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Estado de Minas ESPUMA ESSENCIAL

Ao cervejar, beba da complexidade, mas n�o se esque�a do que � simples

Aulas e mais aulas, ela formou sua alma cervejeira na soma de erros e acertos


postado em 31/01/2020 04:00


Entre um assunto de fam�lia, amenidades sobre o clima, lindezas da m�sica, meus doces preferidos de inf�ncia, tia Marina joga a pergunta que a gente pode responder com complexidade ou simplicidade.

– O que anda fazendo da vida, menina?
Fui no simples:
– Ah, muita coisa, tia. At� cerveja.
A cara de espanto.
– Cerveja? E foi parar nisso como?

Par�nteses para o momento remember. Foi pensando em levezas quase juvenis que parti para aquele que seria meu batismo cervejeiro. A primeira aula sobre o gr�o de magia que me fascinara fazia tempos e, deixando pra semana seguinte, pro m�s que vem, dois ou tr�s anos j� haviam se passado. Mas, finalmente, era eu ali. Admito que metida num certo desconforto. Giro minucioso � volta,
27 presentes, somente duas garotas.

Claro, ampliava meu grau de ansiedade. Me conhecessem, saberiam que aquele gesto de enla�ar e desenla�ar o cabelo entre os dedos era sinal mesclado de ligeira euforia e uma sombra de medo do desconhecido. Normal. Pensei em como seria f�cil se valessem aquelas bobagens de quinta s�rie, de dormir com um livro sob o travesseiro pra despertar na manh� seguinte com todos os conhecimentos que ele levava. Eu me embalava nessas inoc�ncias, quando o professor se apresentou. Exalava serenidade. Gostei. E prometeu logo quebrar tabus.

– Fazer cerveja � mais simples do que imaginam.

Vi o rosto do grupo, como o meu, se desarmando e ganhando uma luz que parecia ser a chave para todos os problemas do mundo. Vieram os relatos dos primeiros vest�gios sobre a bebida, Sum�ria, Baixa Mesopot�mia... E os olhos se embriagando naquele mar de novidades. Gr�os, a��car, fermenta��o. N�o demorou a que surgisse uma refer�ncia rel�mpago a cadeias de carbono e notei certo desconforto que n�o era s� meu. Biologia e qu�mica num enrosco que come�ava a soar indigesto.

Ao que o professor entrou de novo em cena, fixando-se nos candidatos a cervejeiros:

– Fazer cerveja � mais simples do que imaginam.
U�, mas j� n�o tinha dito aquilo?
J�, mas agora veio carregado de uma frase complementar:
– Mas fazer cerveja boa � mais complexo do que se possa pensar.

Ah, bommmm... Ah, ruimmmm...  A fei��o coletiva passou do modo “feliz” ao “preocupado” num piscar de olhos. E ficaram mestre e alunos se mirando num sil�ncio prolongado, at� que do fundo veio o questionamento t�o necess�rio quanto tolo:

– Mas n�o tem jeito mais f�cil?

Instaurou-se momentaneamente uma atmosfera de gelo, como que petrificando o ambiente.

– Tem. � comprar pronto.
A turma riu, relaxou.
– Mas imagino que tenham vindo aqui pra se colocar diante de um desafio que caminha com o Homem desde sempre, pensando at� a partir da l�gica primitiva. O de dominar a mat�ria. O de ter a capacidade transformadora. O de se tornar senhor dos sabores. O de controlar o poder do fogo. O de dar temperos novos ao mundo.

Exagero? Ret�rica teatral? N�o. Bela met�fora. O burburinho agora era de declarado orgulho entre os que estavam ali. Eu j� ia me entregando uma vez mais ao esp�rito desarmado, quando o mestre retomou a palavra.

– Encham-se de conhecimento, levem alquimia aos panel�es cervejeiros, mas cuidem-se. Pode parecer contrassenso, mas n�o permitam que a complexidade sufoque delicadezas que navegam ali perto do que � simples.

Aulas, aulas e mais aulas, e aquela frase jamais me saiu da cabe�a. E fui formando minha alma cervejeira da maneira que me deixava mais confort�vel: na soma de erros e acertos. Acho que, enfim, me encontrei, ora navegando nas formula��es complexas, ora nas margens da simplicidade.

Volto a tia Marina, h� meio s�culo bebedora feliz e desavisada das cervejas com que as companhias gigantescas inundam o mercado, me perguntando sobre aquela “del�cia” que eu tinha posto em seu copo. Era uma Vienna Lager. Delicada, beirando o �mbar.

– Diferente de todas, menina. Gostinho bom. Fez tudo sozinha? Me fala um pouquinho dela.

Pensei, e s� pensei, no equil�brio entre malte e l�pulo, nas notas levemente tostadas, na refresc�ncia. Mas preferi buscar ref�gio na simplicidade.

– Cerveja pra deixar a gente feliz, tia.

Ela sorriu. As fei��es lembravam minha m�e. E terminou por iluminar minha manh� de domingo:
– Te ensinaram m�gica l� nesse curso, n�, minha bruxinha linda. Te ensinaram m�gica.

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