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Estado de Minas DA ARQUIBANCADA

Que nunca mais se possa ver um jogo, de tanta bandeira

O Ken ficou puto. Ele acha que o est�dio � pra ver futebol, n�o percebe que ali � a pra�a de guerra onde finca a bandeira quem canta mais alto


28/01/2023 04:00

Aos trancos e barrancos, as bandeiras resistiram, cada vez mais tímidas e em menor número, assim como as faixas e parece terem sido redescobertas
Aos trancos e barrancos, as bandeiras resistiram, cada vez mais t�midas e em menor n�mero, assim como as faixas e parece terem sido redescobertas (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press - 28/11/21)

 

Este ordenhador de pedras acaba de ser informado sobre a eclos�o da Revolta das Bandeiras. Trata-se de um movimento de insurrei��o liderado por Ken, o marido da Barbie, contra o tremular de todo e qualquer estandarte que interfira no sagrado direito de consumidor que o torcedor de sapat�nis tem de assistir ao jogo sem precisar levantar o traseiro do conforto de sua cadeira. Ken pagou o ingresso. Ken est� puto.

 

Ali pelo in�cio dos anos 90, havia uma torcida mais ou menos organizada chamada Dependentes – uma refer�ncia, talvez, � Independente, do inimigo S�o Paulo. Chamava-se, a bem da verdade, Dependentes da Erva. Se bem me lembro (herc�leo exerc�cio), ela se aboletava na periferia da Drag�es da FAO, esquina com a Galoucura. N�o tinha faixa nem bandeira. Essas coisas d�o trabalho, e os Dependentes tinham outras prioridades.

 

Numa quarta-feira � noite, um de seus membros-fundadores observava bovinamente o movimento da arquibancada enquanto o arranca-toco se desenrolava l� embaixo sem grandes progressos. Quis saber o que passava em seus esfuma�ados bot�es. “P�, bicho, t� vendo aqui o tanto de mulher que tem no Mineir�o na quarta-feira.” E completou, sem se dar conta da perigosa profecia que estava a cunhar: “A gente tinha que vir de blazer”.

 

Duas d�cadas depois, tendo os Dependentes desaparecido na fuma�a do tempo, a arquibancada foi substitu�da pelas cadeiras. Surgiram banheiros em m�rmore de carrara e torneiras de cobre. Foi por essa �poca que avistei Ken pela primeira vez. J� estava com a Barbie. Eu ainda insistia na minha velha camisa Penalty ano 1986, n�mero 4 �s costas, costurado a m�o, o amuleto que sempre dava errado. Mas, no meio daquela gente diferenciada, passei a temer que o padre J�lio Lancellotti pudesse me arrastar para algum abrigo na cidade.

 

S� faltava engomar a camisa listrada e sair por a�. A polariza��o se dava entre os que desejavam a Adidas e os que sonhavam com a Nike. Aboliram a serpentina de rolos de papel higi�nico, pois Ken receava o in�dito inc�ndio provocado pelo perigoso combust�vel com o qual limpamos a bunda sem dar conta do risco. Os fogos n�o provocavam mais a espessa fuma�a, j� que Barbie poderia sufocar. O bolinho de feij�o foi pro saco. Privatizaram o tropeiro.

 

O atleticano de sapat�nis havia chegado ao poder. N�o tardaria o blazer. O macho empoderado exige seus direitos. O atleticano de sapat�nis tem direito de assistir ao jogo, pagou pelo ingresso, vai reclamar no SAC, vai falar com a ouvidoria. O atleticano de sapat�nis tem �dio do filho de vidraceiro com sua inoportuna bandeira. Como cidad�o brasileiro, ele reivindica seu sagrado direito de permanecer calado.

 

Em outros tempos, as bandeiras entravam enfileiradas por um �nico t�nel de acesso dos corredores � arquibancada do Mineir�o. Uma a uma, como formigas sa�das do formigueiro, formava-se a enorme fila de embandeirados que dava a volta no anel superior. Ficavam depositadas sobre o guarda-corpo da arquibancada, em prontid�o, at� que o time entrasse em campo – e a dan�a dos bambus fizesse daquele manejo de panos um dos maiores espet�culos da Terra.

 

Aos trancos e barrancos, as bandeiras resistiram, cada vez mais t�midas e em menor n�mero, assim como as faixas (que precisaram dar lugar � propaganda). At� que, de repente, parece terem sido redescobertas, desdobradas e chamadas � luta. S�o o s�mbolo da resist�ncia, o poder que emana do pov�o, o punho cerrado do Rei.

 

O Ken ficou puto. Ele acha que o est�dio � pra ver futebol, n�o percebe que ali � a pra�a de guerra onde finca a bandeira quem canta mais alto. O Ken quer acabar com a Galoucura, quer expulsar a Resist�ncia Alvinegra. O sonho do Ken � Roland Garros.

 

Esta semana, o presidente Lula esteve na Argentina e se encontrou com as M�es da Pra�a de Maio, o hist�rico grupo de mulheres que tiveram seus filhos mortos ou desaparecidos pela ditadura que governou o pa�s entre 1976 e 1983. S�o velhinhas, tanto ou mais do que o pr�prio Lula. Mas Lula se sente jovem, assim como as abuelas da Pra�a de Maio. E ele deu a elas a explica��o para o fen�meno: “N�o se envelhece quando se tem uma causa”.

 

Uma causa, v� ao pai dos burros, � uma bandeira. Ken nasceu velho, vai passar. N�s vamos ficar e cantar. E que em breve nunca mais se possa ver um jogo, de tanta bandeira. 

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