei fiscal, um expediente que lhe propiciou mascarar desequil�brios or�ament�rios e autorizar gastos capazes de melhorar suas perspectivas eleitorais.
O impeachment circula na esfera pol�tica, mas n�o � um jogo partid�rio. O juramento constitucional exige que, durante o julgamento, os representantes do povo suspendam suas lealdades partid�rias. O perjuro McConnell, por�m, orientou a maioria republicana a impedir a argui��o de testemunhas ""e quase toda a bancada o seguiu, bloqueando a convoca��o de John Bolton. O ex-conselheiro de Seguran�a Nacional testemunharia, como indicam vazamentos de um livro seu ainda no prelo, que Trump coordenou pessoalmente os atos de extors�o. A "justi�a imparcial" foi substitu�da por um c�nico processo de acobertamento.
A natureza pol�tica do impeachment tem uma dimens�o que vai al�m dos textos legais: presidentes s� sofrem impedimento quando perdem as condi��es para governar. O Congresso rotulou as "pedaladas fiscais" de Dilma como crime de responsabilidade porque as ruas e as pesquisas atestaram que seu governo convertera-se numa pilha de ru�nas. Trump, pelo contr�rio, conserva o apoio de dois quintos dos americanos. As sondagens indicam que uma significativa maioria condena a chantagem contra a Ucr�nia ""mas, diante da proximidade das elei��es, quase metade dos eleitores rejeita seu afastamento do cargo.
Trump fica, pois o impeachment � "um processo pol�tico". Deixa como heran�a a desmoraliza��o do instituto do impeachment, rebaixado pelos republicanos � condi��o de disputa partid�ria. Os americanos decidir�o, nas urnas, se aceitam a amputa��o de sua democracia.