
Como paciente oncol�gica, Fabi faz parte dos grupos de risco do coronav�rus. Por isso, viemos nos refugiar no alto da Serra da Mantiqueira, fugidos de S�o Paulo, onde vive este atleticano exilado. Agora no mato, cercado de montanhas, vacas e mosquitos, guardados por Fidel Castro e Fantasma, meu pastor e meu galgo, cumprimos a quarentena apartados da humanidade.
Em nossa Sierra Maestra dorme-se cedo. N�o h� televis�o. Para acessar a internet � preciso escalar uma montanha vizinha, subir a trilha driblando as bostas da vaca e atingir o cume e a gl�ria do 4G sentado na pedra como um Zaratustra. Melhor se ater aos livros.
Ontem mesmo a biografia de Tiradentes, de Lucas Figueiredo, me ensinou que a Serra da Mantiqueira tinha o acesso proibido durante o per�odo colonial, obrigando os viajantes que iam de Minas Gerais para o Rio de Janeiro a passar pelos “registros” de coleta de impostos. Foi ele, o alferes arrancador de dentes, o encarregado de abrir a primeira estrada, tendo ganhado depois uns lotes de terra por essas plagas. Tamb�m ajudou a combater o M�o de Luva, um bandido local com esse nome de goleiro (alguns s�o M�os de Alface). Quando subo o morro no encal�o da internet, bato os olhos na vastid�o de outros morros em busca do meu vizinho famoso.
Na baixa densidade demogr�fica em que me encontro, dou not�cia de um �nico atleticano, residente a cerca de 10 quil�metros. N�o o conhe�o, � amigo do amigo do amigo, mas � famoso por dormir e acordar com uma camisa do Galo, beca com a qual desfila na vila mais pr�xima. Avan�o na hist�ria do nosso Joaquim e posso v�-lo de punho cerrado, como Reinaldo, o primeiro a desafiar Portugal, o outro a confrontar a ditadura. Certeza que Tiradentes era atleticano, ainda que n�o houvesse Atl�tico, o que eu duvido (o Galo � eterno, pra tr�s e pra frente).
Na matula que trouxe de S�o Paulo, vim preparado para o fim do mundo, com a perspectiva de me embrenhar na mata profunda, entre cobras e on�as, caso o “Coronga” se aproxime. Para tanto, calculei necess�rias umas duas ou tr�s camisas do Atl�tico. Com o passar dos dias e das noites, sempre iguais, dei pela falta de um item que pode ser de grande efic�cia no combate sen�o ao corona pelo menos ao saco cheio: o meu jogo de bot�o. Parto hoje mesmo em miss�o de resgate.
Sim, vou at� a casa do inimigo, S�o Paulo, em busca de Jo�o Leite, Nelinho, Luisinho, Batista e o Touro Walen�a; Cerezo, Manco e Renato Dram�tico; Catatau, Reinaldo e �der – eis o meu hist�rico 4-3-3, imbat�vel no alto da rua do Ouro, quando ainda n�o existia a avenida dos Genocidas, digo, dos Bandeirantes. O leitor mais atento certamente estranhou a escala��o de Manco com a camisa 8. Tamb�m estranhei quando, ali pelos meus 12 anos, dispus a selegalo sobre o Estrel�o e um dos nossos apresentava um defeito de fabrica��o – era desalinhado na parte de baixo. Virou o Manco, esp�cie de Emerson Concei��o, ou um Z� Welison piorado porque capenga.
Junto com o Atl�tico, vir� tamb�m mais dois Atl�ticos, al�m do Cosmos de Nova York e as sele��es da Argentina, Brasil, Inglaterra e It�lia. O Estrel�o joguei fora depois de ter grafado uma su�stica em um dos campos e um A da anarquia no outro. Uma peleja hist�ria. Mas mal compreendida antes de o nazismo voltar � moda no Brasil com discursos de Goebbels e o Nazista de Una�. Demolido logo ap�s servir de abrigo aos filhotes de Cajango, meu falecido Akita, ergueu-se em seu lugar um campo oficial sobre cavaletes, minha mesa de jantar quando me mudei para S�o Paulo, em 1996. Como alugara um quarto e sala no Edif�cio Guarapor�, achei por bem conced�-lo o naming right, batizando-o Gigante do Guarapor�.
A exemplo de uma arena que se erguesse no improv�vel bairro Calif�rnia, o Gigante do Guarapor� despontar� entre as montanhas proibidas da Serra da Mantiqueira. Chega dessa abstin�ncia de jogos do Galo! E na estreia contra o Cosmos, restar� provada a verdade hist�rica: Reinaldo � muito maior do que Pel�. Na terra de Tiradentes, quem manda � o Rei.