
O Brasil perdeu, entre 2015 e 2019, mais de 4,6 milh�es de leitores, caindo o percentual dos mesmos de 56% para 52%. As maiores quedas foram observadas entre as pessoas com ensino superior, passando de 82% para 68%. Na classe A, o percentual de leitores passou de 72% para 67%. O brasileiro l�, em m�dia, cinco livros por ano, sendo, aproximadamente, a metade dos livros lidos parcialmente e a outra metade por inteiro.
Por outro lado, a internet e o WhatsApp ganharam espa�o, tanto entre os leitores como entre os n�o leitores, passando nos �ltimos quatro anos de 44% a 67%, aproximadamente. O alto pre�o dos livros, as dificuldades na leitura, a falta de tempo e de incentivo pelas fam�lias e pelo ambiente, s�o apontadas pelos entrevistados como as principais causas que explicam a queda no �ndice de leitura no pa�s. Para surpresa de muita gente, o pa�s que mais l� no mundo, desde 2005, � a �ndia, seguida por Tail�ndia, China e Filipinas. Na Am�rica Latina, o pa�s mais leitor � a Venezuela, no lugar 14. Nesse ranking, o Brasil ocupa o lugar 26.
Esses e outros dados interessantes constam na quinta edi��o da pesquisa Retratos de Leitura no Brasil, realizada pelo Instituto Pro Livro (IPL) em parceria com o Ita� Cultural. Possivelmente os dados de hoje sejam ainda mais preocupantes, pois a pesquisa foi realizada entre outubro de 2019 e janeiro de 2020. E, convenhamos, o ambiente no pa�s, com o governo que a� est�, n�o favorece em nada o incentivo ao gosto pela leitura, pela ci�ncia, cultura e afins. Radicar� a�, ao menos em parte, a explica��o dos males e da cegueira generalizada que nos afligem hoje, pol�tica e socialmente?
A hist�ria do livro � uma hist�ria de sombras e de luzes, por�m extremamente apaixonante. N�o importa que seja ele de “fuma�a, de pedra, de argila, de seda, de pele, de �rvore, de pl�stico ou de luz”, nas palavras de Irene Vallejo Moreu (Zaragoza, 1979), autora de um assombroso ensaio sobre a hist�ria do livro e seus guardi�es durante mais de 30 s�culos. O livro,“El infinito en un junco” (setembro de 2019), e que j� tem tradu��o ao portugu�s (“O infinito num junco”, Difel-Bertrand, Lisboa 2020), � um canto de amor aos livros e � sua hist�ria, cheia de vicissitudes.
Nesse extenso ensaio, de 400 p�ginas, a autora percorre a hist�ria desse fascinante artefato, da sua extraordin�ria aventura e dos milhares de pessoas que o constru�ram, conservaram e eternizaram em espa�os, momentos e condi��es hist�ricas variadas e inimagin�veis: mar e montanha, estepes e vales f�rteis, mosteiros, bibliotecas de conventos e universidades, cidades e campos. Obras produzidas pela m�o de narradores orais, escribas, tradutores, iluminadores, sonhadores, vendedores ambulantes, editores, escravos, espi�es e aventureiros, monges e freiras, e, claro, gente comum e leitores �vidos que mantiveram o livro vivo. “Com os livros mudou nossa maneira de viver, de pensar e de entender a realidade”, diz a autora.
S�crates tinha pavor dos escritos, porque, segundo ele, iriam destruir o conhecimento. Muitos autores da antiguidade pensavam da mesma forma, acreditando que tudo se banalizaria, se publicaria qualquer coisa e a cultura desapareceria. Fen�meno parecido aconteceu com a inven��o da imprensa (Johann Gutenberg, d�cada de 1430). � queima de livros pela Inquisi��o, acompanhou a ca�a �s “bruxas”; as “listas negras” de livros proibidos se tornaram comuns ao longo da hist�ria; a Igreja Cat�lica teve seu pr�prio Index; nas fogueiras modernas, promovidas pelos fascismos e ditaduras, a censura de textos, pensadores, escritores e jornalistas, sempre foram tentativas de aniquilar o conhecimento, por consider�-lo um inimigo perigoso. “O conhecimento � um poder enorme e muitas vezes, quando se tenta afastar o reprimir, � para ter o controle. As leituras permitem que o saber abandone os c�rculos privilegiados e se espalhe”, diz Vallejo.
� um pouco esse o medo que nos invade com a internet hoje, apesar de que � preciso olhar com otimismo o novo mundo virtual, como uma “vers�o total do sonho alexandrino”. H� um componente emocional e de prote��o nos livros: “Nos momentos de cat�strofe, a gente segue procurando os livros. A nossa tend�ncia � pensar que a cultura � algo ornamental para tempos de prosperidade. Mas, nas cavernas, afugentavam o medo, a escurid�o e os depredadores com hist�rias. Junto ao calor do fogo acharam as palavras, que � outra forma de prote��o”, afirma Irene Vallejo. Gra�as � escrita difundida, uma ideia n�o morre, volta a crescer e se fortalece em outras pessoas e sociedades. O livro nos tirou da escurid�o e da escravid�o do atraso, para projetar luz e liberdade para a humanidade.
Perguntada, numa recente entrevista, sobre quais li��es podemos extrair dos autores cl�ssicos, nesse mundo p�s-pandemia, Vallejo respondeu: “Existe um fantasma que percorre o nosso tempo, o do olhar a curto prazo, que n�o nos permite contemplar com mais perspectiva nossas vidas e o futuro. Os cl�ssicos nos ajudam a sair da cacofonia do moment�neo, convidam a refletir, � calma e a olhar a realidade desde outros �ngulos”. O imediatismo n�o � um bom conselheiro!
Podemos concluir, ent�o, que o livro � um ref�gio que convida ao autoconhecimento, passo inicial para a possibilidade de entendimento do mundo, e a constru��o de liberdade. Nele se concentram o passado, o presente e o futuro, suas rela��es e a possibilidade de sonhos e projetos pessoais e sociais que nos impulsionam para o al�m. A leitura de bons livros, al�m de promover os �bvios ganhos de ortografia, aumento de vocabul�rio, compreens�o e interpreta��o de textos, auxilia tamb�m nas melhorias emocionais do leitor, expandindo a empatia, fortalecendo o autoconhecimento e ajudando na compreens�o de outras realidades, al�m de melhorar a concentra��o e uma perspectiva nova, desde o sil�ncio e o pensamento aut�nomo.
� fundamental que essa hist�ria de luz e liberdade do livro continue em frente e sobreviva, apesar das amea�as. E o papel de educadores, fam�lias, escolas e universidades, meios de comunica��o, enfim de todos n�s, � imprescind�vel!
Francisco Morales Cano
Diretor Pedag�gico do Col�gio Guidon, em Contagem