
At� os sinos silenciaram-se para ver o Cruzeiro no primeiro dia da festa pag�. Becos, adros de igrejas, sacadas, eiras e beiras enfeitaram-se com adere�os azuis e brancos. As pedras tricenten�rias das ruas de S�o Jo�o Del Rei, alegres, formavam blocos. Tocadas pelos raios de sol, trincavam, como quem – ansioso – batuca com as m�os o samba porvir.
Emanou um agudo tilintar no Largo do Carmo. O repique da caixa mandava avisar: “o Bloco Rapos�o vai passar nessa avenida azul popular”. Uma multid�o come�ou a dan�ar, distribuindo sorrisos por entre o cen�rio do interior mineiro. O grave do surdo ditava o passo, como se anotasse gols atr�s de gols. Cruzeirenses, atleticanos, flamenguistas, torcedores de todas as cores e mesmo quem n�o suporta nem ouvir falar em futebol. Uma massa heterog�nea de gente feliz se abra�ou, cantou, pulou carnaval, fardada de azul e branco.
O amor ao Cruzeiro � admirado por todos. Se um dia diretorias, cartolas e gestores de planilha da nossa institui��o compreendessem a ess�ncia interiorana do “ser cruzeirense”, entendessem o real significado de sermos o time do povo, iniciativas monumentais, como o Bloco Rapos�o, seriam tombadas como “patrim�nio imaterial” da cultura celeste.
O interior mineiro � azul e branco na sua esmagadora maioria, mas o estouro de alegria do Carnaval n�o � nossa exclusividade. � uma festa onde cruzeirense brinca com atleticano; interiorano pula junto com o da capital; rico divide avenida com pobre; oper�rio pinta o sete com patr�o.
Carnaval jamais foi (ou dever� ser) jogo, onde busca-se superar o advers�rio. � �poca de dividir contentamento. No caso da Minas Gerais celeste, � momento at� de dar a chance aos outros de provar a felicidade de ser Cruzeiro. Mas a quarta-feira de cinzas sempre chega. Se em outros clubes, a vida (e hist�ria) � uma eterna ilus�o, no caso da Na��o Azul, n�o podemos nos dar esse luxo, pois uma dura realidade nos aguarda.
O �nico gigante do futebol mineiro n�o nasceu em ber�o de ouro. N�o tem patrono bicheiro, mecenas com mamadeira de dinheiro p�blico ou aparelhamento dos poderes para lhe pagar est�dios aleg�ricos, plumas e paet�s. N�s viemos de uma velha guarda oper�ria e imigrante, onde a vida dura n�o permite segunda chance.
Para n�s, n�o h� tempo para curtir ressaca. A volta � realidade nesse p�s-carnaval � urgente, pois atingimos apenas o in�cio do processo de reconstru��o de um cemit�rio clandestino gigantesco deixado pelos sanguessugas e feudos familiares que mancharam a nossa hist�ria. Por isso, agora, quando as fantasias voltam para o barrac�o, e a pol�tica interna do clube vai tomar o lugar da leveza, fica o pedido por muita sabedoria, malemol�ncia e cuidado �s duas alas lan�adas ao pleito pela “presid�ncia-t
amp�o”.
Sentem numa roda. N�o deixem que a implic�ncia de um ou dois por A ou B contamine um coletivo. Assim como n�o se permitam a vaidade pessoal acima do bem geral. Mantenham a legitimidade de se ter duas alas nascidas da mesma indigna��o (ou se unam). Fa�am do quesito “harmonia” o enredo de nossa escola. Portem a bandeira do respeito m�tuo. Troquem estrat�gias e versos, como voc�s mesmos fizeram no instante de extirpar os calhordas da gest�o Wagner Nonato Pires Machado de S�.
Se juntos ou separados, fa�am do pleito n�o um jogo, mas um carnaval, onde n�o exista espa�o para retrocessos. Onde se deve rir para n�o chorar. N�o atravessem esse samba da reconstru��o, composto pelos senhores mesmos.