
O governo Bolsonaro odeia o jornalismo profissional. No caso da jornalista Patr�cia Campos Mello, por�m, o caso � visceral. Na campanha de 2018, Bolsonaro declarou uma "guerra" � imprensa, dando a senha para uma enxurrada de cal�nias e amea�as � rep�rter que investigava a m�quina eleitoral de difus�o de fake news. Agora, na CPMI das Fake News, Eduardo Bolsonaro apoiou-se nos ombros de um pulha para, num exerc�cio de covardia, atingir sua integridade pessoal. N�o � casual: Patr�cia cometeu o pecado capital de invadir uma redoma proibida, expondo os contornos da f�brica da "guerra da informa��o". Nesse passo, mostrou o caminho que a imprensa precisa seguir, se pretende sobreviver.
Fake news s�o o complexo de not�cias falsas, opera��es de difama��o e campanhas de promo��o do �dio que ganhou dimens�es in�ditas com a universaliza��o da internet. O fen�meno novo � a sofistica��o do arsenal empregado na guerra virtual da informa��o. No in�cio, mais de uma d�cada atr�s, tudo se resumia a blogueiros de aluguel recrutados por partidos pol�ticos para o trabalho sujo na rede. A imprensa, ainda soberana, decidiu ignorar o ru�do perif�rico. Hoje, o panorama inverteu-se: a verdade factual sucumbe, soterrada pela difus�o globalizada de fake news.
Os jornais converteram-se em an�es na terra dos gigantes da internet. Nos EUA, entre 2007 e 2016, a renda publicit�ria obtida pelos jornais tombou de US$ 45,4 bilh�es para US$ 18,3 bilh�es. Em 2016, o Google abocanhava cerca de quatro vezes mais em publicidade que toda a imprensa impressa americana – e isso sem produzir uma �nica linha de conte�do jornal�stico original. O novo sistema, baseado na elevada rentabilidade da fraude, descortinou o caminho para a aboli��o da verdade factual na esfera do debate p�blico.
A fabrica��o de fake news tornou-se parte crucial das estrat�gias de Estados, governos, organiza��es terroristas e supremacistas. A China, que prioriza o p�blico interno, e a R�ssia, que se dirige principalmente � opini�o p�blica europeia e americana, s�o atores centrais nesse palco. Gra�as ao Facebook, as For�as Armadas de Mianmar deflagraram uma eficiente campanha de limpeza �tnica contra a minoria rohingya e o governo nacionalista indiano consegue inflamar a xenofobia contra os mu�ulmanos de Assam (leia aqui: bit.ly/2HhqJUW).
Perde-se no passado o esfor�o amador do PT para criar um Pensador Coletivo por meio de n�cleos de militantes treinados no que o respons�vel pelo setor classificou como "guerra de guerrilha da internet". Atualmente, no mundo todo, governos e partidos populistas, na direita e na esquerda, empregam aparatos especializados na difus�o massiva de fake news. O governo Bolsonaro estabeleceu, com verba p�blica, dentro do Planalto, um "gabinete do �dio" destinado a coordenar sua "guerra da informa��o". No fim, o que est� em jogo � o funcionamento da democracia, como explica o jornalista Eug�nio Bucci no livro Existe democracia sem verdade factual?".
A imprensa tamb�m est� em perigo, junto com a democracia. Se, no plano dos fatos, verdade e falsidade tornam-se narrativas indistingu�veis, o jornalismo profissional perde seu objeto. Da�, emerge uma nova miss�o jornal�stica: pautar as fake news, como se pautam pol�ticas p�blicas, elei��es, debates parlamentares, guerras reais, inunda��es.
A checagem ritual de not�cias falsas, iniciativa �til, � totalmente insuficiente. No campo anal�tico, trata-se de iluminar os sentidos pol�ticos das campanhas de fake news, evidenciando suas estruturas de linguagem, seus alvos imediatos e suas metas estrat�gicas. No campo investigativo, � preciso descerrar o v�u que cobre as engrenagens de fabrica��o das fake news, expondo os atores pol�ticos e empresariais envolvidos na guerra contra a verdade. Patr�cia engajou-se nisso – e, por isso, virou alvo.