
– Opa, um bamba da cerveja artesanal no Brasil por aqui!
Ele, simp�tico, se virou, agradeceu o elogio e me deu um tapinha no ombro, como quem prepara a escapada. Segurei discretamente a manga do palet� dele e, digamos, fui � jugular.
– O senhor tem cervejas maravilhosas, mas, no fundo, estou no time dos que acham que suas vers�es sobre elabora��o de cervejas s�o pura fantasia.
Foi o bastante para o semblante se fechar no modo tempestade.
– N�s j� nos conhecemos de algum lugar?
– Sei quase tudo sobre o senhor, mas certamente o senhor nada sabe sobre mim.
Fosse no Velho Oeste, logo estar�amos brandindo armas com a surrada cena do vento carregando arbustos e o barbeiro espiando pela janela indiscreta.
– Do que, afinal, o senhor est� falando? Como se chama mesmo?
– Vin�cius, ou Vini, se preferir.
Achei que talvez fosse aconselh�vel medir as palavras, a n�o sugerir que ele estivesse mentindo, mas romantizando suas vers�es. E ainda n�o contaria que era jornalista buscando uma entrevista por vias pouco convencionais.
– Eu disse que o senhor tem cervejas �timas e hist�rias mais fant�sticas do que elas, como essa da cachorra que ajuda nas receitas.
Ele ficou rubro. Agora a veia j� lhe saltava ao pesco�o, real�ando a pele clara.
– Olha aqui, seu, seu, seu... T� sugerindo que eu minto?
– N�o, claro que n�o. Mas que folcloriza, n�o d� pra negar. O senhor � Romeu, a cachorra � Julieta e fazem boas cervejas juntos... T� bom...
Ele respirou ofegante. Bateu as m�os nas coxas, como se aliviasse o desejo de me socar. Com um sinal manteve os assessores � dist�ncia.
– Voc� entende de cerveja? J� fez alguma na vida?
Contava ou n�o contava que era jornalista e cervejeiro principiante? Ainda n�o.
– S� algumas. Em panelinha caseira.
Ele ficou me olhando, conferindo do corte de cabelo ao sapato.
– E sua cerveja � boa, Vini? � Vini mesmo, n�?
– Acho que m�dio. Tenho umas ruins. Umas mais ou menos...
Romeu acenou a um dos assessores sem nem se virar. Sem me consultar, indicou:
– Te prepara a�. Vamos apanhar suas cervejas e levar at� minha casa pra apresentar � Julieta. Ver o que ela nos diz.
Do port�o j� vi como o casar�o remetia a fazendas coloniais de bar�es do caf�. E do nada surgiu Julieta. Uma do�ura de cachorrinha. Caramelo. Pelo curto. Fomos entrando. Conversa boa. Caf�. Contava que eu era jornalista? Ainda n�o.
Logo um dos assessores trouxe minhas cervejas. Gelei por inteiro. Imagina uma cadela te dar bomba!! Ela ganhou um carinho do dono, e ele me explicou como seria.
– Se ela gostar, lamber� minha m�o. Se for m�dio, vai arranhar o tapete. Se reprovar, vai rolar no ch�o.
Achei pra l� de ex�tico. Tr�s pequenas vasilhinhas emparelhadas serviram minha Pilsen. Julieta cheirou, deu uma lambida. Em seguida, rolou. Reprovado! Veio ent�o a Brown. Uma lambiscada e... rolou de novo. Putz. Eu ficando amarelo. A turma gargalhando. Por fim, a Witbier, que julgava minha obra-prima. E Julieta rolou, rolou, rolou... Antes que a bruma da decep��o tomasse o ambiente por inteiro, me antecipei.
– Tenho de confessar uma coisa.
Atmosfera de suspense. Todos me mirando como a um marciano.
– Sou jornalista. E essa � a raz�o que me trouxe aqui. A artimanha foi porque sua assessoria j� tinha barrado umas 10 tentativas de entrevista
.
Surpreendentemente, pareceu n�o haver espanto nem reprova��o. Romeu deu uma risadinha ir�nica, balan�ou a cabe�a.
– Eu desconfiava. E o seu crach� l� na feira, jornalista desatento, te denunciou. Mas dei corda pra ver at� que ponto ir�amos.
E agora, qual o pr�ximo passo? Me matarem e enterrarem o corpo na mata ao fundo? O anfitri�o fez um pedido de outra ordem:
– Me tragam aquela Bi�re de Garde premiada em toda a Europa.
Jogaram numa vasilhinha. Julieta cheirou. Lambiscou e... rolou.
Filhos da puta! O conjunto de gargalhadas me p�s a nu. Eu, palha�o, tinha me emaranhado na pr�pria armadilha. Pelo menos o n� da entrevista eu tinha desatado.
– Ah, Vini, pode publicar tudo. Mas conta tudo mesmo, hein? A turma ama uma boa hist�ria, �s vezes, at� mais do que a pr�pria verdade.
E n�o �?
Esta coluna � publicada quinzenalmente