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Estado de Minas

Se for beber uma com o primo Jovelino, prepare-se para a surpresa

Depois de resgatar algumas pecinhas e montar mangueirinhas no balde, ele foi testando. Errando, errando...


postado em 14/02/2020 04:00

Em sua perp�tua mansid�o, primo Jovelino tirava ali pelo vig�simo lambari do anzol, quando balbuciou uma de suas frases surpreendentes. Eu distra�do, conferindo as �guas ainda barrentas do Paraopeba:

– Tou aprendendo a fazer cerveja.

Em condi��es normais, seria para assustar. Mas, se o assunto era o primo Jovelino, n�o haveria raz�es para assombro. Ali no Afogadilho do Azul�o, em que as notas do vento faziam a orquestra��o de sonoridades, ele cabia com perfei��o num desses perfis que dariam estudo sociol�gico. Cedo, ergueria de casinhas a instrumentos e utens�lios de bambu com maestria �mpar. Adolescente, tendo crescido sem energia el�trica, era o rei dos consertos: ferro, liquidificador, pequenas bombas. Improvisava ferramentas. Sabia, orgulhoso, o roteiro das constela��es. E como aprendera? Tinha resposta padr�o:

– Fu�ando.

Assim, a revela��o sobre cerveja chegava com naturalidade. Mas bateu curiosidade.

– Como aprendeu, primo?

– Fu�ando.

Respondeu sem levantar os olhos da vara, que anunciava um peixe mais. Eu esperando os porqu�s, ele mudo. Rosto tostado, vincado, a barba ralinha. E aquelas pontas dos dedos que pareciam carregas n�doas seculares. Um efeito, sem trocadilho, de quem punha a m�o na massa.

– Mas, primo, voc� falou, falou, falou e n�o disse por que, afinal, cerveja artesanal aqui...

Me abreviei a tempo e evitei a express�o fim de mundo. Talvez tenha sido o primeiro momento em que se concentrou para o di�logo, dois dias depois de minha chegada pra essas visitas que a gente faz a esmo. Tirou o chap�u e aquilo acentuava a express�o de envelhecimento. Teria seus 70 e poucos anos. Como o tempo voara. Me vinha � lembran�a ele � vila, tratado como um louco manso, quando o sintoma era de incompreendida genialidade. Tinha, desde sempre, meu sentimento de afetividade e um naco de compaix�o.

– Vi um dia na TV, uma outra vez no computador do Ab�lio, meu mais novo, e resolvi fazer.

– Pera�, pera�... Sem ser chato, me disse como, mas continuou sem dizer o porqu�.

– Sei l�... C� sabe como eu gosto de engenhocas. Fui num desses alambiques, resgatei umas pecinhas, montei umas coisinhas num balde, umas mangueirinhas. Fui testando. Errando, errando... At� ficar bom.

– Mas podia ter sido cacha�a...

Primo Jovelino me virou os olhos como fuzilasse. Eu me retra�, imaginando ter dito alguma bobagem.

– Menino, menino, c� j� me viu gostar de coisa f�cil. Eu quero � boi brabo! Cascavel! Su�uarana!
Da� me lembrou de um amigo folcl�rico e de sua frase j� meio batida: ‘Tomo mel n�o. Como � a abelha viva!’.

– Bacana, primo. Agora, eu aqui desde ontem e custou tanto a falar da cerveja! Bora experimentar. E que estilo �?

– Acho que �... Pirsi. Entendeu? Pirsi.

Combinad�ssimo. Ri baixinho. Subimos a serrinha com os lambaris a tiracolo. Caminhada de uma meia horinha. Calor de Saara. E eu sem parar de pensar na gelada. Mesmo sob ligeiro receio dos resultados. Ou de algumas estranhezas com que j� surpreendera visitantes. Carne de cobra num almo�o. Bagos de boi em outro. Aperitivos � base de ovo cru. Saladas de urtic�ria. J� acomodados, o descampado revelando a beleza instigante do lugar, respirei aliviado � senha:

– Bora preparar logo esse peixe.

Ufa! Livre de exotismos. Frito. Sequinho. Crocante. E, opa, a cerveja. Primo Jovelino a puxou da geladeira, meu ar de expectativa transbordando. Ops!!! Garrafa com rolha dessas convencionais, doido?? Me cuidei a que n�o revelasse espanto, e nem cabiam descortesias a quem acolhia com tanta generosidade. Eu levando a m�o ao recipiente, ele atalhou-me pelo pulso.

– Calma, calma. Tem o ritual.

– Ritual? Que ritual?

Perguntei, e n�o sei se a voz acusava o tom de desconforto. Ele sentou-se � minha frente. Tirou o chap�u. E descreveu, numa espontaneidade s� dele, como quem desatasse os n�s dos sapatos.

– Dia desses, vi a� na TV um sujeito que ganhou uma corrida, acho que de F�rmula 1, sei l�. Abriu aquele garraf�o, despejou na bota e bebeu.

Arregalei os olhos, incr�dulo. Credo. S� podia ser brincadeira. Mas n�o. Ele se descal�ou repentino.

–Aqui a gente bebe a primeira � na botina...

Caralhoooooo. Devia ter escutado o mano Arnaldo. Repetidamente, ele recomendou antes da viagem:

– Olha, se visitar o Jovelino, passa s� pra uma �gua, e olhe l�! O bicho � doido, completamente doido....

Esta coluna � publicada quinzenalmente

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